O “negócio da China” do UBS está começando a azedar?

A relação entre o alto escalão do UBS e a ministra suíça das Finanças, Karin Keller-Sutter, está se deteriorando rapidamente. Dois anos após o banco ter comprado o Credit Suisse em um acordo conduzido pelo Estado, o governo está se preparando para impor novas e rigorosas regras de capital ao banco. Ao que tudo indica, não há espaço para conciliações.
“Houve vários contatos entre o alto escalão do Ministério das Finanças e do UBS”, disse o ministério ao Financial Times. “Apesar disso, essas conversas não são negociações e seria um erro concebê-las como tal”.

As reformas previstas, que poderiam forçar o UBS a manter até US$ 25 bilhões (CHF 22 bilhões) de capital adicional, colocaram o maior banco da Suíça contra o corpo político e regulatório do país, numa disputa que tem se tornado cada vez mais inflamada.
A aquisição do Credit Suisse, que um político suíço qualificou como “o negócio do século”, gerou um ganho contábil de US$ 29 bilhões. Dois anos depois, no entanto, o UBS está lutando na retaguarda. A saga pesou sobre o preço das ações do banco e pode forçá-lo a reconsiderar alguns de seus planos estratégicos de longo prazo, de acordo com analistas e pessoas da área.
“O que o UBS pode controlar está indo bem: a integração, a redução dos ativos não essenciais, a reestruturação”, disse Andreas Venditti, analista sênior da Vontobel. “O motivo pelo qual o preço das ações foi prejudicado, e o seu desempenho foi inferior ao de seus pares norte-americanos e europeus, é a incerteza acerca da regulamentação”.
No centro do debate está uma proposta de reforma que exigiria que o UBS – que tem operações significativas no Reino Unido e nos Estados Unidos – capitalizasse integralmente suas subsidiárias estrangeiras com 100% de capital próprio, em comparação aos 60% exigidos atualmente. O órgão regulador financeiro da Suíça, a FINMA, e o banco central do país manifestaram apoio à proposta, que antecede uma reformulação ampla do arcabouço regulatório do sistema financeiro do país, conduzida atualmente por Keller-Sutter.
Tal mudança elevaria o chamado Índice de Capital Principal de Nível 1 (‘Core Equity Tier 1’, em inglês) do banco, uma importante medida de solidez de capital. O índice do UBS sairia do seu nível atual de cerca de 14% dos ativos ponderados pelo risco para até 19%. Isso exigiria que o banco mantivesse um volume significativamente maior de capital em comparação a vários de seus pares internacionais: as estimativas dos analistas indicam que o valor aumentaria entre US$ 15 bilhões e US$ 25 bilhões.
‘Absolutamente excessiva’
Sergio Ermotti, diretor-executivo do UBS, qualificou a proposta como “absolutamente excessiva”, e o banco tem intensificado o lobby junto às autoridades para evitar a aprovação da medida. Segundo pessoas próximas às negociações, o UBS conseguiria lidar com um “ajuste pontual”. A instituição declarou que apoia, “em princípio”, as propostas do governo para fortalecer a estabilidade financeira da Suíça, mas que se opõe a “medidas desproporcionais”.
Outros observadores demonstram pouca simpatia. “Se eu fosse o órgão regulador suíço, estaria fazendo exatamente a mesma coisa”, disse um executivo sênior de um grande banco europeu. “O UBS precisará enfrentar o fato de que terá de manter mais capital”.
O debate ocorre em um momento em que o UBS enfrenta desgaste junto à opinião pública suíça, com políticos manifestando preocupação quanto ao porte do banco, cujo balanço patrimonial já é maior do que a economia do país.
Meses antes, parlamentares suíços criticaram duramente a FINMA, que ainda estava sob sua antiga liderança, por ter flexibilizado os requisitos de capital do Credit Suisse nos anos que antecederam seu colapso. Agora, sob o comando do alemão Stefan Walter, o órgão regulador e o Ministério das Finanças estão alinhados.
As autoridades argumentam que, após o colapso do Credit Suisse, a Suíça precisa reforçar a estabilidade e a reputação do setor financeiro e se proteger contra um possível resgate do UBS. Devido ao seu tamanho, o UBS é classificado como ‘too-big-to-fail’, uma expressão usada no setor financeiro para descrever empresas “grandes demais para fracassar”, ou seja, empresas cujo colapso traria sérias consequências econômicas para o país.
“O UBS já é um dos bancos mais bem capitalizados do mundo”, disse a instituição em comunicado ao Financial Times.
‘Não é suíço’
As relações entre as duas partes se deterioraram ao longo do mês de março, com o debate se intensificando na mídia e em redes sociais por meio de vazamentos e ameaças, incluindo a sugestão de que o UBS estaria considerando transferir sua sede. Esse nível de atrito e ressentimento é atípico na Suíça, onde tradicionalmente prevalecem o pragmatismo e uma postura conciliadora nas negociações.
Ermotti dedicou 3.600 palavras a uma carta aberta direcionada aos funcionários e funcionárias em março. Nela, ele criticou as autoridades por se tornarem o “maior obstáculo para a obtenção de um bom resultado” para o UBS e para a Suíça. Já a ministra das Finanças, Keller-Sutter, criticou o “intenso” esforço de lobby do banco. “Eu represento os interesses dos contribuintes… o UBS representa seus interesses comerciais”, disse ela recentemente.
Um executivo do setor bancário suíço afirmou: “Isso simplesmente não é suíço. É política ao estilo Trump, com disputas e insinuações públicas, sem que nenhum dos lados se envolva diretamente em discussões sensatas e calmas. Muitos no setor estão preocupados pela situação ter chegado a esse ponto”.
O projeto de lei que atualiza as regras de capital deve ser apresentado aos parlamentares suíços até junho. Mas a decisão do Ministério das Finanças, tomada em fevereiro, de que as reformas seriam implementadas por meio de legislação – e não por decreto executivo – faz com que seja improvável que qualquer mudança seja implementada antes de 2028. A incerteza tem pesado na perspectiva dos investidores em relação ao UBS.
O UBS ficou de fora da valorização recorde das ações de bancos europeus no último ano. Embora as ações do banco suíço ainda estejam cerca de 60% acima dos níveis anteriores à aquisição do Credit Suisse, elas se mantiveram estáveis nos últimos 12 meses.
Enquanto isso, as ações de outros grandes bancos europeus dispararam no ano passado, incluindo as do UniCredit e do Santander, que registraram altas de cerca de 50% e 40%, respectivamente. O índice Euro Stoxx Banks, que acompanha os maiores bancos da zona do euro, subiu mais de 40% durante o período e acumula uma valorização de quase 100% desde que o UBS adquiriu o Credit Suisse, em março de 2023.
Estratégia de três anos
De acordo com fontes da área, os executivos do UBS consideram o debate sobre capital como um “enorme obstáculo” para o desempenho das ações do banco.
O banco suíço continua sendo um dos mais valiosos da Europa, negociado a cerca de 1,2 vez o valor patrimonial. Ainda assim, havia a expectativa de que a aquisição do Credit Suisse ajudasse a reduzir a diferença de valor de mercado em relação a seus concorrentes norte-americanos. A aquisição permitiria que o UBS escolhesse os ativos, clientes e profissionais mais atraentes da área de gestão de patrimônio e do banco de investimentos de seu antigo rival.
O UBS tem procurado reproduzir as estratégias adotadas pelo Morgan Stanley nos últimos anos — banco em que o atual presidente do conselho, Colm Kelleher, passou a maior parte da carreira e que também possui uma grande operação de gestão de patrimônio, mas que é negociado a cerca de duas vezes o valor patrimonial.
No ano passado, Ermotti anunciou uma nova estratégia de três anos com foco em impulsionar a área de gestão de patrimônio, principalmente nos Estados Unidos e na Ásia. A meta é aumentar os ativos de gestão de patrimônio de US$ 3,8 trilhões para mais de US$ 5 trilhões até 2028, atraindo anualmente US$ 100 bilhões em novos ativos líquidos até 2025 para alcançar esse objetivo.
No entanto, agora há dúvidas sobre a viabilidade do objetivo do UBS de reduzir a diferença em relação aos seus concorrentes norte-americanos – o que pode gerar insatisfação entre uma base de acionistas cada vez mais exigente.
Johann Scholtz, analista da Morningstar, afirmou que alguns aspectos do desempenho do UBS nos últimos meses não foram satisfatórios, principalmente na área de gestão de patrimônio.
“O mercado ficou um pouco decepcionado com o crescimento dos novos ativos líquidos [na gestão de patrimônio] nos últimos trimestres”, disse Scholtz, acrescentando que as metas poderiam ser mais ambiciosas.
Scholtz também afirmou que a divisão de gestão de patrimônio nos Estados Unidos continua a prejudicar a lucratividade geral do grupo e que requisitos de capital mais altos só agravariam a situação. Segundo ele, as reformas poderiam colocar em dúvida a viabilidade da estratégia do UBS de focar no mercado de patrimônio dos EUA.
“Se houver um aumento nas exigências de capital, será preciso analisar com muito cuidado se faz sentido manter uma presença tão ampla e contínua na gestão de patrimônios nos EUA. Isso elevaria ainda mais o obstáculo para a operação nos EUA e enfraqueceria a posição competitiva do banco”, disse Scholtz.
Alguns acionistas apoiaram firmemente o UBS – inclusive o investidor ativista Cevian Capital, que declarou publicamente o seu apoio à liderança e à estratégia do grupo ainda em fevereiro.
Mas investidores que antes acreditavam que o UBS tinha potencial para alinhar seu valor de mercado ao dos concorrentes norte-americanos agora estão em dúvida, disseram pessoas próximas ao banco. “Agora eles estão dizendo: ‘Pode ser que o UBS esteja se tornando mais parecido com um banco europeu do que com um banco norte-americano – ainda é cedo para dizer’”.
Opinião pública negativa
Tudo isso – a turbulência pública em torno dos requisitos de capital, a estratégia de Ermotti e o desempenho desanimador da área de gestão de patrimônio nos últimos trimestres – tem como pano de fundo o fato de o UBS ter de administrar a complexa integração do Credit Suisse. O processo está entrando em uma fase crucial: a migração de mais de um milhão de clientes do varejo suíço para os sistemas do UBS.
“É como tentar realizar uma cirurgia de coração aberto enquanto pessoas entram na sala de cirurgia tentando te distrair”, disse uma pessoa próxima às negociações.
Ao mesmo tempo, o banco está elaborando planos para reduzir o quadro de funcionários por meio de programas de demissão, além de contar com a rotatividade natural e as aposentadorias.
Os executivos têm como meta reduzir o número de funcionários e funcionárias para cerca de 85 mil pessoas até o fim do processo de integração, em 2026, o que significa que mais 25 mil cargos devem ser eliminados nos próximos 21 meses. Uma pessoa familiarizada com o assunto afirmou que a taxa de rotatividade do banco – o percentual de funcionários que deixam a instituição a cada ano – está abaixo de sua média histórica, o que complica o processo.
O UBS e o establishment suíço estão se preparando para uma longa disputa, com consultas e articulações políticas que devem se arrastar por mais três anos. Mesmo assim, a proposta poderá ser submetida à população suíça em um referendo nacional.
“O choque do colapso do Credit Suisse foi tão grande e a opinião pública sobre o que aconteceu foi tão negativa que criou essa situação”, disse Venditti, do Vontobel, acrescentando que um referendo “seria ruim para o banco, dada a opinião pública negativa”.
Outra pessoa do setor bancário foi mais direta: “Os suíços são inteligentes e informados. Mas, mesmo assim, pode haver um cenário em que pessoas de vilarejos remotos votem sobre um assunto altamente técnico”.
Um dos 15 maiores acionistas do UBS disse que a incerteza em torno das reformas de capital não é construtiva, mas expressou esperança de que as duas partes encontrem uma solução viável.
“A Suíça sempre chega à conclusão de que o país se beneficia enormemente por ter o UBS sediado e operando lá, assim como o UBS se beneficia enormemente por estar na Suíça. É uma relação recíproca e mutuamente benéfica. Acreditamos que haverá um resultado proporcional e que o bom senso prevalecerá”.
Copyright The Financial Times Limited 2025
Adaptação: Clarice Dominguez

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