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“É preciso um consenso entre esquerda e direita”

Milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades brasileiras, enquanto a Câmara dos Deputados votava para decidir se o Senado deveria aceitar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Keystone

Professor suíço-brasileiro da Universidade Estadual do Norte Fluminense fala do impacto da crise econômica e política do Brasil no momento em que a Câmara se pronuncia a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A presidente brasileira, Dilma Rousseff, ainda apostava o dobro ou nada com seu mandato na noite passada, quando o professor Marcio Folly concedeu essa entrevista sobre a votação que pode afetar diretamente o funcionamento da instituição onde trabalha, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos.

Formado na Suíça, o professor suíço-brasileiro de Microbiologia foi convidado na década de 1990 pelo Estado do Rio a criar uma universidade e um centro de pesquisa animal. Hoje, esse estabelecimento de 4.000 estudantes e pesquisadores está em uma situação difícil. Marcio Folly fala das consequências da crise econômica e política que agita o Brasil.

Sua instituição, uma das melhores universidades públicas do Estado do Rio e a décima primeira do país, não tem dinheiro para pagar seus 250 professores e servidores. O que aconteceu?

Marcio Folly: Desde outubro de 2015, todas as linhas de telefone da universidade, bem como a do reitor estão cortadas. Precisamos negociar para continuar sendo servidos em água e eletricidade, o que é essencial para o nosso centro de pesquisa animal. Espero que possamos receber o salário de abril. Numa altura em que o petróleo não rende o suficiente, a área da pesquisa do agronegócio na qual operamos é, assim, essencial. O Brasil é o número um em exportação de carne bovina e de frango, o número dois de soja ou ainda de café…

Vocês não são os únicos nesta situação…

Não. As escolas públicas e os hospitais não recebem mais dinheiro do Estado federal. Cerca de 139 mil pensionistas do Estado do Rio não receberam suas pensões. A Câmara dos Deputados do Estado do Rio decidiu deixar de pagar os impostos federais para poder pagar seus funcionários. É uma verdadeira bagunça. Na minha opinião, não podemos atribuir todos os nossos problemas à presidência de Dilma Rousseff, mas é verdade que o financiamento da política social, já sob a presidência de Lula, baseada unicamente nas receitas do petróleo, do ouro e dos empréstimos bancários foi um suicídio. As despesas com a assistência social contribuíram a afundar o país.

Maus investimentos na realização de obras onerosas selaram ainda mais as contas do Estado…

Sim. Em Campos, onde moro, um sambódromo, que só é usado uma vez por ano, foi construído por 25 milhões de dólares! Tem também as despesas para os Jogos Olímpicos. Somos informados de que o dinheiro investido vem do setor privado, e não público, mas eu duvido. É preciso saber também que a cidade do Rio está muito bem financeiramente, ao contrário do Estado do Rio. Ora, o estado também terá que arcar com as despesas relacionadas com o funcionamento das Olimpíadas, como a segurança.

Qual foi o erro da estratégia econômica do governo de Dilma Rousseff?

Estimular o consumo de bens básicos reduzindo a carga de impostos federais para o contribuinte, bem como reduzindo os juros dos empréstimos bancários. Muitos brasileiros aproveitaram. A classe média pôde se dar ao luxo de viajar para a Europa ou os Estados Unidos. Bilhões acabaram saindo para outros países. Mas os anos dourados ficaram para trás. A classe média não tem mais dinheiro para comprar um carro novo ou viajar. A má gestão dos governadores dos estados brasileiros e um sistema burocrático pesado do serviço público brasileiro tornam as coisas ainda mais difíceis.

Qual a solução para o Brasil?

Mesmo se Dilma Rousseff for destituída, seria preciso um consenso entre esquerda e direita, um pouco como na Suíça! Espero que tudo corra bem, porque a tensão é palpável. Os brasileiros agem com muita emoção. A polícia tenta manter o controle, mas já houve confrontos. Quarta-feira, o Movimento dos Sem Terra ocupou uma fazenda no estado de São Paulo. A polícia atirou e houve uma morte. O ex-presidente Lula lançou um apelo à paz. É lamentável que a TV Globo, por exemplo, não organize debates de verdade. Essa rede se contenta em ficar no lado emocional dos acontecimentos e alimenta o ódio de ambos os lados.

Adaptação: Fernando Hirschy

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