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Parlamento discute sobre exportação de armamentos

Os estádios que sediarão a Copa do Mundo de futebol de 2022 no Qatar serão protegidos por armamentos importados da Suíça. Keystone / Kin Cheung

Embora a economia sofra com as restrições provocadas pela pandemia, a indústria helvética de armamentos atingiu um recorde de exportações em 2020. Porém alguns dos parceiros comerciais são considerados "suspeitos". Agora o Parlamento federal avalia os negócios do setor, sob pressão de um possível plebiscito.  

A Copa do Mundo de 2022 estará protegida por armas importadas da Suíça. Qatar, o país organizador, adquiriu dois sistemas antiaéreos de fabricante helvético por 200 milhões de francos, informou o jornal BlickLink externo no início de junho. Em valores se trata de uma das maiores exportações de material de defesa ocorrida nos últimos anos.

Atrás da nova infraestrutura que irá sediar o espetáculo de futebol, no entanto, se esconde a realidade sombria de um país que viola sistematicamente os direitos humanos. De acordo com uma investigação do jornal britânico The GuardianLink externo, 6.500 operários estrangeiros perderam suas vidas nos canteiros de obras desde que a Copa do Mundo foi concedida ao país do Golfo em 2011.

As revelações levaram uma empresa dinamarquesa a se recusar a fornecer a grama que irá cobrir os campos nos estádios. Alguns jogadores, normalmente avessos à política, já protestam. Porém as denúncias não impediram o governo suíço de aprovar o contrato de venda de armas. As leis permitem a exportação para países, mesmo onde há registros de violações graves dos direitos humanos. Desde 2017, o Qatar também não participa mais da aliança militar ativa no conflito no Iêmen. Portanto, não está mais envolvido.

Armas suíças para o Brasil

Não é a primeira vez que armamentos produzidos no país alpino cai são vendidos a países, onde há problemas com o respeito dos direitos fundamentais.

A ongs Terra dos Homens e Sou da Paz exigiram recentemente o fim da exportação de armas suíças para o Brasil, o oitavo maior comprador. Em 2020, as exportações para o Brasil totalizaram mais de 30 milhões de francos.

>> Para onde vão as armas suíças?

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Pistolas, fuzis, veículos blindados e helicópteros suíços são utilizados em ações policiais e militares no Brasil. Segundo registros da Terra dos Homens, em algumas delas os direitos humanos são violados. “A violência policial atingiu proporções dramáticas. Todos os dias, quatro crianças e jovens são mortos pela polícia brasileira”, afirma o relatório.

Mudanças nos critérios de exportação explica a presença de armas suíças em países controversos. Nos últimos anos, o governo flexibilizou a aplicação do Regulamento da exportação de material de guerra (KMV, na sigla em alemão). Em particular, em 2014 o país permitiu exportaçõesLink externo para países que “violam sistemática e severamente os direitos humanos”, desde que o risco de que “o material de guerra a ser exportado seja utilizado para cometer graves violações dos direitos humanos” permaneça baixo.

Em 2016, a KMV foi reinterpretada para que a proibição de exportar material de guerra para países envolvidos em um conflito só se aplicasse nos casos em que o conflito estivesse ocorrendo diretamente no país importador.

Indústria próspera

Estas mudanças deixaram uma margem “bastante favorável” de interpretação, como avaliado em um relatório de 2018 do Departamento Federal de AuditoriaLink externo (EFK). Os números confirmam a análise, pois a quantidade de material de guerra exportado tem aumentado constantemente desde 2016.

>> O desenvolvimento das exportações de armamentos desde 2000

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A indústria de armamentos suíça está indo de vento em popa. Em 2020, o país exportou mais de 900 milhões de franco em material de guerra, um recorde histórico.

Mais escândalos

Uma série de escândalos abalam, porém, o setor. Um deles ocorrem em 2018 com a descoberta de armamentos suíço utilizados por milícias na SíriaLink externo, LíbiaLink externo e IêmenLink externo. No mesmo ano o governo federal permitiu exportações de armas para países que se encontravam em conflito com a condição que estas não seriam utilizadas.

Em 2019, ativistas políticos lançaram uma iniciativa popular* intitulada “Fim da exportação de armas para países em guerra civilLink externo“. O projeto de lei não visa proibir completamente a exportação de material de guerra, mas sim impedir que armas sejam exportadas para países que violam gravemente os direitos humanos, como já era o caso antes de 2014.

“Um passo à frente”

Os promotores da iniciativa obtiveram uma primeira vitória em 3 de junho: o Conselho dos Estados (Senado) aceitou a contraproposta apresentada pelo governo. Ela também permite a proibição de exportação de armas para países que cometem violações graves dos direitos humanos. Os senadores também eliminaram exceções abertas pelo governo. Se aprovada nas urnas, a exportação de material de guerra para o Qatar, como foi feito em conexão com a Copa do Mundo de futebol, estaria impossibilitada.

“Trata-se de um compromisso com a tradição humanitária da Suíça e uma importante contribuição para uma política de paz”, escreveu a coalizão em uma declaração. Se a Câmara baixa também apoiar o contra projeto nesta forma, a coalizão está considerando retirar a iniciativa.

A seção suíça da Terra dos Homens, que participa do grupo responsável pelo lançamento da iniciativa, saúda a decisão do Senado suíço. “É um passo na direção certa, porque com esta decisão, as exportações para países que violam os direitos humanos não serão mais possíveis”, comenta Andrea Zellhuber, especialista em prevenção da violência para a ong.

Adaptação: Alexander Thoele

* Iniciativas populares na Suíça

Possibilitam aos cidadãos apresentar propostas para a alteração ou complemento da Constituição. Seu efeito consiste em estimular o debate político sobre um tema específico restrito ou em relançar esse debate. Para que uma Iniciativa popular seja válida e possa ser levada a votos, têm que ser recolhidas 100 mil assinaturas em 18 meses. As autoridades podem apresentar uma contraproposta para uma Iniciativa popular e esperar que o povo e os representantes lhe deem preferência.

>> Em nível mundial, a Suiça não é a maior exportadora de armamentos

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