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Justiça de Zurique quer conter tráfico de mulheres

Prostitutas nas ruas de Zurique: sofrimento, dor e humilhação. Keystone

Está em andamento um processo de grande amplidão em Zurique contra proxenetas e traficantes de mulheres.

Ao longo das investigações foi demonstrado como se desenvolve a prostituição forçada e como as vítimas são tradadas de “mortas vivas”, segundo uma procuradora.

Silvia Steiner sabe do que fala. A procuradora de Zurique é especialista do crime organizado e já instruiu vários processos de tráfico de mulheres e de prostituição forçada. Segundo ela, o que ocorre com as vítimas é um “assassinato social e emocional”.

Foi o que ela declarou no tribunal de Zurique durante a acusação, no maior processo desse gênero até agora na Suíça, inclusive pelo número de vítimas que aceitou testemunhar: 16 mulheres. “Em um futuro previsível, nenhuma delas poderá ter uma vida cotidiana normal. Elas são mortas vivas”, disse a procuradora Steiner.


A prostituição é cada vez mais importante em Zurique, sob todos os aspectos. Muito visível sobretudo na Sihlquai, uma rua muito movimentada atrás da estação ferroviária, causando muito incômodo aos habitantes dessa região.

A prostituição é legal na Suíça e as estrangeiras podem exercer, se requerem uma autorização, durante três meses por ano, mas a condição de serem independentes. No entanto, o meio está invadido de atividades criminais que a cidade de e o cantão (estado) de Zurique têm dificuldade de conter.

Meses de tortura

É um verdadeiro filme de horror que transcorre na sala do tribunal. Segundo a procuradora, as violências descritas pelas vítimas são tão traumatizantes que se questiona se as testemunhas nada omitiram, por contar é extremamente difícil.

Além do tráfico de seres humanos e o encorajamento à prostituição, os delitos enumerados pelo ato de acusação vão da interrupção de gravidez por agressões no ventre ao estupro, passando por lesões corporais, risco de vida, ameaças de todo tipo e diversas infrações à lei dos estorpecentes e ao direito de estadia de estrangeiros, tudo com reincidência.

Origens muito pobres

Provenientes de meios extremamente pobres, sem formação e sem perspectivas de futuro, atraídas pelos ganhos rápidos e a promessa de poder ajudar a família distante, certas vítimas vieram para a Suíça voluntariamente.

“A introdução da livre circulação das pessoas (ndr: regida por acordos bilaterais entre a Suíça e a União Europeia) deixando de exigir visa para países como a Romênia, facilita muito as atividades criminais”, precisa Eva Zwhalen, porta-voz da Secretaria Federal de Polícia (Fdpol). “Em matéria de tráfico de seres humanos, a Suíça resta um país muito atrativo onde grandes ganhos podem ser realizados com riscos mínimos de processo penal”, acrescenta.

Brevemente uma residência protegida

Em Zurique, o Centro de Assistência aos Migrantes e às Mulhres Vítimas do Tráfico (FIZ, na sigla em alemão), uma infraestrutura pioneira na Suíça, vai abrir brevemente uma residência protegida para acolher as vítimas do tráfico de seres humanos. Um cargo foi colocado em concurso e uma das qualificações exigidas é saber húngaro.

Fedpol, e especialmente o Serviço de Coordenação Contra o Tráfico de Migrantes (Scott), ligado à Fedpol, reconhecem o trabalho pioneiro desenvolvido em Zurique. “Em 2004, foi o primeiro cantão (estado) a implantar um mecanismo de cooperação interserviços, afirma Eva Zwahlen. Com o FIZ, Zurique dispõe ainda de um de ajuda especializado para as mulheres vítimas do tráfico.”

Atualmente, 13 cantões também têm esse mecanismo – denominado “mesa redonda” – ou estão em fase de implementação. Na parte de língua francesa da Suíça, essa estrutura existe em Friburgo (2007), Vaud (2009) e Genebra (em fase de conclusão).

A Secretaria Federal de Polícia admite que “em termos de recursos, as polícias estaduais frequentemente não têm meios suficientes para essa problemática. A mesma constatação vale para ajudar as vítimas, que geralmente precisam da ajuda de especialistas, mas muitas vezes não têm.”

Proteção de testemunhas

Doro Winkler, do FIZ, acha que a legislação é adequada. “A lei contém uma boa definição do que é o tráfico de seres humanos e as sanções possíveis podem ser pesadas“. A especialista constata, no entanto, “uma falta de sensibilidade em certos tribunais para reconhecer a gravidade desses crimes; esperamos que o processo de Zurique seja um exemplo.”

Elementos essenciais do processo penal e da sanção, as testemunhas deverão brevemente dispor de um novo instrumento: uma lei de proteção extra processual de testemunhas está sendo preparada.

Em Zurique, as vítimas que testemunham no processo em curso foram colocadas num pograma de proteção. “Se necessário, elas terão uma nova identidade, uma nova existência”, explica a procuradora Silvia Steiner.

Trabalho de Sisifo

A justiça parece estar diante de um trabalho de Sisifo: “Quando prendemos cinco pessoas um dia, outras cinco estarão ativas no dia seguinte”, afirma a procuradora, convencida que o fenômeno é o mesmo em todas as grandes cidades europeias.

“Talvez o processo possa contribuir para mostar aos clientes potenciais que as prostitutas da rua Sihlquai não são moças felizes com roupas coloridas, mas sim vítimas de métodos extremamente brutais.” O veredicto é aguardado para dezembro.

Ariane Gigon, Zurich, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Segundo os controles de polícia (portanto dados parciais), a prostituição cresceu 20% em 2009. A polícia contabilizou 3778 pessoas, entre elas 314 originárias da Hungria.

Dados da Secretaria Federal de Polícia indicam que 14 mil prostitutas trabalham na Suíça, metade ilegalmente. Três quartos das prostitutas vem do estrangeiro, principalmente dos países do Leste Europeu.

Conforme o Centro de Assistência aos Migrantes e às Vítimas de Tráfico de Seres Humanos de Zurique (FIZ), o tráfico de mulheres também aumentou.

O serviço especializado “Makasi” registrou 184 casos, entre eles 124 novos casos em 2009. Desse número, 56% são de mulheres forçadas a se prostituírem; 7% trabalham em cabarés, 6% em estabelecimentos privados.

Dos 184 casos registrados pelo FIZ, 56% vinham do Leste Europeu, 16% da Ásia, 14% da América Latina e Caribe, 12% da África e 2% da Europa.

Segundo o Serviço de Coordenação contra o Tráfico de Seres Humanos (Scott), ligado à Secretaria Federal de Polícia, a maioria das vítimas de exploração sexual são mulheres de 17 a 25 anos, provenientes dos seguintes países: Hungria, Romênia, Bulgária, Brasil, República Dominicana, Tailândia, Nigéria e Camarões.

O processo de Zurique envolve 20 pessoas de nacionalidade húngara (4 acusados, uma acusada que também é vítima e 15 vítimas) e uma romena.

Em junho, a polícia de Zurique prendeu 14 pessoas, entre elas 13 húngaras, em uma investigação de tráfico de seres humanos e proxenetismo. No total, 22 vítimas, todas húngaras e uma romena, entre 18 e 32 anos foram interrogadas.

A polícia de Zurique é pioneira na Suíça: o Scott iniciou em 2009 uma série de mesas-redondas Suíça-Hungria, a pedido da polícia de Zurique.

Desde então, investigadores da polícia de Zurique viajam regularmente para a Hungria.

Se o fenômeno foi detectado inicialmente em Zurique, um aumento do tráfico de mulheres húngaras foi constatado em 2009 em toda a Suíça, segundo fedpol.

Na parte de língua francesa, na cidade de Lausanne (oeste) também aumentou o número de mulheres húngaras e seus proxenetas.

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