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Imigração à Suíça como um problema para Portugal?

Suíça atrai enfermeiros portugueses

Jovem olhando para a câmera
Enfermagem na Suíça: melhor salário, maior qualidade de vida, mais segurança e condições de trabalho swissinfo.ch

Insatisfeitos com as condições de trabalho no sistema de saúde português, profissionais emigram em busca de melhor remuneração e progressão na carreira. A Suíça é um dos destinos favoritos.

Quando lhe propuseram trabalhar por três euros à hora em Portugal (menos de quatro francos), o enfermeiro Rui Ferreira percebeu que seria “obrigado” a sair do país para ter dignidade profissional. Rui decidiu emigrar em 2011, após recusar duas propostas “oportunistas” de “emprego low cost” e tentar candidatar-se sem sucesso a hospitais públicos portugueses. O ano de 2011 foi negro para Portugal: a crise tinha vindo para ficar e foi necessário pedir ajuda externa ao Fundo Monetário Internacional. Contudo, foi um ano de viragem na vida deste português de 30 anos. Hoje Rui Ferreira vive em Bienne, cidade meia-hora distante da capital Berna, onde trabalha como enfermeiro-chefe adjunto numa clínica privada. Sente-se “feliz” e “valorizado profissionalmente”. 

Rui Ferreira é um dos cerca de 18 mil enfermeiros portugueses que trabalham hoje no estrangeiro. Uma parte significativa destes profissionais de saúde deixou o país durante a crise financeira em Portugal que teve início em 2010, já no contexto da crise da dívida pública europeia, e que se prolongou até 2014. As medidas de austeridade adotadas pelo governo português levaram, entre outras coisas, a cortes na despesa pública que tiveram um impacto no sistema nacional de saúde (que, em Portugal, é universal e tendencialmente gratuito, ao contrário do modelo helvético). Sem perspectivas profissionais, muitos jovens diplomados viram na emigração a única saída. 

Quando Rui Ferreira decidiu emigrar, tinha um destino na cabeça: Suíça. No entanto, o seu nível de francês era “medíocre” e seria necessário alcançar um nível avançado de proficiência da língua. 

Contactou uma agência de recrutamento e começou a estudar intensivamente o idioma com antigos colegas e outros profissionais de saúde. Todos tinham o mesmo objetivo: passar uma temporada em França, ganhar competências linguísticas e depois saltar para a Suíça. Terminado o curso de francês, em abril de 2011, Rui mudou-se para Lyon, França, onde trabalhou e ganhou experiência durante um ano.

Depois pôde seguir em direção às tão desejadas terras helvéticas. Começou por trabalhar num estabelecimento médico-social no cantão de Berna. Esta mudança só lhe trouxe coisas boas: melhor salário, maior qualidade de vida, mais segurança e condições de trabalho. Esteve 18 meses nesse emprego, tendo transitado depois para o Hospital Regional de BienneLink externo.

Especializou-se em Cuidados de Urgência e, desde fevereiro, trabalha no centro de urgência de uma clínica privada em Bienne.Link externo “Aqui, as especializações são pagas pelo empregador, ao contrário do que se passa em Portugal”, explica.

Rui avisa que adaptação à língua exige esforço e dedicação. Uma vez dominado o francês, começou a estudar também o alemão – uma língua importante para quem vive em Biel, a maior cidade bilingue do país, localizada numa zona de fronteira entre a parte francófona e a de língua alemã.

Não tem planos de regressar a Portugal, pelo menos não antes da reforma (como é chamada a aposentadoria em Portugal). 

“No dia da partida, aquele aperto no peito quase não nos deixa respirar. O aeroporto espelhava a imagem de um Portugal decadente, com a fuga maciça de licenciados. Em cada canto, uma família abraçada ao filho a chorar – porque não era suposto a nossa geração ter de emigrar”, escreve Rui Ferreira no livro “Fora da Zona de Conforto”, uma obra idealizada e organizada pelo docente e investigador português Paulo Marques. 

Fora da Zona de Conforto”Link externo, publicado recentemente em Portugal pela Coolbooks, reúne relatos de nove enfermeiros que emigraram durante uma crise que transformou Portugal num território desconfortável para quem procura emprego. O capítulo de Rui Ferreira narra não só a sua integração pessoal e profissional na Suíça, mas também explora aspectos como o desafio das línguas e as diferenças entre os dois países (ver box).

Paulo Marques explica à swissinfo.ch que o livro procura ser, entre outras coisas, um registro das experiências de uma geração, e mais especificamente de uma classe, que se viu forçada a deixar o próprio país para ter acesso a melhores condições de trabalho (remuneração, formação e progressão na carreira) e mais qualidade de vida. A Suíça, vista como um país seguro e próspero, tornou-se um dos destinos cobiçados. 

“A triste verdade é que a maioria destes profissionais qualificados dificilmente vai regressar a Portugal. Estes enfermeiros formados com dinheiro público português tiveram uma formação de elevado mérito e por isso mesmo são recebidos de braços abertos nos quatro cantos do mundo”, explica o autor Paulo Marques, professor na Escola Superior de Enfermagem do PortoLink externo e investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CintesisLink externo), em Portugal.

Emigração volta a aumentar

Apesar de a emigração ter abrandado com o fim da crise, muitos enfermeiros portugueses voltam agora a ver o estrangeiro como uma solução. Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros de PortugalLink externo, recorda que ficaram por resolver questões ligadas à contratação e à progressão de carreira no setor público. Só na primeira metade de 2019, mais de 2300 membros solicitaram à Ordem dos Enfermeiros de Portugal um documento que permite exercer a profissão no exterior.

A Suíça surge como o segundo país de destino mais popular, ficando apenas atrás do Reino Unido. Bélgica e Espanha também aparecem na lista. Estes números podem sugerir uma nova emigração em massa se tivermos em conta que, em 2014, um ano recorde de pedidos durante a crise, a ordem contabilizou 2814 pedidos ao longo do ano inteiro (e não de apenas um semestre). 

“Nota-se novamente um desânimo, as pessoas deixaram de ter esperança”, admite Paulo Marques. Portugal testemunhou greves dos enfermeiros no final de 2018 e no início de 2019, com paralisações que afetaram sobretudo os blocos operatórios. Estes momentos de conflito entre a classe e o governo deixaram a opinião pública dividida. “Estas greves polêmicas foram uma tentativa desesperada de os enfermeiros verem finalmente reconhecido o seu trabalho, mas a classe sentiu-se incompreendida pela população” acrescenta o autor de “Fora da Zona de Conforto”. 

Mulher olhando para a câmera
Maria João sentiu que deveria sair de Portugal para dar “um futuro melhor aos dois filhos”. swissinfo.ch

A enfermeira Maria João Miranda, 45 anos, começou a carreira em Portugal quando “as noites e dos fins de semana eram bem pagos” e “até se ganhava bem”. Ainda não tinha terminado o curso, em 1995, e já sabia que teria um emprego à sua espera. “Eram bons tempos, mas houve muita coisa que mudou desde a crise”, conta à swissinfo.ch.

“Tiraram-nos o subsídio de férias e Natal, fomos ficando com cada vez menos qualidade de vida”, diz. Apesar de contar com um emprego público e estável, assim como o marido, Maria João sentiu que deveria sair de Portugal para dar “um futuro melhor aos dois filhos”. Contactou então uma empresa suíça de recrutamento e fez aulas via Skype até alcançar um nível avançado de francês.

Veio à Suíça para ter uma experiência de três dias num estabelecimento de saúde, mas optou por não ficar. “Não apareceu ninguém da empresa para me receber, fiquei desiludida.” Voltou para Vila Real, onde vivia em Portugal, desta vez decidida a tratar de tudo à distância e sem intermediários.

Obteve o certificado DELF B2 na Aliança Francesa e fez o pedido de reconhecimento do título profissional no site da Cruz Vermelha. “Eles fazem uma abordagem inicial e, se estiver tudo direitinho, podemos avançar com o processo.”

A enfermeira foi logo aceite num lar de idosos em Morges, no cantão de Vaud, começando a trabalhar ali em janeiro de 2017. Mais tarde, decidiu mudar para uma maternidade no cantão de Friburgo. 

Recentemente, também se estabeleceu como enfermeira parteira independente e presta apoio domiciliar na região de Broye. “Há uma grande comunidade lusófona aqui e o a minha língua materna acabou por ser uma mais-valia. Conheço a cultura das senhoras e quase posso adivinhar no que estão a pensar”, afirma.

Toda a família sente-se integrada e, para já, não cogita voltar para Portugal. 

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carer helping old lady to walk

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Metade dos enfermeiros na Suíça desiste da profissão

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Se esta tendência de emigração se mantiver, os cuidados de saúde portugueses podem enfrentar situações de ruptura tendo em conta o rápido envelhecimento da população. “Faltam hoje cerca de 30 mil enfermeiros nos sistemas de saúde (público, privado e social) e a única resposta para este problema é a contratação, mas o governo não abre vagas”, afirma a bastonária Ana Rita Cavaco à swissinfo.ch. 

Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECDLink externo) publicados em 2017 mostram que Portugal apresenta um rácio de 6,7 enfermeiros por mil habitantes, um valor abaixo do que seria o ideal. A Suíça está no topo deste ranking com um rácio de 17,2, ficando apenas atrás da Noruega (17,8). 

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Os estrangeiros que cuidam dos idosos suíços

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A entidade que regula a enfermagem na Suíça é a Cruz VermelhaLink externo, por isso o primeiro passo quando se decide emigrar é verificar no site oficialLink externo quais são os passos necessários para o reconhecimento e registo do título profissional.

Todo processo começa como uma abordagem prévia gratuita no site PrechekLink externo, na qual são pedidos dados pessoais e relativos ao curso de enfermagem realizado no estrangeiro.

Uma vez concluída com sucesso esta etapa, começa a tramitação do processo propriamente dito, que tem um custo total de 680 francos suíços (550 francos relativos ao reconhecimento do título profissional mais 130 francos destinados ao registro nacional de profissões de saúde).

Como os diplomas europeus são reconhecidos na Suíça ao abrigo da diretiva comunitária 2005/36/CELink externo, os portugueses acabam por ter um processo mais simples e barato do que, por exemplo, o os colegas de profissão brasileiros.

É obrigatória a apresentação de um certificado reconhecido que comprove um nível avançado (B2) de proficiência numa das três línguas oficiais da confederação (francês, alemão ou italiano).

Também pode ser solicitada uma declaração que ateste que o profissional está habilitado a exercer em Portugal, um documento facultado pela Ordem Suíça dos EnfermeirosLink externo.

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