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Ele salvou milhões de pessoas com um inseto

Hans Rudolf Herren trabalhou mais de um quarto de século na África. Courtesy of Biovision

O especialista em insetos Hans Rudolf Herren é o primeiro suíço a ganhar o Prêmio Nobel Alternativo (o Right Livelihood Award, em inglês). Seu programa de combate biológico às pragas impediu a fome na África e salvou a vida de milhões de pessoas.

Às vezes, algo irrisório pode mudar o destino. Por exemplo, algo tão irrisório quanto um inseto, que o suíço Hans Rudolf Herren, 66, só encontrou depois de viajar por quase todo o mundo.

Ele pesquisa com persistência e convicção para ajudar a humanidade e, para isso, se orienta pela natureza. “Neste sentido, sou um extremista. Tenho muito pouca paciência com tudo o que não está ligado ao combate biológico das pragas”, afirma o pesquisador do cantão do Wallis no escritório da Biovision, a fundação que ele criou em Zurique há 25 anos.

Sua determinação o acompanhou por muitos países deste mundo, passando pela África e América do Sul. E recentemente o acompanhou também à Suécia, onde ele foi agraciado com o Prêmio Nobel Alternativo, a 2 de dezembro último. Nas palavras do juri do prêmio, ele é aclamado “por sua competência e por seu trabalho pioneiro, incentivando uma produção de alimentos sustentável e segura a nível global”.

Contra Pesticidas e OGM

Hans Rudolf Herren, filho de agricultores, nasceu em 1947 no cantão de Wallis. Quando jovem, durante o verão, ele trabalhava na plantação de tabaco da sua família e, frequentemente, dirigia o trator que espalhava pesticida.

Após concluir a escola agrícola, continuou sua formação no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), a famosa universidade suíça, onde se especializou na pesquisa de insetos.

Graças a uma bolsa de estudos do Fundo Nacional Suíço (SNF), ele pôde continuar seus estudos na Universidade da Califórnia em Berkeley. Milhares de quilômetros longe de casa, ele se deu conta de que algo estava errado na produção de seu pai. “Eu percebi que havia alternativas para os herbicidas químicos e que tínhamos de usá-las.”

Influenciado pelo seu orientador, um defensor ferrenho do combate biológico às pragas, Hans Rudolf Herren concentrou-se no uso de organismos vivos para combater os parasitas das plantas. “E neste momento tornei-me mais radical”, relata o pesquisador. Ele desenvolveu uma aversão contra monoculturas intensivas e contra organismos geneticamente modificados (OGM).

Depois de concluir seus estudos, Hans Rudolf Herren não quis retornar à Suíça. Ele não tinha interesse em trabalhar para um órgão do governo ou para a indústria química da Basileia – “estas eram as alternativas”. Um anúncio em uma revista levou-o para a África. O jovem de 31 anos ainda não sabia que, em breve, ele salvaria a vida de milhões de pessoas.

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A catástrofe da mandioca

Na Nigéria, no Instituto Internacional de Agricultura Tropical, ele entrou em contato com a ameaça que havia tomado toda a África: um parasita importado sem querer, a cochonilha-de-escama, estava destruindo as plantações de mandioca.

A mandioca é o principal alimento dos nigerianos. “É como o arroz para os asiáticos ou a batata para os europeus. Uma saca de mandioca, que custava 20 dólares antes da praga, passou a custar mais de 100 dólares no varejo”, recorda-se Herren.

Os inceticidas utilizados pelo governo mostraram-se ineficazes, e não havia tempo para o desenvolvimento de variantes. Havia apenas uma saída: viajar até o local de origem do parasita e identificar o seu inimigo natural.

“Sabíamos que a cochonilha-de-escama que ataca a mandioca era originária da América do Sul. Mas de onde exatamente?” Com um orçamento de 250.000 dólares, Herren partiu em sua busca para a América do Sul. Ele viajou o continente todo, de norte a sul, e realizou pesquisas nas regiões onde originalmente havia plantações de mandioca.

Finalmente, no Paraguai, no triângulo das fronteiras com o Brasil e a Argentina, ele encontrou a solução para a África: uma vespa que põe seus ovos sobre as larvas da cochonilha-de-escama e por isso as mata.

“Se eu tivesse começado as minhas pesquisas no sul do continente, teria levado apenas dois meses, em vez de um ano e meio. Não foi tão ruim, pois assim pude apreciar mais a paisagem sul-americana”, relembra ele, em tom jocoso.

Ao encontrar a vespa, encerrava-se uma etapa importante da busca por uma solução. Mas grandes dificuldades ainda estavam por vir. Como introduzir a vespa na África e frear a tempo a propagação do parasita? Para ele, que não teme desafios, a resposta era simples: com uma técnica jamais testada anteriormente.

Nasceu a 30 de novembro de 1947 em Monthey, no cantão de Wallis, filho de uma família de agricultores.

Concluiu o doutorado na área de Combate Biológico às Pragas no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) e continuou suas pesquisas na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

De 1979 a 1994, trabalhou no Instituto Internacional de Agricultura Tropical, na Nigéria. Depois, foi diretor do Instituto Internacional de Pesquisa de Insetos (ICIPE) em Nairóbi, no Quênia.

Juntamente com alguns amigos, fundou em 1998 em Zurique a Fundação Biovision, com o objetivo de fomentar as alternativas ecológicas para o combate à pobreza e à subnutrição na África.

Em 2004, Herren tornou-se codiretor do Weltagrarrat, uma iniciativa que reúne centenas de pesquisadores para definir soluções para a alimentação da população mundial.

O trabalho de Hans Rudolf Herren já foi destacado por várias organizações. Em 1995 ele foi o primeiro cidadão  suíço a receber o Prêmio Mundial de Alimentação e, este ano, o Prêmio Nobel Alternativo

Herren é casado e vive em Washington, em Roma e na Califórnia.

Chuva de vespa

O agrônomo suíço ficou entusiasmado com a ideia. Mas também tinhas suas preocupações. Ele não queria repetir o erro de introduzir uma espécie nociva. Por isso, as vespas ficaram em quarentena em um laboratório em Londres. Os resultados foram surpreendentes. “Não acreditávamos nos nossos olhos: depois de três meses as cochonilhas-de-escama tinham desaparecido.”

Na África, formaram-se centenas de engenheiros. Em toda a parte surgiram “fábricas de insetos”, onde se produziam milhões de vespas. Para distribuí-las, era necessário um método rápido, pois a área a ser tratada abrangia 24 países, do Senegal até Moçambique.

A solução veio do céu. As vespas eram lançadas de um avião que voava a uma altura de apenas 20 metros. Uma arriscada estreia mundial. “Tínhamos todas as autorizações, mas esqueceram de informar os militares. Em Gana, quase fomos bombardeados. Pensaram que éramos espiões.”

O programa biológico de combate às pragas foi um sucesso. Em pouco tempo, o equilíbrio biológico estava estabelecido. Segundo o Prêmio Mundial de Alimentação, o programa salvou a vida de 20 milhões de pessoas.

“Minha teimosia com certeza me ajudou”, avalia Herren. “Eu não aceito respostas negativas e odeio ouvir falar em problemas. Para mim, só existem soluções.”

Os agricultores podem decidir

A eficácia do combate biológico às pragas está altamente comprovada. Porém, ela não é um remédio universal, é o que ressaltam vários pesquisadores. O que funcionou com as cochonilhas-de-escama não significa que vá funcionar com outras pragas. Por este motivo, o grupo de pesquisa em Biotecnologia de Plantas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) desenvolveu uma nova espécie de mandioca transgênica, que deve ser resistente ao agressivo vírus listrado castanho da mandioca, o CBSD.

Hans Rudolf Herren tem suas restrições a tais projetos. Os organismos geneticamente modificados podem até trazer algum efeito positivo a curto prazo, afirma ele. A longo prazo, porém, eles sempre tiveram altos custos ecológicos e sociais, causando exaustão dos solos, redução da biodiversidade e endividamento dos agricultores.

A luta de Herren por uma agricultura sustentável não ficou restrita à Africa. “Temos que fortalecer a democracia. As pessoas devem poder decidir o que querem produzir e como, e não deixar a decisão para as grandes multinacionais e grandes grupos empresariais, que dispõem de meios financeiros para influenciar os políticos.”

Com sua Fundação Biovision, ele não quer apenas arrancar as raízes da fome e da pobreza. Ele também considera fundamental a informação dos agricultores, e que eles possam difundir  os seus conhecimentos. “O valor dos microorganismos no solo é comprovado cientificamente. Temos que usar esse conhecimento para produzir mais e melhor, em harmonia com a natureza.”

Para Hans Rudolf Herren, o Prêmio Nobel Alternativo reconhece esta visão. “Em primeiro lugar, o prêmio é um reconhecimento dos agricultores africanos. É um sinal de que eles estão no caminho certo.”

Além dos vários prêmios recebidos, há mais um motivo de alegria na vida deste pesquisador: a antiga chácara dos seus pais. A plantação de tabaco de outros tempos não existe mais. Atualmente a área serve para o cultivo de frutas e legumes. Seguramente sem pesticidas.

O Prêmio Nobel Alternativo (em inglês, Right Livelihood Award) é concedido anualmente a pessoas que “propõem respostas concretas e exemplares para as demandas urgentes da atualidade”.

Só recebem o prêmio pessoas ou grupos atuantes nas áreas de Proteção do Meio Ambiente, Paz, Direitos Humanos, Saúde ou Educação.

O prêmio foi criado em 1980 pelo jornalista sueco Jakob von Uexküll e é conhecido atualmente como Prêmio Nobel Alternativo.

A cerimônia de entrega do prêmio acontece no Parlamento sueco, exatamente após a entrega do Prêmio Nobel.

Em 2013, quatro pessoas vão receber o prêmio, dotado em dois milhões de coroas suecas (aproximadamente 275.000 francos suíços): o suíço Hans Rudolf Herren (Segurança alimentar), o americano Paul Walker (Combate às armas químicas), o palestino Raji Sourani (Direitos Humanos) e o congolês Denis Mukwege (Combate à violência sexual).

Adaptação: Fabiana Macchi

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