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Os sonhos das babás brasileiras ilegais na Suíça

Babysitter ilegal: vantagens para os dois lados. photothek.net

Muitas brasileiras viajam à Suíça como turistas e permanecem no país durante anos, em busca de um futuro melhor, trabalhando como babás ilegais.

Elas chegam com poucos recursos e muitos sonhos, entre eles, os de casar com um suíço ou voltar ao Brasil em condições de construir uma casa própria.

Tarde de quarta-feira no aeroporto de Zurique. Mais um avião da TAP vindo de Lisboa traz brasileiros oriundos de Salvador. Nesse vôo, vem Márcia*, baiana do interior, 30 anos, tentar a vida mais uma vez na Suíça, agora com promessa de casamento e salário fixo de 800 francos por mês.

Para Márcia, que foi enganada pela patroa na primeira vez em que veio trabalhar no país, a vida no exterior é um jogo, em que ela entrou para ganhar. Com pouca instrução escolar, dois filhos, e uma mãe doente do coração que não consegue vaga no hospital para fazer uma cirurgia cardíaca, Márcia diz que nessa competição, só existe uma possibilidade: vencer ou vencer. “Eu já perdi tudo quando nasci pobre no Brasil. Aqui eu posso tentar um futuro melhor”, teoriza.

Márcia é somente mais uma entre as milhares de brasileiras que vêm tentar a sorte como babá ou doméstica no país. Ignoradas pelo governo local, elas entram como turistas e permanecem por anos, até conseguirem um casamento ou a independência financeira, traduzida pela compra do tão sonhado imóvel para a família. Com esse propósito, deixam filhos e marido e vêm tentar a vida de forma tão solitária e aventureira.

Trabalho informal

A Suíça é um dos destinos mais comuns entre os brasileiros. Não se fala muito do país no Brasil. Mas o curioso é que mesmo na contramão das semelhanças, os dois países vivem um fenômeno de importação e recebimento de mão-de-obra, que tem atraído moças simples do interior para trabalhar na condição de babás ” informais”.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil estima que cerca de 50 mil brasileiros vivam hoje na Confederação Helvética. O número é baseado na quantidade de serviços consulares e não distingue a situação oficial dos moradores. De acordo com a Departamento Federal de Estatística (DFE) da Suíça, vivem no país 14.108 brasileiros registrados (dados de 2007).

A discrepância entre os números gerados pelos os dois governos comprova a ignorância da Polícia de Imigração Suíça quanto ao número de “brasileiros ilegais”. Para o Governo Brasileiro, a colaboração econômica é vista com bons olhos. De acordo com o Departmento de Comunidades Brasileiras no Exterior do Itamaraty, os brasileiros que vivem no exterior são responsáveis pela injeção de mais de 6 milhões de reais na economia brasileira por ano. Para a Suíça, a situação é diferente. O país quer reduzir o trabalho no mercado negro e tem feito campanhas elucidativas para isso.

Os dados mostram também que o número de brasileiros na Comunidade Helvética cresce a cada ano. Em seu livro Brasileiros na Suíça, lançado em 2006, a professora e socióloga brasileira Safira Amman analisa a situação. De acordo com os números pesquisados pela professora, há 18 anos residiam, legalmente, 1.254 brasileiros na Confederação Helvética. Em 2004, o número ja saltara para 12.100 residentes permanentes legais, o que correspondia um aumento de 850% em um período de menos de 20 anos.

Boca-a-boca

Não se sabe exatamente como começa o fenômeno, mas tudo indica que a propaganda boca-a-boca se encarrega de fazer mais e mais adeptas. Informadas sobre a possibilidade de fazer dinheiro em pouco tempo, elas tomam o risco de viajar mesmo sem ter o dinheiro para a compra da passagem, geralmente paga pelo “empregador” e descontada em prestações dos futuros salários.

Na maioria das vezes, a brasileira vem porque a amiga já veio anteriormente e conhece alguém – provavelmente uma outra brasileira – que precisa de uma babá. “Eu só estou aqui porque minha irmã, que é casada com um suíço há mais de dez anos, me indicou a uma amiga”, conta Aline*, cuja irmã também veio no passado por recomendação.

A fórmula é confirmada pela análise do Departamento Federal de Imigração (BMF) – em trabalho denominado “Migração ilegal – por 60 mil francos é garantido o visto suíço”, de 30 de junho de 2004. O texto dedica cinco parágrafos ao tema, explicando que a migração legal ou ilegal não funciona sem uma rede de contatos.

Risco compensa


O esforço, no entanto, parece valer a pena. Em cidades mais populosas, como Zurique, Genebra e arredores, esse tipo de serviço é pago por hora 25 francos para o trabalho de faxineira, quantia inimaginável no Brasil.

Para quem se instala em casa de família para trabalhar geralmente de babá, as condições já são diferentes. Chega-se a ganhar até 1,5 mil francos por mês, sendo que muitas dessas moças são favorecidas financeiramente por não terem que pagar aluguel. Dependendo da patroa, elas ainda podem fazer bicos de faxineira e ganhar por hora para complementar o salário nos fins de semana.

No entanto, nem todas têm sorte. Há casos de patroas que regulam a comida, que pagam irrisórios soldos de 400 francos, como no caso da baiana Márcia. Quando veio há dois anos, teve várias promessas, mas quando se deu conta, se viu trabalhando quase como uma escrava. “Depois de descontar o preço da passagem aérea, não sobrava nada para ser enviado aos meus familiares no Brasil”, explica.

Casa própria

Em um ano de trabalho, Aline já economizou 9 mil francos. “Com mais um ano aqui, junto o dinheiro necessário para construir minha casa no interior da Bahia e sair do controle do meu marido, que tanto me maltratou e desrespeitou durante nosso casamento. Meu sonho é ter essa casinha e voltar a viver perto dos meus dois filhos”, conta Aline, com os olhos negros marejados de saudades.

Há dois na Suíça, a brasileira mora na casa da irmã e não precisa gastar com sua subsistência. A babá conta que, se fosse trabalhar em casa de família em Salvador, poderia ganhar, com muita sorte, um salário mínimo por mês, sem direito à folga semanal.

Maria* é uma brasileira que saiu do interior do Belém do Pará, deixando um filho de sete anos aos cuidados dos avós, entrou num avião pela primeira vez rumo a Zurique, também com o objetivo de juntar dinheiro para comprar uma casa.

“Foi muito triste deixar meu filho e vir fazer a vida aqui. Chorei muitas vezes sozinha no meu quarto”, desabafa, mas com a certeza de que tomou a decisão correta. Após morar dois anos de forma ilegal e viver até mesmo de favor em casas de amigos, foi para o Brasil buscar o filho e está de volta. Embora ainda não tenha visto de residente, Maria diz que está feliz com o novo rumo que sua vida está tomando: noivou-se com um suíço e deve se casar em breve.

Suíços gostam de brasileiras


Além da caderneta de poupança e, consequentemente, a casa própria, o casamento é encarado como um presente a mais, e conforme mostram as estatísticas, com grandes probabilidades de se realizar. Parece que os homens suíços têm verdadeira predileção pelas brasileiras.

Segundo dados de 2005 do DFE, depois das alemãs, eles preferem as brasileiras, seguidas pelas tailandesas, italianas, sérvias e norte-africanas. Dos 8.358 casamentos com estrangeiras naquele ano, 654 aconteceram com brasileiras, que perderam somente para a Alemanha, com 766 uniões formais. “O bom é que depois de arrumar um marido suíço, podemos cobrar mais caro pela faxina. Ou melhor, ainda nos tornarmos patroa”, brinca Maria.

Se a situação é lucrativa para quem vem tentar a vida, melhor ainda para as mulheres que já estão com a situação estabilizada na Suíça. Ao contratarem uma babá que durma durante a semana em suas casas e que ainda faça o serviço doméstico, as donas-de-casa brasileiras economizam muito dinheiro e ainda podem manter o padrão de comodidade que levavam no Brasil, algo impagável se fosse colocado na ponta do lápis todo o dinheiro referente a impostos e seguro social que deveriam pagar a essas profissionais.

Segundo Helena* (há cinco anos na Suíça), a contratação de uma brasileira para o serviço doméstico é um luxo acessível se tudo for feito na base da ilegalidade. Na sua opinião, não se trata de capricho, mas de uma garantia de contato das crianças com a cultura brasileira e atenção e carinho, enquanto a mãe trabalha. “Uma babá suíça jamais se dedicaria aos meus filho como a Márcia”, afirma Helena.

*Os nomes das entrevistadas foram modificados para preservação da identidade.


(Artigo publicado originalmente em 16 de agosto de 2008)

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