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“Mulheres que nunca desistiram de seus sonhos”

Carin Salerno e Elisabeth Thorens
Elisabeth Thorens e Carin Salerno são amigas de infância e hoje trabalham juntas no projeto "Mulheres viajantes". Giuseppe Salerno

Nas viagens ao redor do mundo, duas amigas de longa data descobriram que faltava algo em guias de viagem: mulheres. Assim, a dupla suíça escreveu um tipo diferente de livro de viagens, incluindo mulheres inovadoras em lugares como Tanzânia, Mianmar e Suíça.

Quando Carin Salerno e Elisabeth Thorens lançaram a série de guias de viagem “O Mundo das Mulheres”, queriam contar aos leitores mais do que apenas dicas de onde ficar e o que comer. Salerno, que trabalhou em todo o mundo para a Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (SDC – Swiss Agency for Development and Cooperation), contribuiu com as edições sobre Tanzânia e Mianmar, enquanto Thorens, professora na área de ensino profissional e escritora em Lausanne, contribuiu com o livro sobre a Tanzânia com base em suas experiências e é autora de uma edição sobre mulheres suíças.

Cada livro inclui informações para viajantes sobre costumes e tradições, hospedagem e refeições. Mas as séries estão focadas nas histórias das mulheres locais, como a das três que seguem.

Mesmo sendo tão diferentes, as mulheres apresentadas nos livros têm algo em comum, diz Salerno. Nunca desistiram de seus sonhos, mesmo ao se confrontarem com obstáculos na vida profissional ou pessoal. Ao entrevistar essas mulheres, Salerno diz que descobriu “as realidades da vida das minorias étnicas, artistas, empresárias, mães, políticas e ativistas”.

“Esses intercâmbios pessoais me trouxeram insights, mais consciência e sensibilidade para entender as realidades dos países em que trabalho e vivo por alguns anos”.

“Uma vez que as mulheres estão empoderadas, podem fazer milagres”

Ásia Kimaryo, barista e empreendedora social, Moshi, Tanzânia

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Asia Kimaryo cumprimenta seus clientes com uma mistura de kiswahili (língua bantu, originária da Tanzânia), inglês e italiano: “Karibu, o que você gostaria de beber? Cappuccino, latte macchiato, espresso?” A abertura do Aroma Coffee House marca a conquista de dois de seus objetivos: tornar-se um barista de primeira linha e promover o consumo de café em sua cidade. Aqui, nesta movimentada rua em Moshi, na região cafeeira do norte da Tanzânia, ela está convertendo seus compatriotas e mulheres amantes do chá à arte de beber café.

A ideia de abrir o café foi desenvolvida junto com seu marido, que trabalha para o Conselho de Café da Tanzânia e fez um MBA. Ele a treinou para a administração do negócio, mas ela pesquisou como fazer um cappuccino ou um café expresso em um cibercafé em Moshi, fez um curso de seis meses em Arusha e participou de um concurso em Dar es Salaam.

“Acho que todas as mulheres têm muito potencial”, diz ela. “Eles trabalham arduamente e, uma vez empoderadas, podem fazer milagres.”

Asia Kimaryo in her shop
Asia Kimaryo na sua loja. user @kimaryoasia via Instagram

Graças ao apoio de vários membros da família, ela pode gerenciar tanto o negócio quanto seus quatro filhos. “O que importa para mim é que eu possa dar aos meus filhos uma boa educação, tanto para as meninas quanto para os meninos da mesma maneira.”

São principalmente as mulheres que trabalham nas plantações de café na Tanzânia, muitas vezes sob condições adversas e por pouco dinheiro. As mulheres possuem apenas 15% da terra do país, e a chance de mulheres da zona rural serem proprietárias de terra é bem pequena, explica Kimaryo.

Muitas das mulheres empregadas na Aroma Coffee House tiveram que abandonar a escola em tenra idade após a morte dos pais ou porque não tinham condições de pagá-la. Algumas foram expulsas de família e das comunidades quando ficaram grávidas.

“Dei a elas uma segunda chance. Com esse negócio eu tento ajudar os outros, tenho esse dever com a sociedade”, diz Kimaryo.

Salerno conheceu Kimaryo através de um contato na International Women’s Coffee Alliance, da qual o dono da cafeteria é membro. O objetivo dessa associação é capacitar as mulheres na área do café, treinando-as, oferecendo-lhes uma plataforma para trocar informações e dando-lhes visibilidade no setor cafeeiro da Tanzânia.

“Fiquei impressionado com a forma como essa jovem mãe e empreendedora social dinâmica administra seu café com um estilo de liderança natural e caloroso e compartilha seu sucesso com sua equipe”, diz Salerno, observando a sensibilidade de Kimaryo às dificuldades enfrentadas pelas mães solteiras em um lugar onde a taxa de gravidez na adolescência é de 27% e continua a aumentar.

Salerno acrescenta que o marido de Kimaryo demonstra como as mulheres podem ser bem-sucedidas quando recebem apoio dos maridos no trabalho e nas ideias de negócios. 

“É uma situação na qual toda a família ganha”, diz o autor. “O fato de que ela conseguir equilibrar sua vida pessoal, familiar e empresarial em uma comunidade muçulmana é também um exemplo para outras mulheres na Tanzânia e em outros lugares”.

“Ser um guia de montanha é mais do que ter braços fortes”

Esther Wiget, guia de montanha e professora, St. Jean, Valais

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“Nas montanhas, acho que há algo especial, uma vibração especial que me anima, me fascina. De lá eu tiro parte do meu oxigênio lá. Sou guia, é claro, mas acima de tudo, na essência sou uma mulher da montanha.”

É o que diz Esther Wiget, uma das poucas mulheres cuja profissão ainda é considerada uma atividade masculina na Suíça.

“Perguntaram-me se eu me via como mulher ou guia”, lembra ela. Se a mesma pergunta fosse feita a um guia de montanha do sexo masculino provavelmente ele hesitaria ao ter de escolher entre homem ou guia. A resposta de Esther é tão direta quanto ela: “Primeiro eu sou Ester, depois sou uma mulher, depois uma mulher da montanha e, finalmente, guia”.

As reações às guias femininas são mistas. “Clientes dos dois sexos ficam fascinados e também se perguntam se uma guia feminina é forte o suficiente. “Ela acredita que a valorização das guias femininas está crescendo, à medida que as pessoas percebem que a orientação nas montanhas não depende apenas de “ter braços fortes”.

Ester Wiget among flowers
Ester Wiget nas montanhas. Elisabeth Thorens

A mais jovem dos quatro filhos de uma família fã de caminhadas, Wiget literalmente seguiu os passos de seu irmão Florentin para se tornar guia de montanha. Desde um grave acidente de escalada, ele está em coma.

“Por muito tempo, fui assombrada pelo pensamento de que uma montanha me roubou a pessoa mais querida”, diz Wiget. Mas não podia ignorar “o chamado da montanha”.

“Na Tanzânia, as mulheres enfrentam dificuldades econômicas, mas no caso das mulheres suíças trata-se da questão da “supermulher “: como conseguem ter sucesso no trabalho, ter uma ótima vida amorosa, ser uma mãe maravilhosa –no caso das que têm filhos – e encontrar tempo para si mesmas “, diz Thorens, que entrevistou Wiget. “Eu queria saber como outras mulheres na Suíça equilibram tudo isso enquanto viajava em meu próprio país”.

A edição suíça de “Mundo das Mulheres” está estruturada de acordo com temas inevitáveis como montanhas, chocolates e bancos. Thorens queria entrevistar uma jovem guia, mas teve dificuldade em encontrar alguém com esse perfil. Finalmente chegou a Widget com a ajuda do dono de hotel cujo retrato também está no livro.

“Nos dois anos que levei para compilar essas entrevistas, descobri que todas as mulheres seguem a intuição e ouvem seus corações”, diz Thorens. “Todos lutam para equilibrar a vida, o amor, a família, o trabalho e todas concluíram que tentar ser ‘supermulher’ é um sonho.”

“Queria ser pioneira”

Khin Thida, comerciante de rubis e proprietária de loja, Yangon, Mianmar

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No mercado turístico Bogyoke, o mais movimentado de Yangon, Khin Thida da é proprietária e administradora da loja número 49, onde vende pedras preciosas e joias finas. Ela é uma raridade: uma comerciante de rubis. Mianmar é uma das melhores fontes mundiais de rubis de alta qualidade e o negócio de gemas está concentrado fortemente nas mãos dos homens.

Ela aprendeu o ofício com seu tio em Hong Kong, para onde foi enviada por sua mãe quando as revoltas estudantis eclodiram na Birmânia em 1988. Quando ela voltou em 1992, Mianmar, a antiga Birmânia, estava se abrindo. Ela lançou o negócio para ganhar dinheiro e “escapar da primeira proposta de casamento”.

“A tradição diz que quando um rapaz vem pedir sua mão, você deve concordar”, diz Khin Thida. Ele queria levá-la para os Estados Unidos, mas ela queria ficar em Mianmar. “Afinal, desenvolvi uma paixão por gemas e queria ser pioneira na área.”

Ela alcançou uma posição de destaque nessa área de negócio de pedras preciosas, na qual todos, desde os comerciantes até os lapidários, ourives e clientes, acreditam que as mulheres “não são capazes”, conta.

Khin Thida acabou se casando, mas o marido a acusou de traição, desconfiado do contato que tinha com os homens diariamente por causa da atividade profissional.

“Os primeiros dez anos de trabalho foram muito duros. Eu estava tão ansiosa para trabalhar que tive que sacrificar tudo”, diz a mãe solteira de três filhos. Ela perdeu dinheiro, propriedade e até joias em seu divórcio, embora pudesse provar a violência do marido contra ela. “As regras para as mulheres em Mianmar são boas apenas no papel”, diz ela. “Na religião budista em Mianmar, as mulheres são consideradas inferiores aos homens. E ainda estou tentando chegar ao nível deles.”

Khin Thida portrait
Khin Thida é uma das poucas comerciantes de rubi na Birmânia. Giuseppe Salerno

Carin Salerno conheceu Khin Thida por intermédio de um vizinho enquanto vivia em Yangon. Ela queria comprar rubis de boa qualidade de alguém que não tentasse vender uma joia falsa, como pode acontecer em Mianmar. Na loja de Khin Thida, Salerno conta que não conseguia tirar os olhos de todas as pedras preciosas. Enquanto conversava com o dono da loja, ela percebeu que Khin Thida poderia ser uma boa pessoa para fazer o perfil de “O Mundo das Mulheres Mianmar”.

“A história que surgiu foi fascinante e, ao mesmo tempo, tem muitas coisas em comum com as experiências de outras mulheres em Mianmar”, diz Salerno.

Os famosos rubis de Mianmar vêm principalmente do lugar mítico de Mogok. Muitas mulheres vendem gemas, mas muito poucas as selecionam, negociam preços, compram gemas ou criam as joias. Salerno apelidou Khin Thida de “embaixadora dos rubis”, já que teve que superar muitos desafios, pessoais e profissionais, para chegar onde está.

“Fiquei impressionada com a coragem dela para quebrar estereótipos sobre o que as mulheres são e não estão autorizadas a fazer na sociedade de Mianmar, como frequentar casas de chá com homens e negociar o preço de pedras preciosas.”

World of Women books
As escritoras já lançaram três livros. Christina Stucky

Explorando o “mundo das mulheres”

Amigas desde primeiro dia no jardim de infância, Salerno e Thorens começaram a série de livros “Mundo das Mulheres” (“World of Women”) em 2013, depois de passar duas semanas entrevistando mulheres desde o Kilimanjaro até Zanzibar. Quando Salerno mudou para Mianmar para trabalhar na Embaixada da Suíça, escreveu “O Mundo das Mulheres em Mianmar” (“World of Women Myamar”), enquanto Thorens trabalhou em “O Mundo das Mulheres na Suíça” (World of Women Switzerland), de Lausanne.

 Thorens e Salerno fundaram a organização não governamental Women in Action Worldwide para levantar fundos para a produção de livros. Os próximos livros da série são “O Mundo das Mulheres Mekong”, que Salerno pretende publicar e Thorens está preparando uma edição sobre as mulheres no Marrocos. 

Os livros podem ser encontrados na livraria Payot em Lausanne ou online. Os livros sobre a Tanzânia e Mianmar também são vendidos em lojas nesses países, com edições em inglês e francês. O “Le Monde des Femmes Suisse” (“O Mundo das Mulheres na Suíça”) está disponível, no momento, apenas em francês.

Adaptação: Heloisa Broggiato

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