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A marca de Cendrars no modernismo brasileiro

A escritora Aracy Amaral. cortesia

Blaise Cendrars é talvez um dos mais ilustres nomes da lista de suíços encantados com o Brasil.

Mais do que a simpatia recíproca, os modernistas brasileiros se deixaram ser descobertos pelo escritor europeu como conta a crítica de arte e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Aracy Amaral.

Ela está relançando o livro Arte e Meio artístico: entre a Feijoada e o X-Burguer , pela Editora 34. Nesse trabalho a autora trata do tema “Arte Moderna”, apresentando as gerações de modernistas no Brasil, “Arte contemporânea”, momento de grande efervescência da arte brasileira entre 1962 e 1981.

Na terceira parte do livro a autora discute o tema “Bienais”, nos aspectos de funcionamento institucional e estético, museográfico e social e finalmente, trata da arte latino-americana, a importância do papel social do artista e sua participação na tarefa de tornar as relações menos desiguais e a produção artística e crítica menos servis aos grandes centros. Aracy Amaral  também é autora de, Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas.

cortesia

swissinfo.ch: O livro “Arte e Meio artístico: entre a Feijoada e o X-Burguer” está sendo relançado. Que tipo de textos a obra reúne? 

Aracy Amaral – O livro, editado primeiramente pela Editora Nobel estava esgotado há algum tempo e a Editora 34 e (o arquiteto) Paulo Malta Campos considerou oportuno relançar o livro que reúne textos meus dos anos 1960 a fins de 1980 e que abordam arte brasileira contemporânea, Bienais e arte latino-americana. Há  textos igualmente apresentados em simpósios e colóquios, que não haviam sido apresentados antes no Brasil.

swissinfo.ch:O que há de novo nessa edição?

A.A.: Nesta edição, cuidadosamente coordenada pela equipe da Editora 34 ocorreu uma revisão, inclusão de novos textos e ilustrações que não constavam na primeira edição. Acredito que o livro será bem recebido, inclusive pelos pesquisadores de arte no Brasil e latino-americana em nosso país.

A mesma editora  publicou em três volumes outra coletânea de textos meus dos anos 80 até 2006, cobrindo igualmente arte latino-americana, modernismo e arte contemporânea brasileira sob o título de “Textos do Trópico de Carpricórnio”, posto que São Paulo se situa nesse trópico e o título significa um ponto de vista, o meu, sobre arte, a partir da localização em que me situo.

swissinfo.ch: A Sra. é uma especialista na obra de Blaise Cendrars. Como surgiu seu envolvimento com a obra do autor suíço?

A.A.: Minha descoberta de Cendrars e sua relação com o Brasil se deu quando dei início, em meados dos anos 1960, a minhas pesquisas sobre a vida e obra de Tarsila do Amaral. Foi tanto o material que encontrei  em forma de documentos, cartas, o original datilografado de Cendrars, um poema, enviado a Tarsila para constar  do catálogo de sua primeira exposição na Galerie Percier, em Paris, em 1926.

Além disso achei fotos da histórica viagem a Minas dos modernistas em 1924,  dados sobre a relação entre Oswald de Andrade e Tarsila com Cendrars nessa agitada década  de 20. Esse material resultou num livro,“Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas”. (Lançado em primeira edição pela Martins Editora, 1970, Editora 34, 2ª.ed.1997.)

Todas as fotos posteriormente apresentadas sobre as duas primeiras viagens do poeta suíço-francês ao Brasil saíram, ainda inéditas, nesse livro. Era um material riquíssimo, ao qual acrescentei depoimentos colhidos com modernistas ainda vivos.

swissinfo.ch: Qual a importância da obra de Cendrars para a Sra.? E para os artistas brasileiros contemporâneos dele?

A.A.: Para mim, foi uma descoberta, não apenas de um momento rico e especial da vida de Tarsila, e Oswald de Andrade, assim como da descoberta do Brasil por Cendrars. Para ele, um encantamento. Para os modernistas  de São Paulo, Belo Horizonte e Rio, uma honra conhecer um poeta como Cendrars, com cuja obra já tinham contato literário.

Aracy Abreu Amaral nasceu em São Paulo, em 1930. Foi professora-titular de História da Arte pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1975-1979) e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (1982-1986), membro do Comitê Internacional de Premiação do Prince Claus Fund, em Haia, na Holanda, e coordenadora-geral do Projeto Rumos Itaú Cultural (2005).

Em 2006 ganhou o prêmio Fundação Bunge (antigo prêmio Moinho Santista) por sua contribuição à área de Museologia. Além de ter organizado diversas exposições importantes, publicou também, entre outros, os livros Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas (1970), Artes plásticas na Semana de 22 (1970), Tarsila: sua obra e seu tempo (1975), todos reeditados pela Editora 34. Em 2013 recebeu o Prêmio Governador do Estado pela curadoria da exposição “Exercícios de Olhar” (São Paulo, 2012). Vive e trabalha em São Paulo.

Fonte: Editora 34

swissinfo.ch: Que marcas Blaise Cendrars deixou na produção artística brasileira?

A.A.: Ele chega poucos anos depois da Semana de 22 posteriormente, em 1924, por instigação Oswald de Andrade, mas a convite  de Paulo Prado, intelectual e homem de negócios de nossa cidade, já familiarizado com a obra do poeta suíço-francês, ao qual seria ligado por estreita amizade até o fim de sua vida. Paulo Prado, como se sabe, acompanhou todo o movimento modernista desde a Semana de 1922.


Considero que Cendrars influenciou sim, a poesia de Oswald de Andrade, e as viagens deste modernista a Paris e seu convívio em Paris, as blagues e licenças poéticas do poeta o influenciariam também em seus textos dos anos 20.

Por outro lado, Cendrars foi também muito influenciado pelo Brasil. A fantasia deste poeta foi tocada pela magia da natureza exuberante, do país tropical. Ao mesmo tempo, como seus contemporâneos brasileiros à época diziam, em seus textos nunca se sabe exatamente onde termina a realidade e onde se inicia a magia poética de sua fervilhante imaginação.

Seja na narração de tipos como de situações que influenciaram muitas obras que publicaria com o Brasil como tema ou inspiração, como em Trop, c´est trop, ou Moravagine, apenas para citar dois trabalhos de sua autoria.

swissinfo.ch: Como a Sra. avalia a interpretação do Brasil feita por Cendrars?

A.A.: Acho interessante observar que sempre me atraíram os relatos de escritores ou intelectuais estrangeiros que visitam ou visitaram o Brasil, mesmo em seculos atrás. Perceber, em seus relatos o que seus olhos fixam e narram, como somos vistos por eles. Nesse aspecto Cendrars foi para mim um “prato cheio” como se diria, tão substancioso me pareceu. Assim, não deixo de ler John dos Passos, Camus, Levi Strauss, Zweig. Nem que seja para criticar posteriormente a forma recortada, ingênua, maldosa, preconceituosa, ou insuficiente, para nós, de como apreendem o Brasil.

Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer

Artigos e ensaios (1961-1981)

Aracy A. Amaral

Apresentação de Ana Maria de Moraes Belluzzo

Edição revista e ampliada

544 p. | 16 x 23 cm | ISBN 978-85-7326-519-4 | 2013 – 2ª edição (Acordo Ortográfico) | R$ 74,00

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