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Para os palestinos, 60 anos de Israel é o “Nakba”

Cerca de 80% dos refugiados palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia vivam abaixo da linha de pobreza. swissinfo.ch

Nas comemorações dos 60 anos de criação do seu Estado, ruas, prédios e casas de Israel ficaram repletos de bandeiras azuis e brancas com a estrela de Davi.

Para os vizinhos palestinos, esse período de festa traz outras lembranças. swissinfo entrevista uma jovem palestina em Jerusalém, que conta sobre a família, as suas esperanças e o medo nos últimos sessenta anos e o que eles costumam denominar de “Nakba”, “catástrofe” em árabe.

“Quando eu era criança lembro-me que sempre havia fogos de artifício nessa época do ano”, conta Shireen Bakleh (nome fictício). “Nós ignorávamos o que estava acontecendo e eu nunca sabia o que eles comemoravam”.

“Meus pais nunca me contaram. Era um pouco como tentar descobrir algo sobre o Papai Noel. Eles não me contavam que os fogos de artifício estavam comemorando nossa extinção. Eles queriam que eu tivesse uma infância normal e feliz”.

Estima-se que entre 700 e 900 mil palestinos tenham fugido das suas casas na Palestina durante a “Nakba”, entre junho de 1946 e o término oficial da guerra árabe-israelense em janeiro de 1949. Hoje, existem 4,5 milhões de refugiados registrados, descendentes dos refugiados originais e vivendo por todo o Oriente Médio.

A família de Bakleh estava entre as que tiveram sorte. A família da sua mãe continuou a viver em Haifa mesmo quando a cidade se tornou parte de Israel. Lá seu avô manteve a alfaiataria até a sua morte, ocorrida no ano passado aos 87 anos de idade.

Eles se tornaram assim o que, oficialmente se denomina árabes israelenses, um termo detestado por Bakleh. Eles têm a cidadania israelense e passaportes, mas continuam sendo palestinos e, como ela diz, cidadãos de segunda-classe em Israel.

A família do seu pai teve de abandonar a casa em Israel em 1948. Um edifício foi construído no lugar onde ela ficava. Porém a árvore plantada pelo seu tio continua ainda está lá. Vez ou outra a família aparece para visitá-la.

O pai de Bakleh tem um passe-livre, ou documento de viagem, que precisa ser renovado a cada par de anos. Isso lembra a ele que, apesar de ser residente de Jerusalém, ele não tem a cidadania.

Como árabe israelense, Bakleh tem um passaporte israelense, o que significa que ela tem liberdade de viajar para qualquer lugar, ao contrário dos 1,3 milhões de pessoas da terceira geração de refugiados palestinos nos campos espalhados entre a Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Síria e Líbano.

Negação da história

Bakleh acredita que a tragédia dos palestinos explica-se pela negação da história por parte de Israel e a falta de sensibilização e compreensão da história e cultura palestinas.

Israelenses são educados para acreditar que as terras são deles e que elas estavam vazias antes de chegar. “Um país sem povo para um povo sem país” era o slogan do líder sionista Israel Zangwill e que até hoje ainda reverbera.

Bakleh freqüentou uma escola privada católica na parte leste de Jerusalém que era freqüentada por palestinos cristãos e muçulmanos. Seus livros de história árabe, aprovados no currículo israelense, não faziam referências à história palestina ou ao conflito israelo-palestino.

Ela aprendeu sua própria história através de relatos dos pais ou dos avós, ou através de um professor de história que ousava em falar “off the record” sobre esses tempos.

Rabo e chifres

Sua mãe nasceu em Haifa em 1948. “Quando ela ainda era um bebê, duas mulheres judias vieram a nossa casa e começaram a mexer nos seus cabelos e olhar dentro das fraldas. Os judeus acreditavam que os árabes tinham rabos e chifres e elas queriam ver por si próprio se isso era verdade”.

Para Bakleh, essa história familiar simboliza muito do que está errado em Israel hoje em dia. Árabes são demonizados na imprensa e na cultura popular, tanto em Israel como no ocidente. Eles costumam ser vistos como pessoas empobrecidas, incultas e violentas. Essa imagem é reforçada pelos ataques suicidas de bombas durante a segunda Intifada ou revolta.

Bakleh tem pouco tempo para os vários programas de ajuda que surgiram como parte do processo de paz na tentativa de aproximar israelenses e palestinos. Eles não tratam dos verdadeiros problemas e dos obstáculos vividos pelos palestinos para ter uma vida normal, ela explica.

Israel ocupa 40% da Cisjordânia. Os assentamentos israelenses – ilegais pelas leis internacionais – bases militares, rodovias e centenas de postos de controle e bloqueios fragmentam o território palestino.

Bloqueio

Um muro de separação de oito metros, que Israel começou a construir em 2005, deve eventualmente se estender 700 quilômetros ao longo das mais férteis terras da Cisjordânia. Essa barreira restringiu ainda mais a vida dos palestinos, cortando-os das suas terras, famílias, meios de subsistência ou abastecimento de água.

Na Faixa de Gaza, 1,4 milhões de palestinos estão vivendo sob bloqueio desde que a organização islâmica Hamas tomou o poder em junho do ano passado.

No momento em que o presidente Bush visita Jerusalém pela segunda vez neste ano, Bakleh acredita que o mais insuperável obstáculo nas negociações de paz israelo-palestinas não foi removido.

“Desde a mais tenra idade, israelenses são ensinados a ter medo de todos os árabes e palestinos e temer que seu país será atacado. Esse fator do medo é a mais importante arma no arsenal israelense, não seu poder nuclear”, afirma.

swissinfo, Victoria Bruce em Jerusalém

O Estado de Israel foi estabelecido durante o conflito que os israelenses chamam de “Guerra de Independência” e os palestinos de “Nakba” (palavra em árabe que significa “Catástrofe”). A guerra entre israelenses e árabes da Palestina e dos países vizinho foi deslanchada logo após a resolução da ONU de 29 de novembro de 1947, que votou a favor da partilha da Palestina e o estabelecimento de um Estado judeu e outro árabe.

A população de Israel é hoje de 7,82 milhões de pessoas, sendo que 20% dela é de árabes. Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza vivem 3,8 milhões de palestinos. Em 2007, 450 mil judeus viviam em 149 assentamentos na Cisjordânia, incluindo também na zona leste anexada de Jerusalém.

Israel desocupou a Faixa de Gaza em 2005, mas reforçou seu bloqueio desde junho de 2007, quando a organização islâmica Hamas ganhou as eleições. O bloqueio é justificado por Israel como uma forma de impedir que os militantes continuem atirando foguetes contra as cidades israelenses vizinhas.

As restrições impostas por Israel têm tido grande influência sobre a vida dos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Os palestinos estão proibidos de utilizar a extensiva rede de estradas que cruza a Cisjordânia. A construção de barreiras de segurança cortam ainda mais a liberdade de movimento. A conseqüência é a grave deterioração das condições sócio-econômicas das populações que vivem no local.

A Cisjordânia tem poucos recursos naturais e sua economia depende do comércio e das remessas de dinheiro através de trabalhos em Israel. Estima-se que 23,4% dos habitantes da Cisjordânia estejam desempregados. A economia de Gaza entrou em colapso. Setenta por cento da sua população vive através de ajuda alimentar dada pela ONU.

Atualmente, 80% dos refugiados palestinos em Gaza e na Cisjordânia vivem abaixo da linha de pobreza, comparado com 20% em 2000.

A última rodada de negociações de paz no Oriente Médio foi lançada através do processo iniciado na conferência de Annapolis (EUA) em 27 de novembro de 2007. Dela participaram o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. A conferência foi significativa na medida em que, pela primeira vez, a solução da criação de dois Estados, foi acordada para o conflito israelense-palestino. O presidente americano George W. Bush afirmou que pretende concluir um acordo até o final de 2008.

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