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O arquiteto do Fórum Social Mundial

Chico Whitaker conversa com Pierre-Yves Maillard, vice-presidente do Partido Socialista Suíço. swissinfo.ch

Aos quase 76 anos e "com muita juventude acumulada", como costuma dizer, Chico Whitaker não cessa de viajar para contar os bastidores e explicar a dinâmica do Fórum Social Mundial, do qual é um dos pensadores.

Depois da França e antes da Alemanha, ele passou três dias em conferências na Suíça esta semana, em Fribourg e Lausanne. As pessoas o ouvem com atenção e depois fazem uma batelada de perguntas.

Durante o trajeto a pé entre uma sala de conferência e outra, Chico Whitaker passa por um trecho do centro de Lausanne (oeste da Suíça) e acha a cidade interessante. “Sempre que venho aqui, me organizam uma conferência perto da estação e eu chego num trem e saio no outro”, reclama.

Ele que sempre viajou, primeiro pela necessidade do exílio, em 1966, nos últimos anos é convidado em toda a parte para explicar o processo desencadeado em 2001, no 1° Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. As palestras na Suíça foram organizadas por ongs e sindicatos, entre elas E-Changer, Attac e Comedia.

No fundo ele não cessa de empregar termos de sua formação de arquiteto. Refere-se freqüentemente ao FSM como “espaço”, “praça”, “ponto de encontro” “ponto de convergência”, embora insista que o essencial de seu trabalho sempre foi o planejamento. Entrevista:

swissinfo: O que sobrou de sua formação de arquiteto?

Chico Whitaker:

Nas casas em que vivi ao longo do meu trajeto, sempre quem fez os móveis fui eu. No ínício até fiz umas casinhas para alguns amigos mas sempre é possível mudar alguma coisa no espaço em que a gente vive.

Mas a arquitetura ainda lhe interessa? Algum projeto o entusiasma?

CW: Como qualquer outra obra de arte sim. Não tenho outras pretenções além disso. Na verdade, rapidamente eu me dirigi mais para questões urbanísticas, depois no planejamento regional e aí a gente já vai ampliando, depois na reforma agrária, imagine você! Ou seja, acho que planejamento passou a ser o meu eixo. Com o golpe militar fui trabalhar no planejamento pastoral da Igreja. Prossegui nessa área e atualmente estou no planejamento da ação social coletiva para tentar ajudar a mudar alguma coisa nesse mundo.

Aí já estamos no Fórum Social Mundial. Como ele evoluiu desde 2001?

CW: Na minha vida ele se situa numa bateria de coisas, nas quais eu fui descobrindo dimensões diferentes. Trinta anos antes do Fórum, eu participei de um grande projeto internacional proposto pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que já lançava duas idéias fundamentais: a idéia de rede e a idéia de intercomunicação horizontal de experiências. Então para mim o Fórum já é resultado de um acúmulo de reflexão e de ação concreta.
Mas o próprio Fórum evoluiu de maneira inacreditável. Inicialmente, a abordagem nossa foi muito modesta e não imaginávamos que iria tomar essa dimensão. Também não víamos todas as potencialidades que essa experiência encelava dentro dela.

Quer dizer que os organizadores aprendem com o próprio Forum?

CW: Sem dúvida e porque o Fórum tornou-se um vasto movimento em escala mundial para mudar as regras do jogo. Isso não significa que estamos nessariamente ganhando. Tá duro e muito difícil porque o sistema dominante é muito poderoso. Mas continuamos apredendo. Num dos fóruns locais de que participei, na França, um participante disse que era preciso aprender a desaprender, ou seja, abrir a cabeça, ouvir, aceitar a diversidade e aprender com ela. Esse é o espírito do Fórum.

O Fórum nasceu mundial, globalizado, para depois se regionalizar. Não é uma contradição?

CW: Começou global porque realmente se defrontava com a globalização do dinheiro e das multinacionais que dirigem o mundo e que se reuniam no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Propôs então uma globalização baseada na solidariedade dos povos, o que é uma mudança cavalar. Ou seja, em Davos, a economia é o eixo de tudo. No Fórum que surgiu em Porto Alegre, o eixo é o ser humano e suas relações. Acontece que o Fórum é uma criação permanente de espaços, ele se multiplicou. Isso é ótimo, quanto mais fóruns sociais melhor. Os fóruns mundiais são importantes para marcar etapas. Mas a vocação do fórum é a expansão.

As decisões por consenso entre os organizadores é de inspiração suíça?

CW: No fundo, é um acúmulo de experiências. Mas a decisão por consenso se fez na nossa prática. Descobrimos que, se não fosse assim, íamos nos dividir e nos enfraquecer. E grande tragédia de quem quer mudar o mundo é a divisão. Descobrimos então que a regra do consenso é fundamental para continuar o caminho e juntar cada vez mais gente em torno dessa idéia.

Desde o início, haviam tensões para transformar o fórum em movimento. Como está essa questão?

CW: Essa questão não está totalmente resolvida. Ela ressurge com mais ou menos força a cada momento. Mas, no debate interno, está ficando mais claro que são duas opções que não precisam se excluir. Os movimentos têm de existir e o fórum existe para incubar novos movimentos. Por isso tem de prosseguir como espaço a serviço dos movimentos. São dois intrumentos diferentes de luta política. Minha impressão é que poderemos avançar muito mais na medida em que isso fique mais claro.

Uma pergunta que sempre surge nas palestras é o que ocorre com o governo Lula. Por quê esse interesse?

CW: Houve uma enorme curiosidade quando da eleição de Lula e as pessoas sabem que fui vereador em São Paulo pelo PT e militante até o início do ano ano passado. Explico que vinha da sociedade civil e que vi as lutas internas do partido e sua involução, a meu ver, da proposta de fazer uma educação política de base para tornar-se um partido eleitoral, que acabou usando os meios que ele próprio combatia.

Ou seja, entrou numa contradição interna muito grande e na dinâmica extremamente perversa da política brasileira. Quando assumiu a presidência, então desandou na corrupção típica da política brasileira para obter maioria no Congresso para poder governar.

De minha parte eu disse que não havia do que se decepcionar mas constatar. Se eu tinha ilusões, tive que abandoná-las. Achei então melhor voltar à sociedade civil, por isso me separei do PT.

Como pode ser analisada a cobertura da mídia no Fórum Social Mundial?

CW: É um desafio que nós ainda não conseguimos resolver. Primeiro, não conseguimos difundir a imagem exata do fórum. Há uma certa confusão conceitual entre espaço, movimento etc. Como é uma idéia totalmente nova no panorama político, é difícil para as pessoas apreenderem. Então a mídia sofre desse problema com o fórum. Segundo, os jornalistas chegam e esperam encontar um guru ou um documento final que facilitariam as coisas … e se deparam com um espaço totalmente louco, com milhares de atividades diferentes.

Tem ainda outro problema: quando os jornalistas começam a entender surge outra dificuldade porque eles geralmente trabalham para empresas inseridas no sistema econômico dominante e que não estão interessadas em que o fórum se promova, muito pelo contário.

Eu, pessoalmente, vejo a maior dificuldade no seguinte fato: se você perguntar se “um outro mundo é possível” (red. mote do fórum) pouquíssimas pessoas vão dizer que sim. Se você questionar os que vivem bem, eles dirão “pra quê?” Se você perguntar para os que vivem mal, eles dirão “não acredito”.

A conclusão minha é que nós ainda não conseguimos convencer um número suficiente de pessoas de que vale a pena lutar por um outro mundo porque ele é possível.

Entrevista swissinfo, Claudinê Gonçalves

Chico Whitaker, cujo nome completo é Francisco Whitaker Ferreira, é membro do Secretariado Internacional do Fórum Social Mundial (FSM), como representante da Comissão de Justiça e Paz, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Nasceu em 1931 e foi membro da Juventude Católica nos anos 50. Formou-se em arquitetura em 1957, passou a trabalhar com o padre francês Joseph Lebret, fundador do Instituto de Pesquisas Sagmacs, em São Paulo. Ai fez pesquisas sobre nível de vida e estruturas urbanas em São Paulo e Belo Horizonte. Trabalha também em planos de desenvolvimento de vários estados do Brasil.

A partir de 1959 trabalhou em planificação urbana e regional de políticas públicas. De 1963 a 1964 foi diretor de planejamento da Supra (Reforma Agrária), até o golpe militar. Passou então a trabalhar para a CNBB, em planejamento pastoral.

Deixou o Brasil em 1966 para um exilio de 15 anos. Na França, trabalhou na formação de quadros para o terceiro mundo, no comitê católico contra a fome e pelo desenvolvimento e foi consultor da UNESCO. No Chile, trabalhou na CEPAL antes e durante o governo Allende.

Voltou ao Brasil em 1981 como assessor de D.Paulo Evaristo Arns. Foi vereador em São Paulo pelo PT (1988-1996). De 1996 a 2003 foi secretário da Comissão de Justiça e Paz. Em janeiro de 2006 deixou o PT.

Em setembro de 2006, Chico Whitaker ganhou o prêmio Right Livelihood Award, na Suécia, atribuído às pessoas que se destacam em atividades de respeito ao próximo e à natureza.

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