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A longa luta pelo sufrágio feminino

O direito de voto foi apenas o começo

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"Marcha à Berna" foi uma manifestação histórica pelo direito de voto das mulheres, em 1 de março de 1969. Nos cartazes, a inscrição "BV4" refere-se ao artigo da Constituição Federal reletiva à igualdade de gênero. Keystone / Widmer

Em termos de igualdade de gênero não é fácil comparar a Suíça a seus vizinhos europeus. Entretanto, desde a introdução do sufrágio feminino, em 1971, as mulheres suíças já conquistaram bastante espaço. Um novo livro traça as lutas e realizações ao longo dos últimos 50 anos.

“Não estamos pedindo, mas sim exigindo […] Nós, mulheres suíças, aqui na praça do Parlamento (Bundesplatz), exigimos plenos direitos de voto em nível federal e cantonal.”

Com estas palavras, Emilie Lieberherr discursou frente a um grupo de cinco mil mulheres, reunidas em Berna em 1969. Seu objetivo: obter o direito de voto para as mulheres, como já existia em outros países europeus. O discurso e o protesto, intitulado “A Marcha de Berna”, entraram para a história.

Em 1971, as mulheres suíças ganharam direito de voto em nível nacional. Logo depois, as primeiras já eram eleitas para mandatos no Parlamento federal.

O livro “Toda mulher tem sua voz: 50 Anos de história da mulher na Suíça entre 1971 e 2021”, lançado recentemente pela editora “Hier und Jetzt” conta a história da luta da mulher pelos direitos políticas e dá uma visão do feminismo nos últimos 50 anos.

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Emilie Lieberherr (falando ao microfone) em um protesto na Praça do Palácio Federal em Berna, em 1 de março de 1969. Foi o início da sua carreira política. Rdb by Dukas / Zürcher

Conquista tardia

A redação do livro foi coordenada por Denise Schmid e contém contribuições de seis historiadoras que trabalham em diferentes campos profissionais. Cada uma pesquisou uma década de história das mulheres desde os anos 1970. Caroline Arni pesquisou o período anterior à introdução do direito de voto. Na verdade, a luta pela elegibilidade começou no século 19, embora não tenha sido a única exigência das mulheres.

Segundo Arni, professora na Universidade da Basiléia, as pioneiras feministas não lutaram apenas pelos direitos políticos. “Havia muitas mulheres que lutavam por diferentes causas civis e econômicas.”

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As primeiras parlamentares junto com o presidente da Câmara dos Deputados (Conselho Nacional) William Vontobel. A partir da esquerda: Hanny Thalmann, Gabrielle Nanchen, Hanna Sahlfeld cantora, Nelly Wicky, Liselotte Spreng, Martha Ribi, Lilian Uchtenhagen, Tilo Frey, Elisabeth Blunschy-Steiner, Josi Meier e Hedi Lang. Rdb by Dukas / S. Kuhn

Ela também aponta as possíveis razões para a introdução tardia dos direitos de voto das mulheres na Suíça: em primeiro lugar ocorreu à luta pelos direitos civis e econômicos. Depois, o direito de voto das mulheres não poderia ser introduzido através do Parlamento, como em outros países, mas somente através de um referendo.

O direito de voto não era, portanto, uma prioridade para todas as mulheres no país. A partir de 1968, houve até mesmo uma cisão dentro do movimento feminino: Por um lado, havia a frente que lutava pelos direitos de voto das mulheres e, portanto, exigia a plena integração no sistema político atual. Por outro lado, existiam grupos feministas que eram fortemente críticos à sociedade vigente, o poder e o sistema.

De acordo com a historiadora Elisabeth Joris, esta dinâmica moldou toda a década de 1970. “O novo movimento feminino, nascido na onda de 68, fazia parte de uma rede feminista transnacional, na qual dominavam outras questões além do direito de voto. Por exemplo: aborto, sexualidade, violência e a discussão de gênero…

Movimento internacional

A história das mulheres na Suíça não pode ser analisada sem considerar o contexto internacional. De fato, as lutas feministas no país sempre foram influenciadas pelos movimentos internacionais.

Arni afirma, que o movimento feminista teve um forte caráter internacional a partir do século 19. Para Joris, o “Novo Movimento de Mulheres”, que surgiu na virada dos anos 60 e 70, assemelhava-se de certa forma ao movimento climático atual, pois “tinha uma organização informal, não institucional e operava em nível internacional.”

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Brochura publicada pelo Centro da Mulher de Zurique. Uma das autoras do livro, Elisabeth Joris, trabalhou no centro entre 1976 a 1978. A gravura foi feita por Helen Pinkus-Rymann, designer gráfica e co-fundadora do centro. hier und jetzt Verlag

Nas últimas décadas, a internet e as mídias sociais facilitaram a conexão com outros movimentos no mundo. Especialmente os Estados Unidos teve uma grande influência no feminismo suíço.

Angelika Hardegger, historiadora e jornalista do jornal NZZ, diz: “A influência dos movimentos feministas internacionais na Suíça foi grande. O Movimento “#metoo” é um exemplo, mas não o único.”

“A Marcha das Mulheres nasceu nos EUA como reação à eleição de Donald Trump. Depois foi importada em 2017 por alguns grupos feministas helvéticos. Ela se tornou um dos mais importantes protestos feministas dos últimos anos”, afirma.

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Lachende Frauen um einen Tisch

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Como as mulheres estrangeiras promoveram a emancipação na Suíça

Este conteúdo foi publicado em Falk é historiadora na Universidade de Friburgo. Publicou recentemente o livro “Gender Innovation and Migration in Switzerland” (Inovação de gênero e migração na Suíça), que trata em particular da migração italiana na Suíça. A estudiosa, que também tem raízes italianas, chega à conclusão de que essa migração deu um impulso ao movimento de mulheres suíças,…

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Historicamente, os movimentos feministas na Suíça não só foram influenciados pelos movimentos estrangeiros, mas também receberam uma contribuição decisiva das mulheres migrantes.

Anja Suter, doutoranda na Universidade de Basileia, declara: “As mulheres migrantes na Suíça sempre desempenharam um papel importante no debate sobre a igualdade de gênero. Por exemplo imigrantes originadas da Itália, Espanha, Grécia e a antiga Iugoslávia que, em 1975, publicaram um dos manifestos feministas e antirracistas mais progressistas.”

Neste “Manifesto das Mulheres Estrangeiras”, elas pediram, entre outras coisas, a introdução do seguro de maternidade, melhor proteção para as mulheres em todas as profissões, mais jardins de infância e centros pós-escolares para crianças, horários de trabalho mais flexíveis para homens e mulheres, o fim da discriminação salarial e a abolição imediata do status sazonal, que impossibilitava o reagrupamento familiar.

Desafios do novo milênio

Muitas das exigências feministas no “Manifesto das Mulheres Migrantes” só recentemente se tornaram realidade.

Leena Schmitter, historiadora e porta-voz do sindicato Unia, analisou o que as mulheres suíças conquistaram desde o início do novo milênio, dentre elas a aprovação de várias leis a favor da sua causa.

Além da introdução do seguro de maternidade, melhoria do cuidado infantil e prolongamento do horário escolar, houve mudanças nas áreas de aborto, direito matrimonial e violência doméstica, esta última tendo se tornado um delito oficial.

O início dos anos 2000 também marcou um ponto de inflexão para homens e mulheres homossexuais. “Em 2007, entrou em vigor a Lei sobre união estável registrada, que coloca o casamento entre pessoas do mesmo sexo em pé de igualdade com o casamento entre heterossexuais, pelo menos em termos de impostos, pensão e direito sucessório”, explica Schmitter.

De acordo com Schmitter, foram feitos progressos significativos na área da igualdade de gênero durante esta década. Mas acrescentou que ainda existem problemas: “Em termos de legislação, os êxitos alcançados nos últimos anos contrastam com as experiências discriminatórias que as mulheres têm que enfrentar diariamente. Um caso marcante é a desigualdade salarial, um tema recorrente na Suíça, hoje confirmado pelas estatísticas federais.”

Foi precisamente a questão da desigualdade salarial que levou as mulheres na Suíça a entrarem em greve em 14 de junho de 2019. Assim, um novo capítulo na história da luta – que se estende há mais de um século – foi escrito.

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos. 

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Sibilla Bondolfi

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