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Bancários suíços nas mãos da justiça americana

Mark Henley

O governo suíço autorizou a transferência para a justiça americana dos nomes e dos dados dos colaboradores de onze bancos atuantes no mercado dos Estados Unidos. A medida não tem precedentes e provoca a indignação no mundo bancário, além de protestos dos políticos.

“Para escapar das garras do leão americano, o rei do sigilo bancário entregou os nomes de seus colaboradores. Agora, eles estão encurralados em seus cantões”, diverte-se o semanário francês Le Canard Enchainé, segundo o qual a polêmica é uma “tragicomédia tipicamente suíça”.

Mas esta tragicomédia – ou seja, o caso dos dados de milhares de empregados transmitidos por alguns bancos para a justiça americana – não faz ninguém sorrir na Suíça. Para uns, o preço pago para defender o sigilo bancário tornou-se muito alto com o passar do tempo. Para outros, a concessão do governo suíço às autoridades americanas é inaceitável porque fragiliza a praça financeira helvética e compromete a soberania nacional.

Empregados traídos

As concessões começam em 2009, quando o governo socorreu o colosso financeiro UBS, vítima da justiça americana por ter ajudado milhares de clientes a sonegarem o imposto de renda nos Estados Unidos. Pela primeira vez na história, as autoridades helvéticas enviaram ao governo de um outro país os dados dos milhares de clientes de um banco suíço. Até hoje, as informações eram fornecidas em doses homeopáticas, a conta-gotas, depois de um longo procedimento de instrução administrativa e somente em casos de fraude fiscal.

Em 2011, outros onze bancos atuantes na Suíça foram supreendidos por um inquérito nos Estados Unidos. A acusação para todos eles era a mesma: violação das leis fiscais. Além disso, estas instituições bancárias tinham voltado a operar com os clientes abandonados em 2009 pelo UBS. Em dezembro, o departamento americano de justiça exigiu dos bancos todos os documentos relativos às transações financeiras nos Estados Unidos, inclusive os nomes dos empregados operando no mercado americano. Em abril, o governo autorizou o envio dos dados para proteger os interesses dos bancos.

Cinco bancos transmitiram para Washington os nomes dos milhares de funcionários e consultores financeiros que, em muitos casos, não foram informados com a devida antecipação e nem puderam esboçar uma ação de defesa.

O caso provocou a indignação no setor bancário e no mundo político. “Os empregados foram traídos de maneira abominável por seus dirigentes, os quais não souberam ou não quiseram aprender as lições justas do caso UBS”, declara o deputado socialista Jean Christophe Schwaab, presidente da seção romanda (Suíça francesa) da Associação suíça dos empregados de bancos.

Nenhuma medida de proteção

Nos meses de junho a setembro, cerca de dez parlamentares apresentaram uma série de cobranças urgentes de explicações ao governo. Em particular, para saberem se tinha sido dada a garantia, por parte das autoridades americanas, de que os dados entregues não seriam utilizados contra os funcionários dos bancos. “Nenhuma garantia”, respondeu o governo a todos.

“Muito ingenuamente, eu achava que deixando estas pessoas em perigo, em paralelo, o governo teria adotado medidas de proteção”. A minha pergunta tinha a preocupação de questionar quais teriam sido estas medidas. E a resposta do governo foi: “nenhuma”, ressalta Yves Nidegger, deputado do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), para quem existe um certo pânico no setor bancário.

“Muitos empregados não ousam mais sair da Suíça. Até mesmo alguns deles foram orientados pela direção de seus bancos a não viajarem para o exterior”, afirma Jean Christophe Schwaab. “Ninguém pode garantir aos empregados que eles não vão ser presos. E o pior: deverão viver com a incerteza ainda por alguns anos”.

Sem saída

De acordo com alguns especialistas em direito, a entrega dos nomes provavelmente desrespeitou as normas legais em matéria de assistência administrativa, de proteção das informações e de privacidade. A autorização do governo violaria o artigo 253 do Código penal (transmissão de um segredo de fabricação ou de negócios a um organismo oficial ou privado no exterior).

Para a ministra das finanças Eveline Widmer-Schlumpf, responsável do dossiê, “o governo não tinha outra escolha”, recusar a colaboração dos institutos bancários com a justiça americana teria colocado em risco muitos empregos, além do fechamento de outros bancos. Em janeiro, o banco Wegelin foi obrigado a encerrar as atividades depois de enfrentar um processo nos Estados Unidos.

As razões do governo não convenceram os parlamentares, que pediram às comissões de gestão que esclarecessem o caso. Para os representantes da direita, a soberania nacional está em jogo: “O Estado não pode renunciar o respeito às suas leis. O direito é a única arma disponível para um país pequeno como o nosso diante dos outros. Se renunciamos à aplicação do nosso direito sobre o nosso território, amanhã não serão somente os americanos, mas ainda os nossos vizinhos que irão impor-se contra nós”, sustenta Yves Nidegger.

Modelo de negócios

Segundo o deputado do SVP, a Suíça deve resistir às pressões internacionais para proteger o segredo bancário e defender a praça financeira. “O objetivo americano não é o de acabar com a sonegação fiscal no mundo inteiro, se fosse assim, os Estados Unidos deveriam acabar com as sociedades anônimas do Delaware até a Flórida. A busca pelos bens não declarados é apenas uma desculpa para começar uma guerra contra a nossa praça financeira. Com certeza, não é se rendendo que iremos conquistar novamente o respeito dos americanos”.

Esta visão não é compartilhada pela esquerda, pela qual a Suíça poderá manter uma praça financeira forte apenas se colocar em prática uma estratégia baseada na transparência e no dinheiro limpo. “Se hoje somos atacados por todos os lados é porque os bancos suiços usaram, por muito tempo, a evasão de impostos como modelo de negócio, violando as leis de outros países. Todos já sabem que o segredo bancário não serve para tutelar a privacidade mas para proteger os criminosos e os sonegadores fiscais”, declara Jean Christophe Schwaab.

Em 2009, o UBS foi condenado a pagar uma multa de 780 milhões de dólares por ter ajudado milhares de clientes a sonegar o imposto de renda nos Estados Unidos

Em 2011, a justiça americana abriu inquéritos contra 11 bancos operacionais na Suíça. Eles são suspeitos de violação das leis fiscais americanas.

No dia 9 de dezembro, o departamento americano de justiça incentivou os institutos bancários a fornecerem, até o fim do ano, os documentos relativos às próprias operações nos Estados Unidos, incluindo os nomes dos colaboradores.

O governo suíço, num primeiro momento, recusou-se a cumprir o pedido porque as autoridades americanas não estavam dispostas a garantir a imunidade dos funcionários dos bancos.

Após as pressões americanas e depois dos pedidos dos próprios bancos, em 4 de abril deste ano, o governo autorizou o envio dos dados aos Estados Unidos para proteger os interesses dos institutos bancários.

Os colaboradores não tiveram nenhuma possibilidade de impedir a entrega de seus nomes, nem de conseguir uma cópia dos documentos. Os bancos deram a eles apenas a possibilidade de consulta das informações transmitidas.

Baseados na decisão do governo, os bancos foram autorizados a transmitir os dados sem respostas ao artigo 271 do Código penal (atos executados sem autorização por conta de um terceiro país).

Entretanto, em base na decisão do governo, os bancos deverão assumir as suas responsabilidades no caso de violação de outras diretrizes legais, em particular as leis sobre a proteção dos dados e do direito do trabalho.

Nos dados transmitidos não devem aparecer os nomes dos clientes. O governo pretende comunicar os seus nomes apenas quando for estabelecido um acordo global com Washington para resolver a queda de braço em curso e evitar novos inquéritos contra outros bancos suíços.

Adaptação: Guilherme Aquino

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