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Olhar suíço-brasileiro sobre um projeto de reassentamento no Brasil

Lorette Coen, nascida no Egito, criada no Brasil e depois uma vida profissional na Suíça. swissinfo.ch

O olhar de uma experiente jornalista e escritora suíço-brasileira sobre um projeto de reassentamento de moradores de favelas em São Paulo resultou no relato de uma abordagem social que buscou ser inovadora ao integrar uma dimensão artística ao manejo habitacional.

Escrito por Lorette Coen, o livro “As Cores da Urbanidade” foi lançado no Brasil em 27 de abril no Museu da Casa BrasileiraLink externo e fala sobre o projeto levado a cabo pelo governo de São Paulo nos chamados bairros-cota do município de Cubatão, comunidades localizadas em plena Serra do Mar, um importante ecossistema da Mata Atlântica.

Com dupla cidadania e vivendo entre São Paulo e Lausanne, Lorette Coen construiu uma obra que abrange desde os jardins da cidade suíça até a Amazônia brasileira. Nessa conversa com swissinfo.ch, a jornalista, que também atua como curadora de exposições, fala sobre sua trajetória e sua relação com Brasil e Suíça:

swissinfo.ch: Como foi tua formação no Brasil e na Suíça?

Lorette Coen: É uma série de acasos. Eu nasci no Egito e minha família emigrou para o Brasil comigo e meu irmão. Cresci em São Paulo, fiz meus estudos em São Paulo e, no momento de ingressar na faculdade, viajei à Europa para estudar. Eu estudei na Suíça porque naquela época ali era mais fácil de estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Eu me formei em Filosofia, História e História da Arte na Universidade de Lausanne, e depois comecei um estágio de jornalista, estudei jornalismo, me formei e me tornei jornalista.

Era um período complicado para o Brasil, a ditadura militar. Foi um período no qual para mim era complicado voltar, e então permaneci trabalhando como jornalista na Suíça. Mas, quando as coisas entraram mais nos eixos, eu voltei e passei a trabalhar entre o Brasil e a Suíça. É uma coisa que eu sempre fiz.

swissinfo.ch: Fale um pouco sobre tua experiência profissional. Você atua com destaque em diversas áreas…

L.C.: O primeiro jornal para o qual trabalhei, quando era muito, muito jovem, foi La Gazette de Lausanne, que não existe mais. Depois eu trabalhei para a revista semanal L’Hebdo, para a televisão, como free-lance e no jornal Le Temps. Mas, eu sempre tive períodos onde trabalhei como independente, e aí escrevi livros ou trabalhei como curadora de exposições. Trabalhei também um pouco na Espanha, montei exposições sobre assuntos que me interessam, como arquitetura e urbanismo, arquitetura da paisagem e transformações territoriais. Pouco a pouco esses se tornaram meus assuntos de pesquisas pessoais. Então, minhas atividades são jornalismo, escrever ensaios ou trabalhar como curadora de exposições.

Amazônia

O primeiro livro sobre o Brasil escrito por Lorette Coen e publicado na Suíça fala de um projeto faraônico implementado na Amazônia: “O Projeto Jari era muito polêmico nos anos setenta no Brasil. Eu fiz uma pesquisa – já que na Suíça existia o Instituto Ludwig, que foi o bilionário americano que imaginou o Projeto Jari e que recebeu facilidades do regime militar brasileiro para ocupar uma imensa propriedade. Então, eu pesquisei e escrevi esse livro sobre o Projeto Jari, que foi bem recebido tanto na Suíça quanto no Brasil”, recorda.

swissinfo.ch: Como aconteceu tua participação no projeto do livro “As Cores da Urbanidade”?

L.C.: Foi um acaso também. Eu estava em Paris e vi que estava programada na cidade uma conferência sobre as favelas de São Paulo. Como o assunto me interessa, eu decidi assistir à conferência, e uma das pessoas que falava naquela ocasião era Viviane Frost, a urbanista da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do governo de São Paulo que pilotava o projeto dos bairros-cota de Cubatão. Conversamos ao final da conferência e descobrimos que moramos no mesmo bairro em São Paulo. Algum tempo depois, já no Brasil, nos encontramos, ela me falou do projeto e me propôs uma visita aos bairros-cota de Cubatão. No dia da visita ela me perguntou se eu queria escrever sobre o projeto e eu disse sim.

Mais tempo passou, pois eu não estava disponível para me dedicar integralmente ao projeto e fiz o livro nos momentos em que podia. Enquanto isso, na CDHU eles trabalharam com o Projeto Com Com de comunicação comunitária, que acumulou uma enorme quantidade de documentos visuais – fotografias, filmes, produções gráficas. Com esse material, os documentos de arquivo sobre a região e sobre o assunto e o meu texto fizemos esse livro.

swissinfo.ch: Por que você se interessou pelo projeto?

L.C.: Eu me interessei por esse projeto porque está situado em um lugar onde eu passava quando era criança e ia à praia com minha família. Havia luzes na serra e eu não sabia o que era, e eram os bairros-cota de Cubatão, que nasceram dos antigos acampamentos dos trabalhadores que foram trazidos do Nordeste para construir as duas estradas que ligam São Paulo à Baixada Santista: primeiro a Anchieta, nos anos 50, depois a Imigrantes, nos anos 70. É uma lembrança muito antiga, uma curiosidade muito antiga.

Cada do livro “As cores da urbanidade” swissinfo.ch

O importante desse projeto é que ele é situado entre Santos, o maior porto da América Latina, e São Paulo, que é a capital econômica do continente, e está ao lado do polo petroquímico de Cubatão. Por aquelas estradas passa boa parte do PIB brasileiro. É um tema ligado às estradas, à economia, à questão ambiental relativa à Mata Atlântica que deveria ser preservada e não pode ter núcleos habitacionais dentro dela e a grave questão habitacional brasileira. Há também a questão da segurança das pessoas, já que a cada chuva forte o morro desliza e as casas precárias deslizam também, às vezes com mortos e feridos. Eu me interessei por encontrar ali um resumo do Brasil e também porque foi implantado ali um projeto muito original.

swissinfo.ch: No livro você fala sobre o aspecto artístico e como ele “acalmou os ânimos”. Há um histórico de confrontos na questão habitacional no Brasil…

L.C.:  A intervenção de artistas foi importantíssima para implementar o projeto. No início, quando os moradores souberam que seriam removidos, houve confronto. Eles estão ali há três gerações. Os trabalhadores das estradas eram seus avós e seus pais. Era a casa deles, e resistiram com muita força durante dois anos antes que o projeto fosse implementado. Quando a tensão estava muito elevada, pediram à CDHU uma nova abordagem do problema. Foi formada uma equipe técnico-social que encontrou um diálogo com os moradores, falou sobre os seus direitos, sobre a história das famílias, chamou representantes dos moradores para participar da obra.

O Estado transferiu todos os que moravam em áreas de risco para novas moradias em Cubatão. Para os que não estavam em área de risco foi oferecida uma urbanização com esgoto, eletricidade e água corrente, enfim, o essencial para viver de modo decente. Isso foi complementado pela intervenção artística, pois foi formado o ateliê Arte nas Cotas, que ensinou alguns voluntários a trabalhar com cores. Começaram a pintar as casas reformadas e deram um caráter tão alegre, transformando aquelas favelas em vilas coloridas e dando uma maior autoestima aos seus habitantes. Quando o livro foi lançado enviaram dois ônibus com os moradores. Receberam o livro como um livro deles, se sentiram valorizados e felizes. Para mim, foi muito comovente. Tive a sensação de ter cumprido minha meta.

Comunicação comunitária

Com texto de Lorette Coen, o livro “As Cores da Urbanidade” têm também imagens produzidas por jovens carentes que integram o Projeto Com Com de comunicação comunitária: “Jornalistas ensinaram àqueles que queriam como produzir um jornal e uma tevê local, e de repente essas pessoas passaram a compreender esses instrumentos do século XXI. Pularam do atraso ao século XXI, agora se comunicam de um bairro para outro. Organizou-se o turismo, com bairros coloridos, passeios. Criou-se toda uma série de possibilidades de geração de renda”, diz a jornalista suíço-brasileira.

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