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Grandezas e limites das Conveções de Genebra

A diplomacia suíça se comprometeu com o direito humanitário graças à Gustave Ador (1845-1928), que entrou no Executivo Federal depois ter dirigido a Curz Vermelha. redcross.int

A batalha de Solferino, no norte da Itália, deu origem à primeira Convenção de Genebra, base do direito humanitário internacional.

Quando também se comemora os 60 anos da adoção das Convenções de 1949, François Bugnon, grande conhecedor do direito humanitário, esclarece o contexto desses tratados e o papel da Suíça, Estado depositário dessas convenções.

Após 38 anos a serviço do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) – inicialmente como delegado, depois como diretor do departamento de direito internacional – François Bugnion continua a trabalhar de consultor independente em direito humanitário internacional.

swissinfo: Quais são as especificidades das Conventções de Genebra?

François Bugnion: Henry Dunant e os outros pais fundadores da Cruz Vermelha tinham a impressão de criar algo de totalmente novo. Na realidade, já existiam regras destinadas a limitar a violência da guerra desde antiguidade.

Mas essas regras tradicionais só se aplicavam dentro de um espaço cultural, no mundo cristão ou no mundo muçulmano, por exemplo. Quando esses dois mundos se enfrentavam, essas regras não se aplicavam.

A grande inovação de Henry Dunant e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1863) foi criar um direito fundado no acordo entre as partes e não mais sobre o respeito de uma divindade. As regras escritas inseridas no direito positivo podiam ser difundidas e aplicadas universalmente.

De fato, a 1a Convenção de 1864 é o ponto de partida do conjunto do direito humanitário internacional contemporâneo, incluindo as Convenções de Haia de 1899 e 1907.

O direito humanitário precisa de catástrofes para progredir?

Nessa área, como em outras, os indivíduos e os Estados reagem ao invés de anteciparem. Depois da Primeira Guerra Mundial, o CICV lançou rapidamente uma revisão das Convenções de Genebra para a proteção de prisioneiros de guerra e da população civil. Esses projetos foram concluídos pela adoção da convenção de 1929 protegendo os prisioneiros de guerra. Em contrapartida, os Estados não aceitaram a proteção dos civis e houve um enorme número de vítimas civis na Segunda Guerra Mundial.

O paradoxo da Segunda Guerra Mundial é de ter sido ao mesmo tempo palco de inúmeras atrocidades que culminaram com o Holocausto, e de ter respeitado certas regras como a dos prisioneiros de guerra e a proibição das armas químicas (protocolo de 1925).

Desde fevereiro de 1945, o CICV começou as discussões para uma nova revisão das Convenções de Genebra concluídas em 1949, notadamente com a 4a Convenção sobre a proteção de civis e o artigo 3 sobre os conflitos não internacionais. Isso foi rápido, dado o contexto da época (início da guerra fria). Aliás, o CICV estava convencido que a divisão dos vencedores levaria a uma Terceira Guerra Mundial.

Finalmente, os conflitos ligados à descolonização (Indochina, Argélia, Quênia, África do Sul, Vietnã etc.) incitaram os Estados a completar as convenções de 1949, com os protocolos adicionais de 1977.

É possível avaliar o impacto do direito humanitário sobre as guerras?

Nos conflitos entre Estados com forças relativamente equivalentes (Índia-Paquistão, Israel e os países árabes, guerra das Malvinas, 1a guerra do Golfo Pérsico), a maioria dos prisioneiros de guerra foram protegidos e serviços de socorro também, mesmo as regras do direito humanitário nem sempre foram respeitadas.

Nos conflitos internos ou quando um conflito internacional se superpõe a um conflito interno, como foi o caso da guerra do Vietnã, constatamos que o direito humanitário não foi respeitado.

Como escreveu Clausewitz, “a guerra é um ato de violência e não há limite à manifestação dessa violência. Cada adversário faz a lei do outro, que provoca uma ação recíproca que, como conceito, deve levar aos extremos.”

O direito humanitário é a última barreira nessa corrida aos extremos. Por ocasião dos 50 anos das Convenções de Genebra, CICV fez uma enquete junto a 20 mil pessoas, vítimas civis e prisioneiros de guerra. A imensa maioria respondeu que o direito humanitário era sua única proteção.

O grande desafio hoje é integrar as novas formas de violência no direito internacional, do contrário há o risco de rejeitar certos inimigos de qualquer contexto legal. Como se queixar se eles não respeitam nenhuma regra, se são considerados fora da lei?

Desde quando os direitos humanos e o direito humanitário estão no centro da diplomacia suíça?

Quando a Suíça foi solicitada pelo Comitê de Genebra (posteriormente CICV) para convocar a conferência diplomática de 1864, Berna não hesitou. Mas, segundo os documentos da época, o Conselho Federal (Executivo) deu plenos poderes ao Comitê de Genebra para organizar a conferência. Cabe lembrar que fazia parte do comitê o suíço mais famoso naquela época, o general Dufour, vencedor da guerra do Sonderbund e tinha contato com Napoleão III, à frente da maior potência da época.

Depois desse primeiro passo, a diplomacia suíça passou a comprometer-se com a defesa do direito humanitário em 1917, com a eleição de Gustave Ador ao Conselho Federal, o governo federal suíço. Isso ocorreu devido a uma gravíssima crise da política estrangeira suíça com a demissão do ministro Arthur Hoffmann (envolvido em uma tentativa de paz separada entre a Alemanha e a Rússia revolucionária).

Presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Gustave Ador assume o Ministério das Relações Exteriores. Fortemente engajado desde o início da Primeira Guerra Mundial, inspirador da Agência Internacional dos Prisioneiros de Guerra, ele vai continuar a missão de bons ofícios nas questões humanitárias. Através de suas iniciativas foi obtido o acordo franco-alemão de 1918 sobre a melhoria das condições de vida dos prisioneiros de guerra.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, o ministro Max Petitpierre desenvolveu o conceito de neutralidade ativa, ou seja, utilizar o estatuto de país neutro para ajudar as vítimas da guerra. Essa ideia foi reativada nos últimos anos pela ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey.


Frédéric Burnand, Genève, swissinfo.ch

17 de fevereiro de 1863: Primeira reunião do Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos, que em 1876 se tornará o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

22 de agosto de 1864: Adoção da primeira Convenção de Genebra.

17 de junho de 1925: Protocolo de Genebra sobre a proîbição das armas químicas.

27 de julho de 1929:Revisão da Convenção de Genebra e adoção da Convenção sobre os prisioneiros de guerra.

12 de agosto de 1949: Adoção de quatro Convenções protegendo os soldados feridos ou doentes em terra e mar, os prisioneiros de guerra e os civis.

8 de junho de 1977: Adoção dos protocolos sobre a proteção das vítimas de conflitos armados internacionais e de conflitos internos.

18 de setembro de 1997: Convenção de Ottawa sobre a interdição das minas antipessoais.

17 de julho de 1998: Adoção dos estatutos da Corte Penal Internacional.

30 de maio de 2008: Adoção da Convenção sobe as armas leves.

Nobre função: O surgimento dos primeiros tratados multilaterais como a primeira Convenção de Genebra de 1864, cria uma função nova, a de Estado depositário desses tratados.

Missão: Como Estado depositário das Convenções de Genebra, a Suíça é encarregada de conservar a versão original do tratado, com as assinaturas manuscritas e os carimbos, de enviar cópias certificadas aos Estados signatários, de registrar as ratificações do tratado e as adesões dos Estados que não participaram da negociação.

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