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No exílio, nem todos são iguais

Fotografias de Brecht e Silone em formulários no arquivo do BFF em Berna. swissinfo.ch

Departamento Federal de Refugiados publica livro sobre a vida de dez célebres asilados na Suíça. Projeto é de autoria dos próprios funcionários.

Enquanto o prêmio Nobel Thomas Mann era recebido com honras, Bertolt Brecht era vigiado como espião.

“Refugiados proeminentes no exílio suíço” é o título de um livro que acaba de ser lançado na Suíça.

Apesar dessa ser mais uma obra entre centenas que já foram dedicadas a esse tema delicado, o livro tem um caráter único: ele foi inteiramente escrito por funcionários do Departamento Federal de Refugiados (BFF, na sigla em alemão), o órgão estatal encarregado de administrar a vinda, a estadia e a expulsão de estrangeiros que solicitam asilo na Suíça.

O trabalho foi voluntário. Em 390 páginas, os doze funcionários contam a história de dez proeminentes refugiados na Suíça. Além de Thomas Mann, o escritor alemão detentor de um prêmio Nobel, lá estão os passos de Bertolt Brecht (dramaturgo), Ignazio Silone (escritor), Robert Musil (escritor), Stephan Hermlin (escritor), Otto Heinrich Weissert (dramaturgo) Hans Mayer (professor), Michel Olian (banqueiro), Fritzi Spitzer (feminista) e Agota Kristof (escritora).

Não repetir erros do passado

“O objetivo principal do projeto não é contar a biografia dessas dez pessoas, mas sim o seu relacionamento com as autoridades policiais e como eles eram vistos por elas”, explica Jean-Daniel Gerber, diretor do BFF. “Queremos não mais repetir os erros do passado”.

Material de pesquisa é o que não falta nos arquivos dessa repartição pública. Criado em 1917 como “Polícia de Estrangeiros”, o Departamento Federal de Refugiados abriga em seus arquivos mais de 440 mil pastas. Cada uma delas conta o destino de uma pessoa que um dia bateu nas portas da Suíça à procura de proteção.

Seus funcionários têm um grande poder. Ao analisar o dossiê de cada um dos estrangeiros que hoje chega na Suíça e solicita asilo político, eles precisam aceitar ou não seus argumentos. “Por isso nós precisamos também nos sentir responsáveis por essas pessoas”, revela Stephan Parak, chefe no BFF e, ao mesmo tempo, responsável por pareceres diários em pedidos de asilo.

“Ao ler sobre a diferença de tratamento desses asilados celebres, aprendi que sempre tenho de tentar analisar os fatos da perspectiva do refugiado”.

Nem todos eram iguais

A revelação mais interessante do livro “Refugiados proeminentes no exílio suíço” é a diferença no tratamento dado pelas autoridades às pessoas que solicitavam proteção e acolhimento.

Em geral, a Suíça seguiu uma política restritiva de asilo político no período que antecedeu o início da Segunda Guerra Mundial e durante o próprio conflito. O receio era que massas de refugiados terminassem por desestabilizar o pequeno país dos Alpes. Não só o nazismo, mas também o comunismo eram visto como ameaça. Por isso, nem todos refugiados eram bem-vindos.

Dentre as várias táticas empregadas para controlar a estadia de refugiados estava a proibição de trabalho, como ocorreu com o escritor Robert Musil. Outros, como o dramaturgo Bertolt Brecht, eram suspeitos de ligações com a União Soviética. Por isso eram vigiados como se fossem espiões e suas vidas dificultadas até os limites do suportável.

“Era uma luta à procura de pão e passaporte; mas o passaporte era mais difícil de obter”, conta Brecht, que havia perdido a nacionalidade alemã e ficou cinco meses sem um documento de identidade, retardado pelas autoridades suíças. Este só foi entregue, quando sua partida já estava garantida.

Brecht fez no seu diário outras observações sobre o seu exílio no país dos Alpes: – “A Suíça era um bom lugar de refúgio, como uma casa com várias portas. Elas se fechavam naturalmente, uma depois da outras” ou “a Suíça é conhecida como país onde alguém pode ser livre. Porém, só se ela for turista”.

Thomas Mann

Porém nem todos os refugiados nessa época eram indesejáveis. Thomas Mann, prêmio Nobel de Literatura, abandonou Munique logo após a tomada de poder pelo Partido Nacional-Socialista para procurar proteção na Suíça. De 1933 a 1938, Mann viveu com sua família numa casa simples em Küsnacht, no cantão de Zurique, onde continuou sua produção literária e vida cultural.

Thomas Mann partiu posteriormente para os Estados Unidos, retornando para a Europa apenas em 1952. No Velho Continente o escritor escolheu mais uma vez a Suíça, onde viveu até seu falecimento em 1955. Ainda hoje o jazigo da família Mann pode ser visitado em Kilchberg.

O escritor era, já na época, não só conhecido internacionalmente, mas também considerado a voz dos intelectuais alemães no exílio. Por esse motivo Mann nunca teve as mesmas dificuldades com as autoridades suíças, vividas por outros intelectuais estrangeiros. Além de poder exercer sua profissão, ele também podia viajar ao exterior e fazer palestras.

Por considerar a situação da Suíça como delicada, Mann nunca se aproximou dos círculos de exilados alemães. Pelas autoridades suíças ele era considerado discreto e bem integrado. Outro detalhe importante era sua independência financeira, um fator importante na avaliação de um refugiado político.

Durante todo seu exílio suíço, apenas uma solicitação de Thomas Mann foi recusada pelo governo: seu pedido de naturalização, feito em 1934 e recusado no mesmo ano pelo chefe de polícia Heinrich Rothmund.

swissinfo, Alexander Thoele

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