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Obra e vida de viajante suíça em exposição em Lisboa

Margarete Fellerer, Annemarie Schwarzenbach, St. Moritz, Suíça, c. 1937, Colecção Franziska Fellerer, Wien. Colecção Franziska Fellerer, Wien

“Quero contar uma história bonita e comum, que conterá as palavras ‘amor’ e ‘felicidade’”, escreveu Annemarie Schwarzenbach. Para isso, a escritora e fotógrafa suíça viajou pelos quatro cantos do mundo, um deles, Lisboa, onde acaba de inaugurar uma exposição sobre a sua obra e vida.

Annemarie Schwarzenbach (1908-1942) morreu aos 34 anos em sua região natal, no cantão dos Grisões, leste da Suíça.

“Autorretratos do mundo”, exposição no Museu Coleção Berardo, em Lisboa até dia 25 de Abril, segue o percurso da escritora, fotógrafa, jornalista e viajante suíça. Cobrindo não só a passagem de Schwarzenbach por Lisboa, mas por vários continentes e toda a sua biografia. É a maior exposição sobre Annemarie Schwarzenbach fora da Suíça.

Como é que se arrisca fazer uma exposição tão ambiciosa de uma figura ainda pouco conhecida internacionalmente? As portuguesas Emília Tavares e Sónia Serrano apaixonaram-se por esta figura, organizaram uma leitura da sua obra em Lisboa para celebrar o centenário do seu nascimento, em Maio de 2008, e depois puseram-se a caminho da Suíça.

Foram em peregrinação à mansão da família Schwarzenbach em Bocken, perto de Zurique, e ao túmulo da família na vila mais perto: Horgen, às margens do Lago de Zurique.

Foram a Sils Baselgia, cantão dos Grisões (leste) e descobriram uma casa com uma placa a identificar que Annemarie Schwarzenbach viveu ali, e perceberam porque Schwarzenbach, por mais que viajasse, acabava sempre por regressar à paisagem de Engadina.

Foram a Berna para investigar o espólio da autora suíça, guardado na Biblioteca Nacional, e quando voltaram a Lisboa, começaram a montar esta ambiciosa exposição para entender Schwarzenbach.

Como é que se arrisca um projecto tão arrojado? Acreditando no poder de sedução de Annemarie Schwarzenbach. É impossível ver o seu rosto e ficar indiferente.

O que ela via nos rostos dos outros

Até os velhos respondiam à convocatória alemã e os novos apressavam-se a vestir uniforme e a marchar nas praças de Viena. Depois de revelar as fotografias, no verso de uma delas – onde dois chefes das SA supervisionam jovens hitlerianos – Annemarie Schwarzenbach escreveu à mão em inglês: “You have seen their faces” – “Tu viste os seus rostos”.

E pouco depois, num artigo sobre a ascensão do nazismo na Áustria, descrevia com mais pormenor esses rostos: “exprimem já a obediência e a disciplina, ou até mesmo o pânico.”

Foi nos Estados Unidos que Annemarie Schwarzenbach aprendeu a olhar para os rostos dos outros. Aprendeu também que era nos rostos que se via a injustiça.

Nos anos 30, os fotógrafos e jornalistas americanos empenhavam-se em conservar a memória da tragédia da Grande Depressão. “You Have Seen Your Faces”, livro com fotografias de Margaret Bourke-White e textos de Erskine Caldwell, era um dos melhores exemplos.

Com a fotógrafa americana Barbara Hamilton-Wright, Schwarzenbach foi até ao Sul, onde a injustiça se fotografava como em nenhum outro lugar.

Voltou aos Estados Unidos dois anos mais tarde, em 1940, desta vez à procura de apenas um rosto: o de Margot von Opel, mulher do fabricante de automóveis Fritz von Opel.

Talvez devesse ter chegado antecipadamente a Nova Iorque a notícia do poder de sedução de Annemarie Schwarzenbach. Carson McCullers, a jovem romancista prodígio da época, certamente não estava avisada. Dedicou-lhe o seu segundo livro, “Reflections in a Golden Eye”. Quando o livro saiu em fevereiro de 1941, já Annemarie tinha embarcado no navio S. S. Siboney.

Lisboa, a branca

E quando desembarcou, viu: “A branca cidade de Lisboa, banhada em luz crepuscular, deveras resplandecente com as suas igrejas, telhados, monumentos, mercados, molhes e velhos palácios (…) Como me senti feliz, ao percorrer, pela primeira vez, as suas ruelas estreitas e íngremes.”

Para o jornal Die Welwoch, escreveu que “em Lisboa, atracavam navios a vapor e veleiros, a Lisboa tinham chegado as crianças refugiadas, emigrantes, celebridades”, acrescentando que “Lisboa aparecia todos os dias dos jornais”. Annemarie Schwarzenbach escrevia para que Lisboa aparecesse também nos jornais suíços.

No entanto, em Lisboa ela não viu, nos rostos dos portugueses, a injustiça. Para além de fotografar as “crianças refugiadas, os emigrantes, celebridades”, junto do “Informations Bureaux” ou à porta da Cozinha Económica Israelita, fez uma série de fotografias que classificava de “O outro lado de Lisboa”: um mercado com “características um tanto orientais”, um engraxador com um cordeiro aos pés – os “outros lisboetas” eram os portugueses.

Antes de partir, disse numa carta a uma amiga na Suíça que em Portugal tinha sido “intensamente mimada”.

Para quem chegasse a Lisboa, nos anos 40, fugida da guerra ou de tragédias pessoais, como ela, Lisboa era soalheira, tranquila, e parecia convencida do seu próprio destino.

Iria passar por Lisboa de novo a caminho de África, um ano depois. Deixou Lisboa pela última vez no dia em que completou 34 anos. Planeava voltar em breve e instalar-se como correspondente.

O que os outros viam no seu rosto

O que é se pode ver num rosto?
O prémio Nobel da literatura, Thomas Mann, viu “um anjo devastado”, o escritor francês Roger Martin du Gard viu “um anjo inconsolável”, a poeta francesa Catherine Pozzi viu “o mal da Europa”.

A fotógrafa Marianne Breslauer, quando fotografou Annemarie Schwarzenbach, viu mesmo “o anjo Gabriel”, e sobre uma impressão dessa fotografia, a retratada escreveu “Alguma semelhança com Annemarie”.

Enviou a fotografia ao seu marido, Claude Clarac, homossexual como ela, e no verso acrescentou: “Talvez tu, meu querido, possas aguentar este olhar?

Regresso a casa

Annemarie partiu para o vale do Lahr deixando para trás, em Teerão, Ialé. Ialé era filha do embaixador turco, ela era mulher de um diplomata francês. O caso entre as duas era escandaloso. Quando regressou à cidade, Ialé tinha morrido.

No vale de Lahr, Annemarie Schwarzenbach achou que ia morrer. E na solidão daquela paisagem estrangeira, ela pensava numa “estrada que percorre montes e margens de lagos e que leva até a casa” e pedia: “não quero que me deixem morrer aqui sozinha, quero que me levem para casa!”

Poucos anos depois, já em casa, em Sils, na Engadina, escreveu: “Então a morte eleva-se desde a margem mágica / Do mundo agora mergulhado num sono profundo / E eu não sou mais.”

No fim do Verão de 1942, teve uma acidente de bicicleta fatal. Nunca chegou a Lisboa.

Susana Moreira Marques, swissinfo.ch


A exposição “Autorretratos do Mundo” inaugurou a 22 de Fevereiro e pode ser visitada até dia 25 de Abril, no Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

São cerca de 200 fotografias que acompanham as viagens de Schwarzenbach por todo o mundo – dos Estados Unidos ao Afeganistão, passando por África. As comissárias da exposição, Emília Tavares e Sónia Serrano, propõem também uma viagem ao mundo interior de Schwarzenbach, figura intensa e muitas vezes atormentada.

É a primeira exposição sobre Annemarie Schwarzenbach em Portugal e é a exposição mais completa sobre esta figura suiça fora do seu país natal.

Um colóquio internacional, dias 8 e 9 de Março, juntou ainda em Lisboa vários especialistas, portugueses, suiços e franceses, para discutir a obra e a vida de Annemarie Schwarzenbach.

Annemarie Schwarzenbach nasceu em 1908 e morreu em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. No momento da sua morte, pensava instalar-se em Lisboa como correspondente.

Esteve esquecida durante décadas e só nos anos 80 a Suiça redescobriu a sua obra e uma vez mais, o rosto icónico de Annemarie Schwarzenbach passou a fazer parte do imaginário suiço.

Com ELLA MAILLART, outra grande viajante suiça, partiu num Ford para o Afeganistão.

Com KLAUS MANN, experimentou morfina pela primeira vez, e ambos iriam sofrer de dependência de morfina. ERIKA MANN foi o seu maior desgosto de amor. A família de THOMAS MANN era a sua segunda família.

Desde que conheceu em Zurique CLAUDE BOURDET, ainda antes de este se tornar num importante membro da resistência francesa, nunca mais deixou de lhe escrever, estivesse na Suiça, na Pérsia ou no Afeganistão.

A escritora americana CARSON MCCULLERS deixou o marido por sua causa mas nunca foi correspondida. O rosto de Annemarie Schwarzenbach, disse, iria persegui-la toda a vida.

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