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A solidão que ronda o brasileiro no exterior

Solidão é um sentimento que atinge não só idosos. Keystone/V. Schulz

A Suíça, por ser uma sociedade individualista e focada na administração do tempo, pode aumentar a sensação de falta de contato interpessoal

No vilarejo de Dielsdorf, no cantão de Zurique, existe uma casinha de estilo boneca, com cortinas de renda e corações, onde funciona o Café Mit Hertz. Mais que um restaurante, é um local onde pessoas se encontram para trocar ideias e conversar. Ali, rodeadas por uma lareira, artesanato, bebida quente, waffles e bolinhos, elas são estimuladas a dividir a mesa e a interagir. E o melhor, pagam o quanto acham que devem. Não há preço fixo, somente contribuições.

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

O lugar, idealizado por Lidia Vitkovsky, faz parte de uma associação chamada Ein Herz für Mitmenschen e tem como objetivo a promoção do contato interpessoal. No local, só trabalham voluntários. O dinheiro vem das contribuições à associação, dos artesanatos produzidos por donas de casa e pessoas que também frequentam o café para fazer amizades. De acordo com Lídia, após passar por uma crise de estresse, o chamado burnout, percebeu a carência de aproximação humana que acomete as pessoas na Suíça. Após se recuperar, ela teve a ideia de abrir um espaço onde as pessoas pudessem se aproximar sem ter que pagar, o que não funcionaria em um café normal, onde cada um se senta em sua mesa individual. “A gente só percebe a falta de diálogo quando tem um problema. Quando falamos sobre nossas dificuldades, nos damos conta de que existem outras pessoas carentes, ávidas por dividir seus medos, mas que muitas vezes não têm coragem de mostrar suas fragilidades”, explica.

A teoria de Lídia se confirmou na apuração dessa matéria: assim que o tema solidão foi levantado e jogado em um grupo de discussão, inúmeras mensagens de brasileiras residentes na Suíça surgiram, a maioria relatando que já se sentiram sozinhas desde que vieram morar no país. A sondagem qualitativa perguntava se elas já haviam vivenciado solidão e em que situação eram mais fortemente confrontadas com o problema. Das 15 respondentes, três disseram não ter a sensação; mas 12 relataram que a percepção de isolamento ronda suas vidas em várias situações. A segunda confirmação veio por meio dos agradecimentos: elas relataram satisfação em poder dividir seus medos e inseguranças no grupo e em saber que haviam outras com as mesmas questões.

Doença e pouco bate-papo

Falta de apoio emocional em diversas situações e dificuldades com amizade foram as campeãs da pesquisa, com dez e oito pontos respectivamente; logo atrás veio o quesito Festas e Comemorações, que de certa forma também estaria ligada à distância da família (seis entrevistadas); a falta de identidade cultural e as condições climáticas – no caso inverno longo e rigoroso (duas respostas cada) e, por último, com apenas um ponto, a mudança hormonal. A ocupação profissional foi dita por duas entrevistadas como razões para não se sentirem sós; uma disse que a religião e o contato com a comunidade da igreja ajudam a lidar com a questão.

A situação na Suíça

Diante dos depoimentos, estudos e diferenças culturais calcadas maior ou em menor proporção nas relações interpessoais, não há como negar que o isolamento ronda a vida do estrangeiro. Na Suíça, entretanto, a situação é especial e, algumas evidências mostram que até mesmo os locais gostariam de ter mais contato humano. Não fosse assim, a criação de um espaço dedicado à formação de amizades não teria sido necessária.

Lidia Vitkovsky frente ao Café Mit Hertz. swissinfo.ch

Mais que isso, o país é considerado, de fato, difícil para os estrangeiros, apesar de apresentar altos níveis de qualidade de vida e segurança, além de salários competitivos. Relatório do Observatório de Saúde da Suíça (ObsanLink externo, na sigla em alemão), atesta que cerca de um terço dos suíços se sentem sozinhos, em uma escala que vai de esporadicamente até praticamente todos os dias.

De acordo com o levantamento com expatriados feito pelo grupo HSBC em 45 países do mundo, o Expat Explorer SurveyLink externo, a Suíça ocupa o quinto lugar no ranking. A pesquisa, realizada pelo nono ano, tem o objetivo averiguar as melhores nações para vivência internacional.  As categorias avaliadas são divididas em Economia, Experiência e Família. Entretanto, quando julgados alguns critérios referentes à Experiência, que integra a análise das esferas Integração e Possibilidade de se fazer amigos, a nota cai e a Suíça passa a ocupar 42° lugar.  Exatamente nesses quesitos as avaliações do Brasil sobem consideravelmente, o que mostra a discrepância e as evidentes diferenças entre as duas culturas.

A carioca Camila Brum, entrevistada pela enquete qualitativa feita pela swissinfo.ch, achava que por ser muito sociável e comunicativa, faria amigos facilmente. Moradora de Berna, ela diz que a expectativa se mostrou um ledo engano. “Os círculos de amizade são muito fechados. Quantos domingos passei sentindo falta de mais contato humano. Eu ligava para casa e a família estava toda reunida. Melhorou muito depois que minhas filhas nasceram”, diz.

De acordo com a advogada *Paula Soares, também residente em Berna, ela se sente só quando enfrenta um problema particular e não consegue dividir suas inquietações. “As pessoas são muito individualistas. Ninguém tem tempo de te ouvir, a não ser que seja para negócios ou trabalho”, lamenta. Lídia, a fundadora do Café Mit Herz, teve a inspiração baseada justamente nessa sensação. “Quem não conhece o sentimento de ir a uma loja e se perguntar o que eu fiz à vendedora que não fala um oi?  Parece que há um medo de trocar experiência”, diz Lídia, que nasceu no país, mas tem ascendência espanhola.

A brasileira Priscila Wolf reclama que se sente sozinha em várias situações do dia a dia: nas duas vezes em que engravidou, quando voltou para casa com os filhos após o nascimento deles, quando está doente ou até feliz, em tomadas de decisões, quando gostaria de mais cabeças culturais parecidas para trocar ideias. “Mas no momento, a minha solidão se chama inverno”, explica Priscila, que deu essa entrevista em um dia muito frio.

Imigração e desintegração dos relacionamentos

De acordo com o estudo Imigração: destruição e reconstrução do eu, do psicólogo Renu Narchal, a migração, que é uma viagem do conhecido para o desconhecido, provoca uma mudança no espaço pessoal, ancestral e cultural. Uma das consequências é a desintegração dos relacionamentos construídos ao longo da vida, que é extremamente dolorosa e gera um sentido de tristeza quando interrompido. As narrativas do estudo, que investigaram como estudantes imigrantes sentiam solidão na Austrália, mostram que, com adultos, a angústia é experimentada diante de uma separação inexplicável e no sofrimento com a perda de uma base segura. A imigração é acompanhada, em muitos casos, também por sentimento de supressão da língua nativa e da própria identidade.

O livro holandês Aspectos Psicológicos de Mudanças Geográficas, de Miranda Van Tilburg e Ad Vingerhoets, uma compilação de 14 artigos científicos sobre o assunto, sugere que o suporte social está diretamente relacionado ao aumento de velocidade e qualidade da adaptação, ajudando a desconectar o processo do estresse e doenças. Dessa maneira, todos os tipos de amparo (emocional, financeiro e informativo) têm uma importância crucial nesse processo e no sentimento de bem-estar do imigrante, já que ele perde exatamente isso quando sai do seu país.

Abra as portas do novo mundo e saia do seu isolamento

O psicólogo brasileiro Vivaldo de Oliveira Júnior explica que é preciso diferenciar solidão de depressão, em primeiro lugar. Depressão é uma patologia e dura tempo, acometendo a pessoa de tristeza e outros sintomas por semanas seguidas. Solidão é um momento passageiro e pode acontecer com qualquer estrangeiro, principalmente quando se vem do Brasil. Em uma cultura como a brasileira, a pessoa está acostumada a ter mais contato com o outro, a comer um bolo na casa do vizinho, por exemplo, sempre de forma espontânea, situação mais rara aqui na Suíça.

Para driblar a solidão, no entanto, Vivaldo diz que é essencial abrir as portas, conhecer gente nova, ou seja, tentar criar uma nova rede de contatos. “Sentir-se sozinho ou não está em suas mãos. É você quem vai quebrar essa barreira e recriar o que você tinha no antes no seu país de origem. Se você se mudasse de cidade, seja no Brasil ou em Portugal, também não teria que fazer isso?”, explica o psicólogo, que cita Freud para explicar que é necessário se desapegar do que ficou para começar uma nova fase.

De acordo com Vivaldo, isso não significa que seja necessário esquecer do passado ou das amizades anteriores. Pelo contrário, é preciso acrescentar ao que já existia. “Muitas vezes temos medo de incomodar e telefonar para um amigo ou conhecido. Mas devemos tentar sair da zona de conforto mesmo”, diz. Outra lição de Vivaldo para lidar com a imigração é lembrar-se sempre de que somos como as borboletas, seres em transmutação, em desenvolvimento e que, às vezes, precisamos encarar um estágio de solidão para crescermos enquanto seres humanos.

*Alguns nomes foram modificados a pedido das entrevistadas.

Os maiores causadores do sentimento de solidão



Falta de apoio
Em casos de doençaTomadas de decisãoPessoas muito ocupadas e sem tempo de ouvirGravidez e nascimento dos filhosDistância da família

11 entrevistadas



Amizade
Falta das amigas da infância para falar e rirVontade de conversar com quem conhece há anosDificuldade de fazer amizade na SuíçaPoucas mentalidades culturais similares


10 entrevistadas
Celebrações de festas e comemoraçõesA falta da família em épocas especiais
6 entrevistadas
Condições climáticasInverno longo e rigoroso2 entrevistadas

Identificação cultural
Falta de identidade com cultura local, que aumenta a sensação de ser estrangeiraNão entendimento de brincadeiras, piadas

2 entrevistadas

Mudança hormonal
Os ciclos interferem no humor e consequentemente na sensação de solidão
1 entrevistada



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