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O Brasil precisa de outro imperador?

Rosto de imperador
Pedro II aos 46 anos de idade e vestido com a Regalia Imperial do Brasil durante a Fala do trono, em 1872. Pintura de Pedro Américo, 1872. Wikipédia

A monarquia no Brasil deixou de existir há 130 anos. Hoje alguns brasileiros ainda sonham com o retorno dessa época de glórias, segundo um artigo do jornal suíço Tages-Anzeiger.

“15 de novembro de 1889: uma data famigerada!”. Esse é o comentário encontrado no YouTube em um vídeo com o hino do império brasileiro. Outro usuário lembra nostálgico dos “tempos em que o Brasil era respeitado e até temido pelos EUA”. Hoje se transformou em “uma piada”, lamenta – provavelmente em alusão ao atual presidente.

Esse período glorioso terminou na noite de 14 para 15 de novembro de 1889: no Rio de Janeiro, o general Deodoro da Fonseca derrubou o governo do presidente do Conselho de Ministros da Monarquia, Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. O golpe sem derramamento de sangue levou à abolição da monarquia e ao estabelecimento da República Brasileira.

Uma monarquia? Um império na América do Sul? E isso em um momento em que as outras colônias do chamado Novo Mundo já tinham se separado das coroas ou estavam em processo de se tornar independentes?  

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Boîte décorée de pierres précieuses.

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Um caso especial na América Latina

Na verdade, pode-se falar de um caso especial. A confusão napoleônica na Espanha e Portugal não levou diretamente à independência no Brasil. Pelo contrário: o país se tornou um refúgio e garantia de sobrevivência do rei português, D. João, que fugiu para lá com a sua corte em 1807. Depois do Congresso de Viena, em 1815, o Brasil deixou de ser colônia para passar a ser parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com o Rio de Janeiro como capital de Portugal e seus territórios ultramarinos.

No entanto, a monarquia tem muito a ver com a independência do país: quando D. João regressou a Portugal, em 1821, para assegurar o trono, seu filho Pedro permaneceu no Brasil. Um ano mais tarde, ele declarou a independência e se coroou imperador, estabelecendo uma monarquia parlamentar.

Nove anos mais tarde, Pedro I seguiu o exemplo do pai: após ter de abdicar sob pressão do Parlamento, regressou à Portugal. Então seu filho, Pedro II, foi coroado imperador em 1840 com apenas 14 anos. É principalmente por causa do dignitário que alguns brasileiros ainda choram a perda do Império, 130 anos depois.

Dom Pedro II, o imperador esclarecido

O jovem imperador recebeu uma boa educação, dominava várias línguas, era um intelectual e quis modernizar seu país seguindo o exemplo dos Estados Unidos. A chegada de imigrantes europeus, trazidos pelo pai, deu início à industrialização do país, especialmente no sul. A exportação de matérias-primas importantes, como a borracha e as madeiras de lei, bem como açúcar, café e carne, trouxe uma considerável riqueza ao país. D. Pedro II mandou construir redes ferroviárias, telefônicas e telegráficas. Além disso, promoveu a cultura e a ciência no país e no estrangeiro.

Mas algo manchava a imagem do país modernizador, governado por monarca esclarecido: a escravidão. É verdade que, já nos anos 1860, havia surgido um movimento republicado e grupos abolicionistas, motivados também pela pressão externa. Porém a escravatura só foi abolida em 1888. Foi o que levou os grandes proprietários de terras a se rebelarem contra a monarquia. Em 17 de novembro de 1889, o jornal suíço NZZ analisava da seguinte forma a situação no Brasil: “A velha propaganda republicana recebeu um forte impulso graças à abolição da escravidão…”, e por consequência”,…” com seus interesses atingidos, os grupos escravocratas foram os que mais ruidosamente se voltaram contra a monarquia e seu humanismo, em defesa da república”.

A última fotografia da família imperial no Brasil
A última fotografia da família imperial no Brasil, 1889. Da esquerda para a direita: a imperatriz Dona Teresa Cristina, D. Antônio, a princesa Isabel, o imperador, D. Pedro Augusto (filho da irmã da princesa Isabel, d. Leopoldina, duquesa de Saxe), D. Luís, o conde d’Eu e D. Pedro de Alcântara (príncipe do Grão-Pará). Wikipédia

Mas esta não foi a única razão do golpe: os militares sofreram perdas pesadas na guerra contra o Paraguai devido aos baixos efetivos e mau estado dos armamentos, apesar da vitória final. Assim desenvolveram um forte ressentimento contra os políticos de casaca. O marechal Deodoro da Fonseca, líder do golpe militar de 15 de novembro, foi instigado por eles.

Dom Pedro II não quis reprimir a revolta. “Se o povo quer a República (…) e expressa claramente sua vontade, eu não ficaria então no caminho”, citou o NZZ suas palavras. Dois dias depois, o ex-imperador embarcou em um navio com sua família e retornou à pátria dos antepassados. A República nasceu – o único império na história da América do Sul.

Desejo e realidade

Voltando aos comentários no Youtube: “O Brasil precisa mais uma vez de um imperador”, escreve alguém. Então, o que ele clama é uma “volta ao passado” no Brasil?

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Castelo nas montanhas

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O fato é que os 67 anos de Império são considerados como um período politicamente estável, que desempenhou um papel importante no desenvolvimento e no reforço da imagem do país. Não é de surpreender que, após escândalos de corrupção por parte de antigos presidentes e, agora, com a eleição de um presidente rude, ultraconservador e polarizador, os brasileiros anseiem por uma figura de integração, que tenha uma boa imagem no exterior. 

Porém a imagem e a fama do império são transfigurados na memória coletiva. Pedro II era mais um esteta (n.r.: pessoa que cultiva a estética) do que um político. Suas tentativas de modernização ficaram limitadas a uma pequena parte do país. O Brasil ficou muito tempo atrás de outras nações do continente. Com suas políticas econômicas liberais e a fachada de uma “democracia com coroa”, Pedro II oferecia uma imagem civilizada de seu país, que atrairia investidores estrangeiros. Mas essa imagem foi se desgastando no próprio país: no final, a monarquia era vista como anacrônica e destoada das tradições do continente por uma crescente classe média esclarecida. 

Pelo menos ainda resta o consolo para os nostálgicos dos tempos imperiais: A melodia do hino da coroação de D. Pedro II é hoje a do hino nacional.

* Artigo publicado no jornal Tages-AnzeigerLink externo em 11 de novembro de 2019. 

Adaptação: Alexander Thoele

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