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Gigante suíça pagou $390 milhões em acordo com general angolano

Trafigura
A transação de ações no ano passado foi parte de um esforço da empresa suíça para reestruturar seus negócios no país africano rico em petróleo. Keystone / Martial Trezzini

A gigante de commodities Trafigura pagou US$ 390 milhões a um general angolano aposentado por suas ações na Puma Energy, uma subsidiária da empresa que fornece combustível internacionalmente. Os termos desse negócio nos dão um exemplo de qual foi o preço de desfazer uma das relações mais lucrativas e controversas da empresa suíça.

A transação, realizada em junho do ano passado, fez parte dos esforços da Trafigura para reestruturar seus negócios em Angola e para atrair mais credores para a Puma Energy, que está endividada. Para isso, reduziram a participação de Leopoldino Fragoso do Nascimento – amplamente conhecido como “General Dino” – na empresa de 15% para cerca de 5%.

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FT

Dino foi conselheiro militar do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos e era um dos empresários mais poderosos da nação africana – que é uma grande produtora de petróleo – durante a última década de seu governo, que durou 38 anos.

Durante o governo de Dos Santos, parcerias com a Dino’s Cochan Holdings LLC ajudaram a Trafigura a dominar o fornecimento de produtos petrolíferos em Angola, gerando grandes lucros que possibilitaram a transformação do grupo suíço de pequeno comerciante em gigante global de commodities.

Diminuição da participação

Então, em 2017, Dos Santos entregou o poder a João Lourenço, que desde então tem acusado o ex-presidente de governar corruptamente durante décadas. Lourenço começou a reivindicar ativos de aliados de Dos Santos e a reformular contratos. Em outubro do ano passado, Dino foi oficialmente indiciado por promotores angolanos como suspeito de um suposto caso de corrupção envolvendo várias empresas chinesas de destaque.

A Trafigura anunciou seus planos de reduzir a participação acionária de Dino em março de 2020, mas não revelou os termos do acordo na ocasião.

De acordo com o relatório anual de 2020 da Puma, a Trafigura PE Holding Limited, registrada em Malta, pagou US$ 390 milhões à Dino’s Cochan em junho de 2020 por pouco menos de 12 milhões de ações, o que equivale a aproximadamente US$ 33 por ação. A transação fez com que a Cochan, que então controlava 5,04% da empresa, “deixasse de ser uma acionista relevante”, disse a Puma.

Através do DT Group, uma joint venture formada em 2009 pela Trafigura e pela Cochan, Dino ajudou a Trafigura a manter, por quase uma década, o que era praticamente um monopólio do fornecimento de produtos petrolíferos em Angola. Uma vez dentro do país, esses produtos eram distribuídos a clientes comerciais e varejistas através da rede de estações de serviço, terminais aeroportuários e terminais marítimos da Puma.

Um acordo complexo

Foi em 1997 que a Trafigura investiu pela primeira vez na Puma, que agora conta com mais de 7.000 funcionários em 45 países. A Cochan, por sua vez, investiu em várias operações da empresa na África entre 2008 e 2010, de acordo com os registros da Puma. Em 2010, a Cochan converteu essas ações em uma participação de 18,75% na empresa. Esse número foi posteriormente diluído para 15%.

Em 2011, a Sonangol, a petrolífera estatal angolana, também adquiriu uma participação na Puma, e Dino se manteve no conselho internacional desta de 2013 a 2020.

A participação acionária de Dino na Puma e seu cargo no conselho mostravam a importância de Angola para a Trafigura, disse Ricardo Soares de Oliveira, professor da Universidade de Oxford que tem estudado o papel dos comerciantes de commodities em Angola. “Dino não era apenas um intermediário local. Ele, ou os interesses angolanos que ele representava, haviam se tornado extremamente importantes”.

Ele acrescentou que, após Lourenço tomar o poder, a estreita relação de Dino com o regime de Dos Santos deixava a Trafigura aparentemente sem escolha: se quisesse ter algum futuro no país, sua única opção era diminuir o papel de Dino.

Logo após a mudança de liderança, a Sonangol reformulou os contratos para o fornecimento de produtos petrolíferos refinados em Angola, afastando a Trafigura e concedendo acordos à Total para o fornecimento de gasolina e à Glencore para o de diesel marítimo.

Seguindo em frente

Como mais um sinal de mudança na posição da Trafigura no país, o comerciante suíço anunciou em abril que se retiraria do negócio de distribuição de combustível em Angola. A empresa adquiriu a participação de 32% da Sonangol na Puma por US$ 600 milhões, e, logo depois, vendeu os ativos angolanos da fornecedora de combustível à Sonangol pelo mesmo valor.

Essa transação avaliou as ações da Puma em US$ 20 por ação, enquanto uma segunda transação acionária, de junho de 2020, avaliou o seu preço em cerca de US$ 19 por ação, mostram registros públicos.

Ao ser questionada pela Trafigura, a Puma disse que se sentia “confortável por ter pagado a quantia certa” pela participação da Cochan no negócio, e que “a avaliação utilizada foi pré-Covid-19 e era consistente com o valor da participação da Trafigura, de então 49,3%, na Puma Energy”.

Em seu relatório anual de 2019, a Trafigura havia reduzido o valor de sua própria participação na Puma para US$ 1,75 bilhão, avaliando o fornecedor de combustível em quase US$ 3,6 bilhões.

Não foi possível contactar o General Dino.

“Para permanecer em Angola, mesmo que com um papel muito reduzido, a Trafigura precisava seguir em frente, para além das parcerias da era de Dos Santos”, disse Oliveira.

Participação adicional de Neil Hume

Copyright The Financial Times Limited 2021

Adaptação: Clarice Dominguez

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