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Picasso, do bordel ao ateliê de pintura

Pablo Picasso, «Minotaure attaquant une amazone», 1933, gravura. ProLitteris, Zurich

O Kunstmuseum de Berna dá espaço à obsessão erótica do pintor espanhol. O museu de belas-artes da capital suíça expõe cerca de 100 gravuras produzidas entre 1905 e 1971.

Uma pequena amostra da vasta coleção montada por um rico industrial de Zurique.

Na entrada da exposição, o museu pendurou, pedagogicamente, uma lista das principais mulheres que contaram na vida do pintor: Fernande Olivier, Olga Koklova, Marie Thérèse Walter, Dora Maar, Françoise Gilot, Jacqueline Roque.

Intenção louvável, mas para fazer realmente justiça à relação que Pablo Picasso mantinha com as mulheres, teria que se enumerar todas aquelas que alimentaram sua imaginação e memória, personagens históricas ou lendárias, prostitutas dos bordéis da Espanha e de outros lugares. É preciso lembrar que a famosa pintura “Les Demoiselles d’Avignon” foi originalmente chamada por Picasso de “O bordel de Avignon”.

Se há um tema constante na obra do artista espanhol, além das múltiplas abordagens estilísticas, o período rosa ou azul, o cubismo e outras explorações pictóricas, é o desejo, ou dito mais pudicamente, a sexualidade, declinada de maneira crua ou sensual, simbólica ou grotesca.

 

Rico industrial

Por trás desta exposição, a marca do magnata das industriais têxteis de Zurique Georges Bloch (1901-1984). O industrial começou a colecionar gravuras de Picasso em 1920, mas só foi conhecer pessoalmente o artista em 1953. Nasce então uma amizade que vai permitir a Bloch continuar alegremente sua coleção, adquirindo em primeira mão as obras tão cobiçadas.

O suíço conseguiu, assim, juntar cerca de duas mil obras até a morte de Picasso. Uma coleção composta de linografias, xilogravuras, gravuras, aquarelas, pontas-secas e litografias.

A coleção serviu de base para um vasto catálogo publicado por Bloch em quatro volumes, antes de ser desmembrada em três partes. Um parte será vendida em benefício da Fundação George e Jenny Bloch, outra irá para um museu em Israel e a terceira será doada à Fundação Federal Gottfried Keller (GKS) para garantir que a obra de Picasso seja bem representada na Suíça.

A Fundação GKS ficou assim incumbida de depositar essa doação em oito museus suíços – incluindo o Museu de Belas Artes de Berna – com uma condição: o acervo deve ser exposto uma vez em cada cinco anos por um dos oito museus.

“Procuramos, cada vez, um ângulo específico. A última vez foi as touradas. Desta vez focamos as cenas eróticas”, explica Therese Bhattacharya-Stettler, curadora da exposição, observando que, com Picasso, tourada e sexualidade não estão necessariamente muito distantes uma da outra.

Combate e estocada

1905. Série “Saltimbanques”. Um músico segura uma criança como um violino, enquanto que Herodes observa, esparramado, Salomé que dança, feia e raquítica, com o púbis intercalado de poucos tristes pêlos. O jovem Picasso já era ousado, misturando humor, sexo e não respeitando os grandes episódios da mitologia judaico-cristã.

Um pouco mais tarde, outra mitologia, a greco-romana, também é representada através de cenas de orgias, com sátiros e especialmente, é claro, a figura do Minotauro, vindo diretamente de sua antiguidade de origem para o centro de arenas bem contemporâneas.

“Picasso era um aficionado das touradas”, diz Therese Bhattacharya-Stettler. “O touro representa a masculinidade, o combate. E com Picasso também há um combate com a mulher. Os dois se misturam. Aqui, podemos vê-lo em uma ‘batalha’ com uma mulher, que também é um abraço”, diz apontando para a gravura “Minotaure attaquant une amazone”, datada de 1933. O Minotauro domina a feminidade de uma amazona, entre dor e esmorecimento.

Citações e artimanhas

As gravuras de Picasso (que se tornam particularmente numerosas no fim de sua carreira) se distinguem do resto da sua obra pela técnica, mas não pelos temas abordados, também encontrados em suas pinturas ou desenhos.

Isso vale para o Minotauro e também para a personagem “Célestine”, a velha alcoviteira retorcida inspirada no romance “Calixto e Melibea” de Fernando de Rojas, ou a figura do voyeur, muitas vezes posto em cena por Picasso.

Como primeiro pano de fundo favorito, o bordel, neste caso os clientes, que admiram mais a carne oferecida do que a consomem. “Degas também pintou cenas de bordéis. Picasso colecionou seus monotipos, que foram uma fonte de inspiração para ele. Ele admirava Degas, comprando inclusive várias de suas obras”, conta Therese Bhattacharya-Stettler.

Outro lugar favorito: o ateliê do artista, onde se exercia a relação estranha – e voyeurista – entre o pintor e sua modelo. “A arte nunca é casta”, dizia Picasso. “O olhar é a ereção do olho”, acrescentou o crítico de arte francês Jean Clair. Picasso tinha um fascínio pelo pintor Rafael e sua amante La Fornarina. Assim, em algumas gravuras da “Série 347”, realizada em 1968, “Picasso parte de uma pintura de Ingres, no fundo da qual vê-se um voyeur, e a interpreta à sua maneira”, constata a comissária da exposição.

Picasso olha então Ingres que olha Rafael copulando com sua amante. Encadeamento de olhares, no qual se acrescenta o meu, o seu, o do espectador, que obrigado assim a se colar à obra para ver os detalhes – geralmente são gravuras com traços delicados, em tamanhos pequenos requerendo a proximidade do olho.

Para “aliviar” o olhar do espectador voyeur, Therese Bhattacharya-Stettler o interrompe com uma sala de aquarelas dos anos 50, onde, de repente, entram em cena cores e formas mais amplas.

1881. Nasce em Málaga, em 25 de outubro, Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso. Seu pai, José Ruiz Blasco, pintor e desenhista.

1896. Frequenta a Escola de Belas Artes de Barcelona e, a partir de 1897, a Academia de San Fernando em Madrid.

1899. Primeira gravura de Picasso.

1901-1904. “Período Azul”. Também começa a se interessar pela escultura.

1904. Muda-se para Paris durante sua quarta viagem à capital francesa. Instala o ateliê no Bateau-Lavoir.

1905-1907. “Período Rosa”. Primeiras gravuras em cobre.

1907. Criação de Les Demoiselles d’Avignon. Encontra Georges Braque. Fundam o Cubismo.

1925. Participa da primeira exposição dos surrealistas em Paris.

1930-1937. Gravuras para o Les Métamorphoses de Ovídio. Além disso, cem gravuras da Suite Vollard.

1937. Picasso cria Guernica.

1941. Ingressa no Partido Comunista Francês.

A partir de 1944. Multiplica seus trabalhos de litografia e cria suas primeiras linografias em 1956.

1957. Início do ciclo de ilustrações para Tauromachia, um tratado de touradas do final do século XVIII.

1968. Picasso cria em menos de sete meses a série des 347 gravures.

1970. Começa a trabalhar na série des 156 gravures que só será publicada depois de sua morte.

1973. Picasso morre em 8 de abril na sua casa em Mougins (França) e é enterrado no jardim do Castelo de Vauvenargues, de sua propriedade.

«Picasso. La puissance d’Eros» em exposição no Kunstmuseum de Berna até 1° de maio de 2011.

A mostra apresenta uma centena de gravuras.

Comissária: Therese Bhattacharya-Stettler

Adaptação: Fernando Hirschy

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