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Na cozinha do mestre chocolateiro (2a parte)

A fruta do cacau sendo colhida na Costa do Marfim. laif

Na segunda parte da entrevista, Urs Liechti, mestre chocolateiro do fabricante suíço Lindt & Sprüngli fala da dificuldade de criar novos produtos.

E explica porque pimenta malagueta não serve para fazer chocolate.

swissinfo.ch: As inovações crescentes na área do chocolate são uma questão de marketing ou demanda do consumidor? Em Berna é possível encontrar em uma loja de produtos finos barras de chocolate fino por até 20 francos…

U.L.: Sim, por um lado existe um grande investimento no marketing. Mas também o consumidor tem uma grande expectativa quando está pagando vinte francos por uma barra de chocolate. Para isso o fabricante tem de encontrar uma mais-valia para justificar esse preço e motivar o consumidor a comprar uma segunda ou terceira barra. Muitos fabricantes não conseguem alcançar esse objetivo. Eles chegam ao mercado contando uma grande história para o seu produto, que desaparece logo depois das prateleiras. 

swissinfo.ch: Como mestre chocolateiro, quanto tempo você necessita para desenvolver um novo produto?

U.L.: Depende de muita coisa. Quando desenvolvemos uma barra relativamente simples, um “Excellence” com nova combinação, mas já tendo os moldes, entre oito ou dez meses até chegarmos ao mercado. Nós começamos experimentando as combinações e procurando novos ingredientes que combinam perfeitamente entre si de forma harmônica. Então fazemos testes com o consumidor. Eles irão nos dizer se fizemos ou não um bom trabalho. Isso é muito importante, pois muitas vezes desenvolvemos algo e achamos que o trabalho está perfeito. Porém, ao ler  os resultados dos questionários enviados a 100 ou 150 consumidores de teste, a situação pode mudar. 

swissinfo.ch: E quando isso ocorre?

U.L.: Quase sempre quando testamos uma receita que sai dos padrões normais. Se combinamos chocolate com nozes (noz, avelã, amêndoa, etc.), inclusive como recheio, as notas do consumidor são sempre boas notas. É difícil de cometer erros com essa combinação. As nozes podem estar bem torradas, serem caramelizadas ou pequenas: as pessoas sempre gostam.
 
Já ao passar para receitas com frutas ou bem singulares – voltadas para grupos bem específicos – a situação se complica. Talvez a maior dificuldade ocorre no momento em que misturamos chocolates com especiarias como, por exemplo, o chocolate com pimenta.  

swissinfo.ch: Foi difícil fazer esse chocolate com pimenta?

U.L.: Sim, extremamente. Eu acompanhei o processo desde o início. Em primeiro lugar você tem de levar em conta que existe um número incrível de diferentes variedades de pimenta: são mais de 300. E a questão era saber: qual delas combinaria com o nosso chocolate? Então testamos 100 diferentes receitas com diversas variedades de pimenta. 

swissinfo.ch: Até as bem ardidas?

U.L.: Sim. Uma vez cometemos um erro ao utilizar uma variedade extremamente forte. Depois de degustar essa combinação, a gente não conseguia nem mais trabalhar. Mais tarde fomos testando até chegar ao balanço ideal. O mais importante era que a pimenta no chocolate não ficasse em primeiro plano, mas sim o chocolate. Então conseguimos chegar a uma receita, onde a pimenta dava uma leve aromatização ao produto. Ao degustá-lo, ocorria primeiro uma decepção, pois não se sentia a pimenta. Mas depois um leve sentimento de picante apareceu, mas sem queimar. Foi extraordinário ao sentir isso pela primeira vez. Ao chegar a essa receita, com a pimenta perfeita, depois de seis ou sete meses de testes, a nossa alegria era imensa. Só a partir desse momento é que foi possível enviar a mistura ao consumidores de teste. 

swissinfo.ch: E qual foi o resultado?

U.L.: Foi…arrasador.

swissinfo.ch: E por quê?

U.L.: Nós ficamos bastante deprimidos. De dez pontos, os consumidores nos deram 6,5 à receita com pimenta. Mas no questionário enviado a 150 deles também perguntamos se gostavam de chocolate amargo e cerca de 10% responderam disseram ter adorado a receita, ou seja, deram uma nota de 9.5 em média. 

swissinfo.ch: E isso levou à adoção do novo produto?

U.L.: Nosso departamento de marketing foi corajoso o suficiente para dizer que, se 10% dos consumidores gostaram do produto, então valia a pena testar sua fabricação. Agora posso dizer: o Excellence Chili se tornou um sucesso absoluto de vendas. As pessoas adoram esse produto. 

swissinfo.ch: Quanto chocolate você experimenta por dia?

U.L.: Eu como entre 100 e 150 gramas de chocolate por dia, ou seja, degustando, otimizando, degustando e por aí vai. Acho que sou um dos poucos profissionais no mundo que é pago para comer chocolate (risos). 

swissinfo.ch: Existem fronteiras na experimentação com o chocolate?

U.L.: Sim. Lembro-me de um projeto na empresa, que era reproduzir em forma de chocolate sobremesas famosas da Suíça, ou seja, musse, torta de cereja e outras. Depois de juntá-las em um arquivo, começamos a desenvolver as diferentes receitas, das quais uma ficou excelente: a de torta de cenoura. Nela utilizávamos flocos secos de cenoura. O resultado ficou até melhor do que a torta original, com marzipã e chocolate branco para decorar. Porém infelizmente o projeto mudou de direção e as receitas tinham de ser mais internacionais. Foi nesse momento que a receita da torta de cenoura teve de ser abandonada. Nossos colegas do marketing não achavam que um legume como cenoura poderia combinar com o chocolate, pelo menos na cabeça do consumidor. 

swissinfo.ch: Fora esses aspectos culturais, existem realmente ingredientes que não combinam?

U.L.: O importante é que elementos adicionais harmonizem perfeitamente com o chocolate. Quando nossos consumidores compram nosso produto, o chocolate tem de estar em primeiro plano. E tudo que incluímos no chocolate precisa harmonizar perfeitamente com ele. Existem pequenas confeitarias que chegam, por exemplo, a colocar queijo roquefort ou outras coisas exóticas no seu chocolate. Mas para mim isso é um “off-flavor”, ou seja, não combina com o chocolate, mas é minha opinião pessoal.

Nasceu em Ittigen, comuna (município) vizinho da capital Berna. Idade: 52 anos.

Fez uma formação como confeiteiro em uma conhecida confeitaria no centro antigo de Berna.

Depois viveu por quatro anos no Canadá, onde chefiava a produção de chocolate de uma pequena confeitaria.

Depois passou vários anos na em Melbourne, Austrália, em uma padaria francesa. Lá conheceu sua esposa e teve a primeira filha.

Urs Liechti retornou depois à Suíça, onde fundou com sua esposa um café na região dos Alpes bernenses. O café ficou aberto por dez anos.

Em 2000 foi convidado para ser chefe de desenvolvimento da Lindt & Sprüngli em Kilchberg, Zurique.

Questionado como faz para manter o peso (Urs Liechti é magro) nessa profissão, o confeiteiro revela: “Corro de bicicleta 74 quilômetros todos os dias entre o trabalho e a minha residência”.

Faturamento em 2010: 2.57 bilhões de francos (2.52 bilhões em 2009)

Lucro líquido: 241 milhões de francos (193 milhões em 2009)

Número de funcionários: 7.572 (2010)

Lindt & Sprüngli tem seis fábricas na Europa e duas nos Estados Unidos. A empresas tem 17 filiais em várias partes do mundo.

Principais mercados: América do Norte (28,3%), Alemanha (17,5%), Suíça (12,7%), França (12,5%), Itália (11,5%), Grã-Bretanha (5%), resto da Europa (7,4%) e resto do mundo (5,1%).

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