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Como a Suíça responde à desinformação na internet

“Fake news” e a difícil questão da salvaguarda eleitoral

Mulher colocando um voto na urna
O voto colocado na urna pode ser muitas vezes influenciado pelas notícias lidas nas redes sociais ou plataformas de informações. KEYSTONE

Às vésperas das eleições de meio-mandato nos EUA, deste lado do Atlântico nota-se uma apreensão crescente com a possibilidade de que processos democráticos sejam afetados por desinformação e manipulação. A Suíça será poupada da onda de campanhas eleitorais baseadas em "fake news" (informações falsas) nas eleições gerais do próximo ano?

Este é um cenário cada vez mais comum, e que foi visto pela última vez durante o referendo na Macedônia sobre a troca de nome do país; uma velha barreira à adesão do país à OTAN e à União Europeia. “Trolls”, contas falsas e “bots” (contas automatizadas) difundem narrativas contraditórias e informação falsa no Twitter e no Facebook. Neste casoLink externo, o objetivo era convencer os cidadãos a boicotar o referendo, pois uma participação de no mínimo 50% dos eleitores seria necessária para validar os resultados. Ao final das contas, apenas 34% dos eleitores macedôniosLink externo foram às urnas e o resultado, uma clara vitória do “sim”, foi invalidado.

Desde a concorrida eleição presidencial americana dois anos atrás, o problema da interferência das “fake news” durante as eleições tem preocupado a líderes políticos, à mídia e a cidadãos. 

Como mostra um estudo recente, até na Suíça, conhecida por sua política de consenso e baixos níveis de polarização, votos nacionais não estão imunes à manipulação. Mas enquanto países vizinhos estudam reformas na legislação e a utilização de unidades especializadas no combate da desinformação online (ver infobox), a abordagem dos suíços lembra o “vamos ver no que dá”. Eles podem se permitir, pelo menos por enquanto, esta atitude.

O que é “fake” (falso) e o que não é

Desde a eleição de Donald Trump como presidente americano, acusações de que informações falsas nas redes sociais teriam influenciado o comportamento do eleitorado e o termo “fake news” se tornaram corriqueiros. Uma fonte assinalaLink externo um aumento de 365% em seu uso. 

Mas também a utilização do termo gera confusão. Na Suíça, o debate sobre este fenômeno se intensificou no final de 2016 e em 2017. Isto é o que afirma Linards Udris, um expert em mídia do Instituto de Pesquisa da Esfera Pública e da SociedadeLink externo (fög) da Universidade de Zurique. Em uma pesquisa de opinião feita em 2018 pelo Instituto ReutersLink externo, metade dos entrevistados se disseram preocupados com “fake news” embora apenas 13%Link externo tenham afirmado ter visto ou ouvido “fake news” na semana anterior.

Udris define “fake news” como estórias inteiramente inventadas, mas para muitos a definição é muito mais abrangente. “Se políticos erram, trata-se de jornalismo de baixa qualidade, erro jornalístico ou reportagem descuidada; ‘fake news’ é simplesmente aquilo em que não acredito”, diz ele.

Em particular nos EUA, “fake news” estão sendo usadas para atacar opositores políticos e jornalistas de cujas estórias se discorda com retórica que pode ser contagiosa e prejudicial à mídia enquanto setor econômico.

“Quando um político faz uma afirmação [falsa], ao invés de dizer “você mentiu”, as pessoas dizem que é “fake news” e fazem uma ligação direta entre [desinformação] e a mídia noticiosa”, diz Udris. “E isto é um problema”.

Apesar de preocupações sobre desinformação, a confiança na mídia suíça permanece forte entre a população. A realidade é que sites de notícias falsas ainda são raros, e isso tem a ver com o pequeno tamanho do eleitorado suíço, a pouca polarização, a diversidade dos grandes meios de comunicação que permanecem o principal foro para debates políticos, e a discussão relativamente limitada sobre política na mídia social.

O governo decidiu em 2017 que nova legislação não seria necessária para combater a desinformação. O gabinete ministerial disse que vai observar atentamente os acontecimentos na Suíça e no exterior. Segundo um porta-voz da Chancelaria Federal, por enquanto não existe um plano coordenado ao nível federal para evitar a desinformação e interferência durante as eleições gerais do ano que vem. Ademais, ele indicou um comunicado do governo publicado na última primavera reiterando que continuará a monitorar a situação.

Visando campanhas políticas online

Segundo os experts, esta abordagem não é inteiramente descabida. Para Udris, “fake news” no senso estrito do termo não afetou as campanhas políticas suíças como o fez em outros países.

Discussões políticas na mídia social também acontecem em escala relativamente pequena. Um número menor de eleitores suíços é exposto a conteúdos enganosos e “bolhas causadas por filtros”, onde pessoas com ideias similares se comunicam apenas entre si e onde as “fake news” proliferamLink externo. Por fim, intercâmbios online não são a forma dominante de debate político. Isto se reflete na observação feita por Stefan Gürtler e sua equipe de pesquisa ao analisar milhares de tweets que circularam sobre a campanha para eliminar a taxa que financia os meios de comunicação públicos (Billag), derrotada em referendo realizado em março de 2018.

“Nem sempre o debate é cortês, mas [oponentes ideológicos] trocam mensagens”, diz o professorLink externo da Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça (FHNW). “Isto é um sinal de que a cultura de comunicação digital é diferente na Suíça”.

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Um longa batalha para combater as notícias falsas

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Não obstante, a discussão sobre a iniciativa “No Billag” foi altamente polarizada para padrões suíços, e aqueles que quiseram influenciar as opiniões dos eleitores não deixaram passar essa chance. Nos dois meses antes do pleito, a equipe da FHNW averiguou que cyborgs (pessoas com ajuda técnica) estavam mandando até 1.000 mensagens por dia via Twitter. Cinquenta usuários (todos cyborgs) geraram metade do tráfego sobre a iniciativa “No Billag”. Os que eram favoráveis à abolição da taxa geraram 55% das mensagens.

Por alarmante que seja, Gürtler diz que é improvável que manipulação nesta escala aconteça em cada uma das campanhas eleitorais na Suíça.

Ao mesmo tempo, tanto ele quanto Udris acreditam que partidos políticos vão provavelmente expandir sua utilização de mídia social na campanha das eleições gerais do próximo ano. Gürtler diz que o Facebook organizou recentemente um workshop para que políticos suíços melhorassem sua competência na utilização de mídia social. Ele afirma esperar “aumentos no número de mensagens” antes das eleições de outubro próximo.

Mais conversações, mais manipulação

Na medida em que mais pessoas debatem política online, diz Gürtler, o nível de manipulação também deverá aumentar.

Hoje, qualquer pessoa com conhecimentos básicos pode encontrar na internet instruções de como programar um “bot” em 30 minutos. Também existem fábricas de “bots” na “dark net”, o que segundo Gürtler permite que se compre tais “bots” aos milhares.

“A tecnologia de manipulação está avançando muito mais rápido do que a tecnologia de detecção de manipulação”, avisa Gürtler.

Ele também afirma que “alguns partidos compraram software […] para organizar seus seguidores”, software que também pode ser usado para definir alvos psicométricos, o que envolve a utilização dos dados de mídia social do usuário para criar perfis de eleitores a serem alvo de mensagens.

Embora não seja certo se marqueteiros políticos seguirão este método, o caso da firma de consultoria Cambridge Analytica, que obteve de modo irregular os dados de milhões de usuários do Facebook para influenciar eleitores nos EUA e no Reino Unido, causou alarme. O Comissário Federal Suíço para a Proteção de Dados e InformaçãoLink externo (FDPIC) organizou um grupo de trabalho formado por experts com o fim único de salvaguardar a privacidade dos votantes durante a campanha eleitoral de 2019. O porta-voz da FDPIC, Hugo Wyler, disse à swissinfo.ch que o grupo vai publicar um relatório para alertar às companhias de tecnologia, aos partidos políticos e aos estrategistas sobre os aspectos relevantes da lei suíça que devem ser levados em consideração ao se abordar os eleitores. O relatório também informará ao público sobre possíveis incumprimentos da lei durante a campanha.

Neste meio tempo, Gürtler e sua equipe estão trabalhando para realizar o monitoramento em tempo real de conversações online “para que as pessoas possam ver quais temas ou candidatos são suscetíveis de serem manipulados”. A ideia é munir os cidadãos com conhecimento para que eles decidam qual conteúdo deve ser consumido. Isto é indicativo de que as próprias plataformas tecnológicas não estão fazendo o suficiente para combater a desinformação e interferência apesar de sofrerem pressão intensa nos últimos dois anos.

Como outras plataformas de mídia social, o Twitter tem regras claras para os usuários, mas ele fechou apenas um punhado de contas problemáticas durante a campanha “No Billag”. Para o pesquisador, se plataformas sociais “aplicassem suas próprias regras, a comunicação nestas plataformas poderia ser diferente e controlada de forma muito melhor”.

Salvaguardando eleições na Europa

Com cerca de vinte eleições importantes planejadas para até 2020, a Europa não está inteiramente preparadaLink externo para enfrentar a interferência em processos democráticos. Isto é o que afirma a Comissão Transatlântica de Integridade Eleitoral criada em 2018 para ajudar governos a lidar com esse crescente problema. Temos aqui uma seleção de medidas que os governos europeus tomaram nos últimos meses.

A União Europeia acredita que as eleições parlamentares europeias de maio de 2019 serão o novo grande alvo de campanhas de desinformação. A Comissão Europeia manteve consultas públicas, estabeleceu um grupo de experts e delineou um conjunto de diretrizes comuns. Em setembro, ela apresentou um código de práticaLink externo para companhias de tecnologia como uma forma de compeli-las a se autorregularem. Muitos observadoresLink externo, no entanto, são céticos quanto ao impacto mensurável que o código terá.

Parlamentares franceses aprovaram em julho um projeto de lei para combater “fake news” ao dar às cortes o poder de decidir se reportagens polêmicas e conteúdo manipulado deveriam ser removidos durante campanhas eleitorais. A lei, que é considerada por alguns como inútil e inaplicávelLink externo, também forçará plataformas de mídia social a revelar os compradores de conteúdo patrocinado quando entrar em vigor em 2019.

Meses antes de acontecerem as eleições gerais suecas neste outono, o governo anunciou planos de criar uma instituição nacional Link externopara combater desinformação e campanhas de influência estrangeira através da promoção de conteúdo factualmente acurado. 

Um comitê parlamentar no Reino Unido passou 18 meses examinando o assunto antes de publicar em julho uma lista de recomendaçõeLink externos sobre como o governo pode abordar a desinformação. O Reino Unido acredita que russos foram responsáveis pelas tentativas de espalhar informações falsas durante o referendo Brexit. O governo britânico também estabeleceu uma unidadeLink externo dedicada ao combate à desinformação por “atores estatais ou outros”

Adaptação: D.v.Sperling

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