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O primeiro conjunto habitacional sem carro da Suíça

Os moradores do novo conjunto habitacional se comprometem a não ter um carro. swissinfo.ch

Uma construtora em Berna, capital suíça, oferece o primeiro conjunto habitacional "não motorizado". Nele, os moradores se comprometem por contrato a abdicar de ter um carro. O "Siedlung Burgunder" também quer ser um espaço participativo, onde o locatário pode até escolher seus vizinhos. swissinfo.ch esteve por lá.

Em 2010, os registros oficiais já contavam 5,1 milhões de veículos motorizados na Suíça. Essa considerável frota se espreme nas cidades, onde vive a maioria da população do país. E como hoje em dia as empresas exigem uma mobilidade e flexibilidade dos funcionários, um número cada vez maior de pessoas circula entre o trabalho e a moradia percorrendo grandes distâncias. Resultado: congestionamentos, acidentes, trens lotados e poluição.

Porém existe uma tendência que se contrapõe a essa situação. “Quase a metade da população de Berna não têm carro”, lembra Günther Ketterer, presidente do conselho de administração da construtora NPG Ag. Foi o que levou esse empresário de origem alemã à ideia de construir o primeiro conjunto habitacional da Suíça, onde os locatários se comprometem a não possuir veículos.

Ele está localizado em um quarteirão de casas e chalés em Bümpliz, bairro popular de Berna mais conhecido pelas torres e grande concentração de estrangeiros. São três blocos com, no total, 82 apartamentos de diversos tamanhos e um antigo casarão, reformado para abrigar um salão comunitário e um jardim de infância. O primeiro bloco, com 40 apartamentos, ficou pronto em março de 2010. Os dois outros ainda estão em obras e devem receber os primeiros locatários a partir de março de 2011.

Restrições

O futuro morador deve se comprometer via contrato de locação a não possuir ou vir a possuir um veículo. Também não é permitido colocar o carro no nome de outra pessoa, como parentes. Se o “delito” for descoberto, o contrato pode ser rescindido. Porém Günther Ketterer está convencido que a restrição não é um problema. “Muitos dos nossos locatários vieram para cá exatamente para viver em uma zona livre de carros”, diz.

Questionado sobre situações como mudanças ou fazer compras, ele aponta uma pequena rua ao lado do conjunto e, um pouco mais distante, um carro pintado de vermelho com a inscrição “Mobility”, indicando que este pertence à frota de veículos compartilhados, um sistema muito bem sucedido na Suíça. “A pessoa pode estacionar o caminhão com os móveis na rua ou alugar um dos carros do Mobility”, afirma Günther. “Só não tem um ali quando ele já foi pego por outra pessoa.”

E da questão dos transportes públicos, os moradores também não podem reclamar. Logo ao lado do condomínio está a estação de trem de Bümpliz Süd. “Em quatro minutos você chega o centro da cidade”, aponta Günther. Com um dedo ele mostra a direção contrária e explica que uma caminhada de quinze minutos leva os moradores ao centro do bairro, onde estão dezenas de comércios e supermercados. Além disso, nas proximidades, está a estação do bonde que leva ao shopping center Westside ou à Berna. “Eu também moro no bairro e nunca precisei de um carro para nada.”

Os argumentos convenceram muita gente. Dos 40 apartamentos do primeiro bloco, 34 já estão ocupados. Os outros seis continuam disponíveis. Os preços não diferem daqueles encontrados no mercado. Um apartamento de de 2,5 quartos (na Suíça a sala é contada como quarto) custa 1.145 francos por mês. Já o de 4,5 quartos é um pouco mais caro: 2.356 francos.

Sustentabilidade

Teoricamente o conjunto habitacional deveria oferecer 64 vagas para veículos, seja em garagem subterrânea ou estacionamento a céu aberto. As leis suíças obrigam as construtoras a planejar o espaço para carros quando realizam seus empreendimentos imobiliários. Dessa forma, a afluência de novos moradores não provoca caos no tráfego local.

Porém o “Siedlung Burgunder”, como é chamado oficialmente o condomínio, não precisou atender a essas regras. Nele só existe garagem para bicicletas. Várias dezenas delas, dos moradores que já ocupam os apartamentos, estão estacionadas uma ao lado da outra, juntas aos carrinhos de bebê e patinetes. Antes de realizar seu sonho, Günther Ketterer precisou convencer o governo municipal e cantonal (estadual) de Berna da sua visão de um bairro sem veículos.

“Foram intensas negociações e que nos obrigaram, também, a fazer várias concessões até ter a aprovação do projeto”, lembra o alemão. A principal delas foi provar que a empresa iria construir as garagens, caso os moradores acabem ao final utilizando automóveis. Para isso um espaço ao lado da área de construção foi reservado para esse fim.

Outro argumento foram as tecnologias ecológicas empregadas nos prédios. Além do bom isolamento térmico dos prédios – através do emprego de cimento e janelas duplas – os apartamentos são aquecidos através de energia geotérmica. Um aparelho especial pressiona a água a uma profundidade de 150 metros e ela retorna aquecida, sendo depois distribuída paras aquecedores, instalados embaixo do piso nos quartos. “Uma vantagem também é o custo para o morador, pois em um apartamento antigo, o consumo equivalente de óleo pode ser até de 21 litros por ano e por metro quadrado. No nosso conjunto o consumo equivalente é de três litros, sendo que só usamos energia elétrica”, calcula Günther.

Cooperativa

Outro ponto em que o “Siedlung Burgunder” se difere de conjuntos habitacionais comuns é o sistema “cooperativo”. Nele, os moradores participaram de várias etapas da construção dando sugestões. Já instalados, eles também devem se interagir em diversas questões da administração. “Por exemplo, determinando como é feita a limpeza no conjunto, se por empresa ou em iniciativa própria”, diz. Também os locatários têm poder de decisão na escolha de futuros moradores.

Mas a principal forma participativa é o investimento direto na NPG Ag, a própria construtora e proprietária dos imóveis. Isso funciona através da compra de ações. Uma ação custa 1000 francos. “Com ela o locatário vira proprietário também e tem direito de voto nas assembleias da empresa”, afirma Günther.

O empresário alemão já tem bastante experiência como empresário “social”. Ele atua há vários anos no setor imobiliário e financeiro, mas sempre com objetivos ecológicos e sociais como insiste em dizer. A prova: ele próprio foi um dos cofundadores do Banco Alternativo da Suíça (ABS, na sigla em alemão), cuja principal filosofia é financiar projetos e empresas preocupadas com a sustentabilidade.

Apartamento de 1,5 quartos (sala também está incluída): 947 francos por mês.

Apartamento de 2,5 quartos: 1.145 francos/mês.

Apartamento de 3,5 quartos: 2.220 francos/mês.

Apartamento de 4,5 quartos: 2.356 francos/mês.

O apartamento mais caro é o de cobertura, com 4,5 quatros: 2.789 francos/mês.

Segundo o mais recente estudo (14/02/2011) do Departamento Federal de Estatísticas, para cada dois habitantes na Suíça existe mais de um automóvel.

Em 2010, 5,1 milhões de veículos motorizados estavam registrados no país, dos quais 4,1 eram veículos de uso pessoal.

De 1990 a 2010, o número total de veículos aumentou de 4 para 5,7 milhões (número que inclui reboques).

Nos últimos vinte anos, a frota nacional aumentou em 42%. Já o de carros aumentou 37%. O de motocicletas cresceu em 118%, passando de 300 mil a 651 mil.

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