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Ignaz Troxler, o inventor esquecido da Suíça moderna

Salle du Conseil des Etats
Na Suíça essa sala abriga o "Conselho de Estados", o que equivale ao Senado no Brasil. Sua criação é creditada diretamente a Ignaz Troxler. Keystone / Alessandro Della Valle

A Suíça tem um sistema parlamentar muito parecido com o dos Estados Unidos, o que não coincidência. Essa similaridade se deve principalmente à influência de um homem: Ignaz Paul Vital Troxler. Em uma biografia, o historiador Olivier Meuwly faz um retrospecto do papel deste grande pensador do século 19, hoje esquecido.

Ouve-se dizer com frequência que a Suíça e os Estados Unidos são duas “repúblicas irmãs”. Mas qual razão? Além do fato de que ambos os países terem sido durante muito tempo duas das poucas democracias em um mundo ocidental largamente monárquico, as duas nações também têm sistemas políticos bastante semelhantes.

O sistema bicameral da Suíça, com seu Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) representando o povo suíço e seu Conselho de Estados (Senado) representando os cantões, lembra claramente o sistema americano, com sua Câmara de Representantes e seu Senado. E com razão, uma vez que os criadores do estado federal em 1848 foram inspirados pelo modelo político americano.

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Verfassung der Vereinigten Staaten von Amerika

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Suíça e Estados Unidos: as repúblicas-irmãs

Este conteúdo foi publicado em Há mais coisas comuns entre a Suíça e os Estados Unidos do que é possível imaginar: começamos pelo sistema político dos dois países.

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Esta referência ao modelo americano deve-se a um grande intelectual da época: Ignaz Paul Vital Troxler (1780-1866). Filósofo, escritor, jornalista, professor universitário, este nativo de Lucerna teve uma grande influência em todo o movimento liberal-radical da época, na origem do estado federal moderno. Mas ele também tinha outros talentos. Em particular, ele foi um renomado pedagogo e um médico célebre cujo nome passou a designar uma ilusão de ótica altamente valorizada por mágicos ilusionistas.

Este espírito brilhante e influente foi em certa medida esquecido, especialmente na parte francófona da Suíça. Em uma biografia recentemente publicada, Troxler, o inventor da Suíça moderna, o historiador Olivier Meuwly coloca novamente em evidência um personagem que é, segundo ele, “indiscutivelmente um dos grandes homens da história da Suíça”.

swissinfo.ch: Este bicameralismo suíço influenciado pelos EUA é realmente devido a Troxler?

Olivier Meuwly: Sim, sua influência foi realmente fundamental. Em 1847, havia duas tendências opostas: por um lado, havia aqueles que defendiam um sistema centralizado com um único parlamento incorporando toda a Suíça e, por outro lado, havia aqueles que eram a favor de um conceito federalista. Os federalistas haviam encontrado em Troxler um de seus maiores porta-vozes.

O federalismo se alinhava com sua visão romântica do mundo. Para Troxler, uma Suíça sem um lugar real para os cantões não seria mais realmente a Suíça. Ele encontrou o apoio de seus ex-alunos então participando da Dieta Constituinte de 1847 para apoiar esta tese.

Couverture de livre
Capa da biografia de Ignaz Troxler escrita pelo autor Olivier Meuwly. Editions Infolio

O modelo americano já era conhecido na Suíça desde a virada do século. Mas Troxler se apoiou particularmente nele para defender uma Suíça federalista. No final, os defensores de uma solução centralista se uniram a esta posição para encontrar um compromisso e assim salvar seu projeto de um estado federal moderno.

swissinfo.ch: O próprio Troxler assumiu apenas um cargo político menor, um mandato de dois anos como membro de um parlamento cantonal. Então como explicar sua grande influência? Ele era um influenciador, como dizemos hoje?

O. M.: Ele era inicialmente um “Staatsphilosopher”, como dizemos em alemão, e significa “filósofo da política”. Foi assim que ele encontrou os meios para ter influência. Ele conduziu suas lutas políticas por intermédio de seus ex-alunos, e neles encontrou divulgadores para suas ideias. Ele era um pensador, um filósofo, um dos poucos românticos que tinha influência direta nas decisões.

swissinfo.ch: Ao longo de sua carreira, é possível ver que o romantismo foi importante para ele. Mas como isso se manifesta exatamente?

O. M.: O romantismo, no final do século 18, era uma espécie de oposição ao racionalismo do Iluminismo. O romantismo quer ver o mundo de uma maneira diferente da racionalidade do observável.

Este romantismo se manifesta particularmente em seu pensamento médico que encontrou expressão em sua grande luta contra o cretinismo. Ele é um dos artesãos do que os especialistas chamam de medicina romântica, que abriu o caminho para a psicanálise, por querer ver o ser humano de forma diferente do que através de seu funcionamento fisiológico e biológico. É uma visão holística, que é consubstancialmente ligada ao pensamento romântico.

swissinfo.ch: Na política, seu romantismo se reflete em seu apego à Suíça medieval, encarnada pelos cantões como células orgânicas da verdadeira Suíça.

O. M.: Ele é nostálgico da Suíça medieval, mas você que você chama de inventor da Suíça moderna. É um pouco contraditório, à primeira vista…

O radicalismo do século 19 não é um pensamento único; é uma coletânea de pensamentos, e Troxler alimenta quase todos eles. Em particular, ele defendeu o liberalismo político e mais tarde também aderiu à ideia de democracia direta. Ele encarnou uma maneira possível de combinar as contribuições do liberalismo e do romantismo.

Ele contribuiu para formar todas as facetas do que faz a Suíça moderna. Como professor, ele teve influência em todos os movimentos estudantis que apoiaram e treinaram as elites liberais-radicais do século 19. Ele é uma figura importante, um dos autores mais férteis e originais da época, por causa de sua universalidade, versatilidade e do papel que desempenhou na criação do novo estado federal.

Pessoa falando frente à câmera
O historiador Olivier Meuwly ao participar de uma coletiva de imprensa em junho de 2010 no Clube Suíço da Imprensa, em Genebra. Keystone

swissinfo.ch: E, no entanto, ele é pouco lembrado, particularmente na Suíça francófona…

O. M.: Sim, mas as coisas têm melhorado nos últimos anos. Há um interesse renovado entre os pesquisadores após um longo período de esquecimento. Talvez isso seja um sinal dos tempos, já que estamos novamente em uma fase algo romântica onde o puro racionalismo não está mais francamente em voga. Seu pensamento pedagógico também é de interesse para muitas pessoas agora.

Quanto à sua notoriedade, isso é em certa medida um problema tipicamente suíço. É raro vermos grandes figuras a partir de uma perspectiva nacional. É sempre da perspectiva de um cantão, por exemplo, com Alfred Escher em Zurique. Todo cantão tem dificuldade de dizer que há pessoas extraordinárias em outros lugares. Às vezes é o paroquialismo que vem à tona. E o sistema suíço, com sua natureza colegial, é projetado para esmagar a personalidade, o que também se manifesta historicamente.

swissinfo.ch: Enfim, a mais bela homenagem que lhe foi prestada foi a de um agente da Santa Aliança, as três monarquias que derrotaram o império de Napoleão, que o chamou de “o escritor mais perigoso da Suíça”.

O. M.: (Risos) De certo modo, isso é verdade. Ele teve um papel especial; é extremamente raro na Suíça que um intelectual tenha tal influência.

Assembleia Federal

A Assembleia Federal é “a autoridade suprema da Confederação”, de acordo com a Constituição Federal de 1848, “sujeita aos direitos do povo e dos cantões” desde a revisão de 1874. Eleita diretamente pelo povo e pelos cantões, que representa, ocupa uma posição mais elevada do que o Conselho Federal e o Supremo Tribunal Federal. De fato, essas altas autoridades, cujos membros a Assembleia elege, agem de acordo com a legislação adotada e estão sujeitas a sua supervisão. O princípio da Separação de Poderes exige, no entanto, que a Assembleia não interfira diretamente nas áreas de competência das outras autoridades federais.

Bicameralismo (ou sistema de duas câmaras)

Quando o estado federal foi fundado em 1848, a organização do parlamento deu origem a grandes debates. Alguns queriam uma assembleia nacional unitária, proporcional à população. Os pequenos cantões deveriam ser completamente reduzidos a uma minoria. Os outros queriam uma nova forma da Dieta Federal representando os cantões, o que teria impedido os radicais, que estavam em sua maioria, especialmente nos grandes cantões do Planalto, de alcançar seus objetivos. Após dolorosas lutas, chegou-se a um compromisso ao se adotar um sistema bicameral, com base no modelo dos Estados Unidos.

A Assembleia Federal é assim constituída por duas câmaras: o Conselho Nacional, representando o povo, e o Conselho de Estados, o sucessor da Dieta que representa os cantões. Os dois Conselhos são iguais: as decisões só podem ser tomadas com o acordo de ambos. Eles têm sessões separas, exceto nos casos em que um sistema em duas fases seria prejudicial, como a eleição dos Conselheiros Federais, do Chanceler da Confederação, dos Juízes Federais e do General designado como chefe do exército suíço em tempos de guerra.

Fonte: Dicionário Histórico da SuíçaLink externo

Adaptação: DvSperling

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