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O drama em relação ao plebsicito grego

O plebiscito anunciado na Grécia e as questões complexas colocadas para o eleitor mostram que a Europa e o mundo precisam repensar o uso insatisfatório dos instrumentos da democracia direta.

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Yannis Varoufakis, foi bastante sincero na sua mensagem. “A democracia merece um impulso em relação às questões europeias. Nós vamos oferecê-lo, deixando o povo tomar a sua decisão”, enviou via Twitter o ministro das Finanças da Grécia no momento de o governo anunciar que estaria realizando um plebiscito em 5 de julho.

O plebiscito responde a um anseio popular de maior participação política nas decisões importantes e é, ao mesmo tempo, mais um capítulo controverso no drama da crise grega e suas consequências globais.

Como base incontestável da velha democracia direta, a Grécia nunca conseguiu desenvolver formas modernas de regulamentação legislativa dos direitos civis. Pelo contrário, o país sempre foi governado por diferentes formas de governos mais ou menos autocráticos: regimes militares, oligarquias e finalmente o atual governo, uma mistura de populistas radicais de esquerda e direita.

O plebiscito de 5 de julho coloca em questão dois pacotes de medidas da chamada Troika, composta pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, revela a incompatibilidade entre as democracias nacionais e as instituições financeiras internacionais.

O especialista em democracia direta, Bruno Kaufmann swissinfo.ch

É um conflito de grupos de interesses sem condições de entrar em acordo, que abriria a possibilidade de encontrar regras comuns e, dessa forma, ter um processo justo e livre de tomada de decisões.

Nós vemos atualmente desafios semelhantes ao lidar com as controversas negociações do tratado de livre comércio entre os Estados Unidos e os países asiáticos ou o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT, mais conhecido como TTIP1 em inglês), entre os EUA e a União Europeia.

Nos dois casos percebemos uma distância entre a argumentação mais fraca (porém legítima) das instituições democráticas e mais poderosa (mas muito menos legitimada) da economia global.

O truque do plebiscito

De volta à Grécia e ao próximo “plebiscito” de domingo, a ideia do governo atual é permitir que povo expresse a sua opinião, mas que nesse caso é extremamente problemático.

Em primeiro lugar, a Grécia não dispõe de nenhum contexto institucional fundamental e nenhuma cultura para justificar esse passo. O último plebiscito federal sobre questões concretas ocorreu em 1974. Na época, os eleitores gregos tinham a escolha de substituir o regime militar por uma monarquia ou república. A escolha foi pela república. O único plebiscito não relacionado à forma do estado ocorreu em 1968 – ou seja, durante a ditadura militar – e dizia respeito à nova constituição.

O plebiscito de 5 de julho deve ser compreendido também através do contexto da profunda crise econômica, política e democrática. Em outubro de 2011, o então primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, havia proposto a realização de um plebiscito semelhante. O tema era a aprovação ou não de pacote de ajuda. O anúncio foi uma surpresa dentro e fora do país. Todavia, o socialista Papandreou havia calculado um espaço de três meses de discussão pública sobre as questões propostas. Dessa vez são apenas poucos dias.

Bruno Kaufmann exerce o cargo de presidente do Conselho da Democracia e Comissão de Eleição em Falun, na Suécia. É também presidente do Instituto Iniciativa e Referendo Europa, bem como co-presidente do Fórum Mundial de Democracia Direta Moderna. É ainda correspondente na Europa Setentrional e editor-chefe de people2power.info, portal sobre democracia direta, criado por www.swissinfo.ch que o integra.(Bruno Kaufmann)

Em segundo lugar – e como o ministro das Finanças mencionou no seu tweet – o plebiscito de domingo é um “impulso para a democracia” bastante ambivalente. Se por um lado, Varoufakis salienta o caráter decisivo dessa consulta popular, por outro ela tem pouco a ver com um plebiscito realizado no respeito das leis ou da opinião das minorias.

Plebiscitos são, de fato, a forma preferencial de governantes autocráticos ou populistas para conquistar legitimidade imediata ou adicional às suas políticas. Na história mundial existem centenas de exemplos de escrutínios manipulados, que servem muitas vezes de argumento para os opositores da democracia direta.

Tipicamente os plebiscitos são organizados de forma voluntária como recomendação para a classe dominante (presidente, governo e parlamento), e com tempo suficiente para a formação da opinião popular. Além disso, a formulação das questões e da cédula de votação – e não apenas as consequências de uma decisão – devem estar muito claras para o eleitor.

Todas essas exigências fazem parte de um assim chamado “impulso para a democracia” na Grécia, nesse próximo domingo, que, na realidade, abre as portas para o questionamento do poder do povo e, finalmente, o reforço de extremistas, populistas e forças antidemocráticas.

Ideias fortes, pouca prática

Em terceiro lugar, o plebiscito na Grécia mostra claramente quão incapaz, ou relutante, é a União Europeia (e o mundo), quando se trata de colocar suas políticas essenciais em prática.

Simplesmente não é suficiente apontar paras as coisas que não gostamos (guerra, violência, violações dos direitos humanos, comportamentos autocráticos, etc.), sem investir, ao mesmo tempo, na demonstração de vontade política, em recursos e tempo, para poder cimentar de forma sustentável e robusta as infraestruturas democráticas em todos os níveis políticos.

Setenta anos depois da fundação das Nações Unidas (na Declaração Universal dos Direitos Humanos – artigo 21 – que dá claramente as bases da moderna democracia participativa), e baseando-se no Tratado de Lisboa da União Europeia (artigo 11 – participação direta dos cidadãos como pedra angular da democracia moderna), já é hora de lidar a sério com a democracia e também o aprendizado mútuo. Isso deveria ser mais fácil, especialmente quando falamos da Europa e dos plebiscitos relacionados à construção europeia. 

Se os interesses econômicos ilimitados, direitos democráticos fundamentais e outras conquistas sociais colidirem umas com as outras, como percebemos no drama grego, o resultado é um convite a todas as forças não interessadas no moderno poder popular para utilizar esses instrumentos como forma facilitada de propaganda e defender posições deveras problemáticas. 

A identificação e o estabelecimento de um equilíbrio sustentável entre direitos básicos internacionais e nacionais e as dinâmicas de um mundo livre e aberto são as mais importantes tarefas da nossa geração. É óbvio que esse objetivo não possa ser alcançado com um plebiscito abreviado.

Ponto de vista

A nova série swissinfo.ch acolhe doravante contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

As opiniões expressas nesses artigos são da exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem necessáriamente a opinião de swissinfo.ch. 

Adaptação: Alexander Thoele

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