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ONG já melhorou a vida de 30 mil pessoas

Mais um sonho concretizado por Eugenio: o barco-hospital do Saúde e Alegria. Divulgação

Eugenio Scanavinno Netto formou-se em São Paulo e foi trabalhar como médico na Amazônia. Há mais de 20 anos, criou uma ONG que usava a arte e o circo para educar.

A Ong atua em três municípios do Pará e já melhorou muito a vida de 30 mil pessoas. Para o ano que vem, a atuação do Saúde e Alegria vai dobrar.

Em mais de 20 anos de trabalho intenso na Amazônia, o entusiasmo do médico paulista Eugenio Scannavino Netto parece cada vez maior. Ele se emociona ao falar das reações das pessoas beneficiadas com o projeto Saúde e Alegria.

Com a riqueza da experiência e a cabeça cheia de projetos, o coordenador-geral da exposição Amazônia Brasil esteve em Lausanne, oeste da suíça. Eugenio – como é chamado por todos os que o conhecem – terá de habituar-se a outros ambientes que o amazônico. Depois de vencer o prêmio Empreendedor Social 2005, ele é convidado do Fórum Econômico Mundial, onde poderá obter recursos para dobrar a população beneficiada pelo Saúde e Alegria.

Swissinfo: tudo isso começou com um circo?

ESN: Basicamente, o pessoal se impressiona com o circo mas a gente trabalha com saúde, educação, inclusão social de jovens, geração de renda, meio ambiente etc. Hoje nós já estamos com 100% da população (30 mil pessoas) saneadas com pedra sanitária, água tratada, cloro, 95% de cobertura vacinal das crianças. Temos uma taxa de mortalidade infantil em torno de 20 por mil – que é mais ou menos a da área rural de São Paulo – contra 50 a 60 nas comunidades vizinhas.

E o atendimento médico?

ESN: No mês passado, inauguramos um grande sonho que é o barco-hospital, com alta tecnologia holandesa. Além de toda a parte educacional e preventiva que fizemos durante 20 anos, agora estamos finalmente oferecendo assistência médica e odontológica. Não arrancamos mais dentes mas obturamos, fazemos trabalho preventivo de câncer, saúde da mulher etc. Estamos implantando todos os programas básicos preconizados pelo Ministério da Saúde, incluisive assistência de urgência e internação semi-intensiva no barco.

Então, pela primeira vez, as comunidades do interior, que sempre foram relegadas, estão recebendo assistência médica melhor do que na área urbana. Eu acho isso muito legal em termos de cidadania o fato deles receberem assistência médica de alta qualidade, em casa.

Esse processo é irreversível?

ESN: Já é irreversível há bastante tempo porque nós sempre trabalhamos com a comunidade, e tem Conselhos pra tudo. Tudo o que a gente é com o intuito deles continuarem. Eu, como coordenador-geral me tornei desnecessário muito tempo atrás. O mesmo está ocorrendo com os coordenadores atuais porque temos um modelo multiplicativo horizontal. Os agentes locais treinam outros agentes e a coisa vai indo.

Então o efeito é multiplicador?

ESN: Hoje nós trabalhamos com 148 comunidades na nossa área mas, no entorno, as comunidades vizinhas têm os nossos programas, que eles multiplicaram automaticamente.

As comunidades do interior entenderam que podem viver melhor do que migrar para as cidades?

ESN: As pessoas estão muito felizes e é só pelo barco-hospital. Tem água encanada, filtro, cloro, terra, o reflorestamento de 10 anos atrás produz madeira, tem fruta, caça, peixe, ninguém morre mais de diarréia. Ainda estive lá recentemente e eles me disseram: “nossa, aquele sonho pelo qual a gente lutava tanto agora está na nossa vida dentro da nossa casa, então porque a gente vai sair daqui?”. Até me emociono quando ouço isso. Parece simples mas foi com muita luta e é muito importante.

E as pessoas que migraram não querem voltar?

ESN: Já estamos com esse problema. Não só os que migraram mas tem gente demais desempregada nos subúrbios urbanos e que descobre que ali se pode viver bem e a pressão é enorme. Mas como a área é consolidada como área estrativista e floresta nacional, a população é cadastrada.

Para alguém de fora ir morar na comunidade, tem assembléia para decidir se aceita ou não a pessoa. Ela tem de assinar um termo de compromisso de manutenção ecológica, reciclagem do lixo, participação nos conselhos etc. então o fluxo está controlado pela comunidades.

Qual a próxima etapa para o Saúde e Alegria?

ESN: Esse é um processo que nunca acaba. Nós resolvemos assuntos emergenciais e criamos condições para um desenvolvimento sustentado. Agora tem de se construir o desenvolvimento em si. Por exemplo: o artesanato é bom e já sabe como fazer; mas ainda não tem qualidade técnica para entrar no mercado. Replantio de floresta demora 30 anos. Agro-floresta: três anos para dar as primeiras frutas; depois leva uns dez anos para colocar no mercado como xarofe, certificar. Eles têm muito a fazer.

Nossos próximos passos é a multiplicação: temos agora um modelo de desenvolvimento integrado com saúde, educação etc, muito rápido e de baixo custo, adaptável e participativo. Em dois anos e meio, resolve-se todos os problemas básicos da comunidade, deixando-a organizada para continuar sózinha.

Quer dizeR que é possível?

ESN: É possível. Tem comunidades que a gente vai por amizade porque não temos mais nada a fazer lá! Mas tem outras que têm tudo por fazer. Você resolve o problema de cem comunidades e tem mais mil em volta. Se resolver de mil, tem mais 8 mil. Estamos agora consolidando um modelo de reaplicação em larga escala.

Não dá para pensar que vamos salvar a Amazônia com pequenas experiências localizadas. Essas experiêncis têm de influenciar políticas públicas, pela base. Então queremos mudar de escala: coisas que levamos 20 anos para descobrir, hoje fazemos em um ano. São tecnologias sociais vindas de muita experiência e luta. Hoje, nosso trabalho é como multiplicar isso em larga escala. No ano que vem, vamos passar de 30 para 60 mil pessoas e precisamos de recursos.

Um trabalho mais político?

ESN: Nós não trabalhamos com política partidária mas montamos projetos para que as pessoas pouco a pouco os assumam e influenciem os políticos. Nós organizamos a população que participe bem, através dos conselhos (educação, saúde etc) previstos em lei. A estrutura participativa brasileira é muito boa na lei, só que geralmente funciona mal. Nós tentamos organizar para que participem bem.

Entrevista swissinfo: Claudinê Gonçalves

Eugenio Scannavino Netto nasceu em Campinas, interior de São Paulo, em 1959. Em 1982, formou-se em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especializou-se em infectologia.

Mudou-se para a Pará, para trabalhar numa maternidade, em 1984. Um ano depois foi nomeado diretor de Saúde Rural de Santarém (PA) e funda funda a ong Saúde e Alegria.

Em 1991, funda o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que congrega 540 Ongs e movimentos sociais.

Em 2003, coordena o o projeto de exposição Amazônia Brasil. Em 2005, foi eleito empreendedor social do ano, pela fundação suíça Schwab e pelo jornal Folha de S. Paulo.

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