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Mal-amadas dos juízes, a lei suíça da igualdade ainda não se impõe

Homens e mulheres ainda não estão em pé de igualdade no mercado de trabalho na Suíça. Getty

A lei federal sobre a igualdade entrou em vigor há 20 anos na Suíça. Se ela não permitiu eliminar todas as desigualdades, principalmente quanto aos salários, ela é pouco aplicada. A causa é a reticência das mulheres, mas também dos juízes.

“A senhora quer ter filhos?” Um empregador não tem, menos em certos casos particulares, o direito de fazer essa pergunta a uma candidata durante a entrevista de emprego. No entanto, alguns a fazem e, nesse caso, a candidata tem o direito de mentir. Se ela não é contratada devido a vontade de engravidar e que ela pode provar, a candidata pode invocar a lei federal sobre a igualdade (LEg) para dar queixa. Na prática, isso ocorre raramente. 

O que prevê a lei da igualdade?

A lei da igualdade (LEg) entrou em vigor em 1° de julho de 1966. Esse instrumento de promoção da igualdade entre mulheres e homens interdita as discriminações diretas ou indiretas. Ela se aplica a todas as áreas da vida profissional, da contratação à demissão passando pela formação contínua, o salário ou ainda o assédio sexual no local de trabalho.

As disposições da lei sobre a igualdade têm por objetivo facilitar a aplicação do direito concretamente. Para isso, a lei instaura a gratuidade do processo diante dos tribunais cantonais para as demandas em matéria de igualdade, provas menos rigorosas, qualidade para agir das organizações de proteção contra as demissões por represália.

 (fonte: Central federal de igualdade)

Doutor em direito, advogado e professor na Universidade de Neuchâtel, Jean-Philippe Dunan afirma que “a discriminação nas contratações fundada no gênero é pratica cotidianamente na Suíça”, mas ele só registrou cerca de 50 queixas desde a entrada em vigor da LEg. Ele acrescenta que a maioria delas terminou diante da autoridade cantonal de conciliação.

Vários fatores explicam o fraco número de queixas ligadas à discriminação na contratação. É difícil provar a discriminação durante o processo de recrutamento que ocorre essencialmente com entrevistas orais. Outro obstáculo é que a pessoa não contratada tem três meses de prazo desde que o empregador anunciou a decisão. Esse prazo geralmente é utilizado pela candidata para procurar outro emprego.

Jean-Philippe Dunan qualifica também de “pouco dissuasiva” a sanção prevista, equivalente a três meses de salário no máximo. “Eu conheço vítimas que obtiveram uma indenização de 1000 francos suíços, mas que gastaram mais que isso em despesas procedurais”.

Lei citada uma vez em 1500 casos

O problema da discriminação no trabalho é sintomático. De maneira geral, as queixas de discriminações entre homens e mulheres são pouco numerosas na Suíça. “Se a LEg cumprisse as promessas, as queixas fundadas nessa lei seriam numerosas. Ora, esse não é o caso”, constata Florence Aubry Girardin no livro “A igualdade entre mulheres e homens nas relações de trabalho – 1996-2016: 20 anos de aplicação da LEg”.

Os últimos dados disponíveis são os do relatório do governo federal de 2006, que cita 245 casos julgados. Florence Aubry Girardin nota que a LEg foi citada em uma centena de julgamentos do Supremo Tribunal Federal desde a entrada em vigor, enquanto no mesmo período o STF fez 150.000 julgamentos.

Portanto, os números mostram que muitas desigualdades persistem. Segundo a Divisão Federal de Estatísticas (OFS), em 2012 as mulheres ganhavam 18,9% menos do que os homens no setor privado e 13,6% no setor público. Cerca de 40% desses casos de diferença salarial eram devidos a comportamentos discriminatórios. 

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Medo de dar queixa

Nesse contexto, por que as mulheres não recorrem mais à LEg para fazer respeitar seus direitos? A primeira explicação está do lado das vítimas. Como explica Pascal Mahon, doutor em direito e professor na Universidade de Neuchâtel, a responsabilidade de agir é unicamente da pessoa discriminada. Ela deve ousar atacar seu empregador com o risco de perdeu o emprego, de ser estigmatizada e de encontrar outro emprego.

A juiz federal Florence Aubry Girardin cita outra pista. “Uma das explicações deve-se ao fato que os juízes de primeira instância não gostam da LEg ou não a aplicam em todas as situações em que mereciam ser aplicada. “Suas reticências estão ligadas às especificidades procedurais dessa lei, que se distanciam das regras ordinárias.

Por exemplo, a vítima beneficia de um sistema de prova facilitada (salvo para os casos de discriminação na contratação ou de assédio sexual). Basta assim demonstrar a verossimilhança de uma discriminação. O empregador deve então demonstrar que não houve diferença de tratamento ou esta é fundada em motivos objetivos.

Florence Aubry Girardin nota que esse sistema implica uma modificação dos reflexos habituais dos juízes. “Essa lei requer deles uma atenção particular que eles frequentemente não têm tempo a dedicar, pois há sobrecarga dos tribunais”. Dessa forma, a menos que a questão levantada revele uma violação evidente da LEg, os juízes não vão obrigatoriamente questionar de ofício a possibilidade de aplicá-la.

Um texto perfectível

Para garantir uma melhor eficácia da lei sobre a igualdade, Florence Aubry Girardin sugere de trabalhar na informação. Ela propõe notadamente a introdução de jornadas de formação contínua para os juízes de primeira instância para que essa disposição seja mais conhecida e entre na rotina judiciária.

A lei sobre a igualdade é perfectível, sublinha Pascal Mahon. O doutor em direito gostaria que o peso de sua aplicação não fique sobre os ombros da vítima de discriminação. “Deveríamos refletir a processos mais coletivos”. Ele julga que o projeto de revisão da lei colocado em fase de consulta no final de 2015 pelo governo federal, que colocaria as empresas diante de suas responsabilidades, constitui “um passo na boa direção”.

Responsabilizar as empresas?

Frente à persistência das desigualdades salariais entre homens e mulheres, o governo suíço decidiu que medidas adicionais devem ser tomadas. Ele propõe uma modificação da lei que obrigaria os empregadores com pelo menos de 50 trabalhadores a efetuar de quatro em quatros anos internamente uma análise dos salários para verificar, por um órgão de controle externo, e informar os trabalhares dos resultados.

O anteprojeto não prevê sanção às empresas. Os órgãos de controle fariam apenas um relatório. Uma das variantes estudadas prevê de assinalar à autoridade competente – certamente a Central federal da igualdade entre mulheres e homens (BFEG) – os empregadores que não fizerem a análise no prazo previsto.

Apesar do caráter não vinculativo, a revisão da lei já foi criticada pelos meios patronais que negam qualquer discriminação às mulheres. Do lado oposto, os sindicatos estimam que ela deveria ir além.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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