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Hermafroditas lutam pelo direito de decidir sexo

Daniela Truffer protesta frente ao Hospital Universitário de Berna. Keystone

É um menino! É uma menina! Mas o que acontece quando a vida não funciona como nos cartões de felicitações e é difícil de definir o sexo da criança?

A ativista suíça Daniela Truffer lidera uma campanha para acabar com as cirurgias genitais e tratamentos hormonais em crianças nascidas sem órgãos sexuais determinados.

Truffer argumenta que pessoas afetadas pelo problema deveriam ter tempo para crescer e decidir elas próprias se devem se tornar homens, mulheres ou ficar entre os dois sexos.

“Cirurgia forçada não pode ser a resposta”, declara. Ela cita estudos médicos que revelam as consequências negativas e mostram que a maioria dos pacientes sofrem a vida inteira de frustração e arrependimento.

“Essas cirurgias são dolorosas, irreversíveis e tendem a reduzir ou remover completamente a sensibilidade sexual. Cirurgias cosméticas não consentidas violam o direito de integridade física e de autodeterminação. Trata-se de uma questão de direitos humanos”, critica Truffer.

O fenômeno, que ocorre de uma vez em dois mil nascimentos, em média, traz seres que não são nem completamente masculinos ou femininos. Eles eram parte da sociedade nos tempos da Antiguidade, porém começaram a se tornar uma minoria invisível, sobretudo quando as intervenções cirúrgicas “corretivas” se tornaram norma no século 20.

Urgência

Médicos e pais agem por força de um imperativo cultural. Se elementos dos dois sexos estão presentes em uma criança, um sexo tem de ser escolhido em detrimento do outro, sem perda de tempo.

Truffer, que começou há dois anos a fazer a campanha pelos intersexuais, afirma que sua história pessoal não é uma exceção.

Ela nasceu em 1965 “sem características sexuais claras”. Tinha cromossomos masculinos, um micro-pênis e escroto subdesenvolvido mais semelhante a lábios vaginais.

“Pelo seu próprio bem-estar”, os médicos fizeram uma cirurgia para determinar seu sexo o mais cedo possível. Os testículos de Daniela foram removidos quando ela tinha apenas dois meses de idade. “Eles me castraram”, lamenta-se.

Aos sete anos, seu micro-pênis foi encurtado para se tornar um clitóris. Aos 18, recebeu uma vagina artificial. “A maioria das pessoas que conheço tem pouca sensibilidade sexual ou nenhuma. Eles estão violando os direitos humanos. Isso é cruel”, acusa.

Vergonha

Embora sentisse que era diferente das outras crianças, nem seus pais ou os médicos explicaram claramente a Daniela as suas verdadeiras condições. Ela cresceu tendo um profundo sentimento de vergonha.

Sua cólera agora é direcionada contra o aparato médico, lento em mudar suas práticas de fazer cirurgias de determinação sexual.

“Eles se fazem de Deus. Os médicos pressionam os pais. É algo feito em sigilo. Um tabu que acaba confundindo os progenitores. Eles não sabem o que fazer.”

Como membro ativo na campanha suíça contra operações genitais em crianças intersexuais – Zwischengeschlecht.org – Truffer entregou uma carta aberta de protesto no Hospital Universitário de Berna no início do mês. Nela é exigido dos médicos o fim “das operações forçadas”.

Muitos doutores defendem a opinião geral de que uma criança necessita uma clara aparência biológica. A questão não é operar, mas em que direção.

Em recente entrevista dada a um jornal, o médico-pediatra baseado em Berna, Zacharias Zachariou, afirmou ser importante” se possível, tomr a decisão no primeiro ou segundo ano após o nascimento”.

Escolha do gênero

Mas sexo biológico e gênero sexual não são as mesmas coisas, como avalia a socióloga Kathrin Zehnder, da Universidade da Basileia.

“A maior parte das pessoas acha que deixar de operar significa não dar uma identidade de gênero. Em minha opinião, isso é completamente incorreto”, afirma.

“É possível dar um gênero à criança. Mesmo se seu corpo tem uma aparência levemente diferente das outras, não significa que você tem de chamá-la de criança intersexual.”

Zehnder conhece o caso de uma mãe que chama sua filha de “garota”, explicando-a ao mesmo tempo de uma forma adequada à sua idade, que ela tem o potencial de se tornar um garoto um dia.

“Não estou segura de que as pessoas estão protegendo a criança de ser diferente graças a uma cirurgia. O que fazer se ela se sente diferente depois? Você não pode erradicar cirurgicamente essa diferença”, questiona Zehnder.

A questão do não consentimento é ainda mais crítica. Segundo Truffer, em um recente caso na Alemanha, uma paciente classificada como masculina foi indenizada em 100 mil francos por danos depois que seus órgãos reprodutivos femininos foram removidos inesperadamente durante uma cirurgia de rotina.

O caso poderia inspirar processos legais na Suíça? De acordo com o professor de direito da Universidade de Zurique, Andrea Büchler, sim. “Uma intervenção médica requer o consentimento da pessoa envolvida”.

“Normalmente pais podem decidir pelos seus filhos. Todavia, cirurgias de determinação de gênero atingem os direitos fundamentais das pessoas e não devem ser feitas sem o consentimento da criança envolvida – a não ser que seja necessário do ponto de vista médico.”

Mudanças nos hábitos

Alguns hospitais como a Clínica Infantil Wildermeth em Bienne (a oeste de Berna), já renunciaram às operações de bebês intersexuais. Christine Aebi é médico pediatra e endocrinologista.

Testes de cromossomo são realizados nas crianças de sexo indefinido. “Não importando os resultados, aconselhamos os pais a esperar até que seu filho possa determinar ele mesmo seu gênero sexual”, afirma. Em Bienne os cirurgiões apenas intervêm se a configuração dos órgãos genitais afeta funções urinárias ou intestinais.

Truffer reconhece que os pais das crianças intersexuais são confrontados a um dilema terrível. Mas ela insiste que é muito difícil educar uma criança com genitálias ambíguas. “Porém o caminho da cirurgia fere o corpo e a mente.”
 

Intersexualidade é um termo utilizado para designar pessoas nascidas com genitália e/ou características sexuais secundárias que fogem dos padrões socialmente determinados para os sexos masculino ou feminino, tendo parcial ou completamente desenvolvidos ambos os órgãos sexuais, ou um predominando sobre o outro. No entanto, a ambiguidade física das pessoas intersexo pode não ser determinada apenas pelo aspecto visual dos órgãos genitais. (Texto: Wikipédia)

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