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Juíz suíço incomoda no processo dos khmers vermelhos

Tirado do cartaz de "Duch, le mestre das fogueiras do inferno" Rithy PANH

O processo de altos dirigentes do regime de Pol Pot foi retomado no Camboja.

Apesar da oposição do governo atual de Phnom Penh, o juiz suíço Laurent Kasper-Ansermet quer que o tribunal julgue cinco outros casos. A atitude do juiz suíço é colocada em questão pelo cineasta Rithy Panh.

Em Phnom Penh, capital do Camboja, o tribunal que condenou à prisão perpétua Duch, o chefe do centro de execução e de tortura S21 e que julga atualmente mais três altos dirigentes ainda vivos do regime genocida de Pol Pot, está sob pressão.

Enquanto o governo cambojano considera que o acordo fechado com a ONU não autoriza as Cortes Extraordinárias dentro dos tribunais cambojanos (CETC), nome oficial do tribunal composto de juízes internacionais e locais, a fazer novas inculpações, cinco antigos quadros intermediários do regime de Pol Pot acabam de ser informados dos direitos de defesa e das acusações contra eles.

O juíz suíço Laurent Kasper-Ansermet é membro dessas Cortes Extraordinárias e sua atuação é contestada por autodidades cambojanas.

Casos de escravidão

Uma das pessoas visadas, Im Cheam, confirmou a informação ao Phnom Penh Post – um diário de língua inglesa e khmer. Esse político local de 69 anos teria de fato supervisado os trabalhos de um importante projeto de irrigação do regime Khmer vermelho em Trapeang Thma, na região noroeste, onde as pessoas morriam em massa, como em todo o Camboja, uma população submetida a trabalhos forçados, sem tratamento e sem alimentação suficiente.

Contatado em Phnom Penh, Laurent Kasper-Ansermet recusa-se a comentar, mas confirma a swissinfo.ch que está habilitado a continuar suas investigações: “Tenho todas as autorizações necessárias para minha função de juiz auxiliar de instrução suplente. Algumas semanas atrás, David Scheffer (designado pelo secretário-geral da Ban Ki-moon como conselheiro especial da ONU para os processos dos khmers vermelhos, ndr), declarou publicamente que eu poderia avançar.”

Isso, mesmo se o Conselho Supremo da Magistratura do Camboja recusou nomeá-lo juiz auxiliar internacional de instrução, embora a ONU peça que ele seja nomeado para substituir Siegfried Blunk. O juiz alemão deixou o cargo em outubro último, depois de ter acusado o governo de ingerência no tribunal justamente devido a recusa de Phnom Penh de ver novos casos julgados pelos CETC.

Um braço de ferro permanente

Portanto, os juízes internacionais e seus colegas cambojanos estão divididos sobre essa questão. “Isso não facilita os trabalhos do tribunal. Esse litígio tem consequências, inclusive no processo em curso dos altos dirigentes khmer”, afirma o juiz suíço.

Para as ongs internacionais, a causa é clara: o governo de  Phnom Penh faz tudo para entravar a ação da Onu e da justiça internacional contra os antigos khmers vermelhos. Elas criticam o primeiro ministro Hun Sem, lembrando seu passado khmer vermelho.

Essas acusações são contestadas pelo cineasta cambojano Rithy Panh, de passagem por Genebra para o Festival do Filme sobre os Direitos Humanos, onde recebeu um prêmio pelo documentário

“Duch, o mestre dos fogos do inferno”.

Críticas injustas

“Se Hun Sem se opusesse realmente a esse tribunal, nenhum processo teria ocorrido. O governo cambojano não precisa receber lições, pois sempre exigiu que os kmers vermelhos fossem julgados e venceu sozinho a guerrilha polpotista ativa até  final dos anos 1990”, declarou à swissinfo.ch esse sobrevivente do inferno khmer vermelho. Esse ponto de vista é confirmado por documentos oficiais acessíveis no site internet da Onu e trabalhos de historiadores.

“Se tivéssemos que julgar todos os khmer vermelhos, seriam necessários 300 anos”, prossegue  

Rithy Panh. “O Camboja não tem recursos financeiros, nem mesmo a Onu, para começar novos processos.”

Criada em 2006, a Corte de fato está constantemente reclamando recursos. O Japão é o principal doador e acaba de liberar outros 6 milhões de dólares. Isso vai permitir pagar cerca de 300 funcionários cambojanos que não recebem seus salários desde outubro. Os cerca de 130 internacionais que trabalham na Corte recebem seus salários em dia, das Nações Unidas.

“Se nos arrastamos durante anos com outras inculpações, os cambojanos vão questionar porque gastamos tanto dinheiro com isso, enquanto o país é tão pobre”, sublinha o cineasta cambojano. “O Camboja passou pelo genocídio; a paz voltou; o país hoje está desminado; o governo, portanto, fez coisas boas. Mesmo se, claro, outros problemas perduram, como a corrupção ou divisão desigual das riquezas.”

De fato, o Camboja continua a ser uma democracia balbuciante. Mas as liberdades são melhor respeitadas do que em muitos países da região, segundo o consultor Raoul Marc Jennar, ouvido como testemunha no processo de Duch e conselheiro regular do governo cambojano.

Impacto positivo

Além disso, Rithy Panh, diz que houve consequências positivas do processo de Duch: “Até agora, mais de 120 mil cambojanos de todas as províncias assistiram ao primeiro processo e isso continua com os outros dois altos dirigentes. Outro ponto positivo é que os cursos de história dedicam há dois anos um espaço importante ao genocídio praticado pelo regime de Pol Pot.”

O cineasta conclui: “Frente a esse genocídio e suas consequências, a justiça não pode fazer tudo. Se houvessem mais recursos, seria preferível investir na documentação e no acesso dos cambojanos à sua história recente. Para mim, é tão importante quanto o próprio processo. O Camboja precisa reencontrar seu orgulho.”

Depois de ter feito S21, a máquina de morte khmer vermelho, o cineasta franco-cambojano Rithy Panh prosseguiu sua viagem na memória do genocídio cambojano com Duch, o mestre dos fogos do inferno

Esse documentário recebeu recentemente o Grande Prêmio – dez mil francos suíços – no Festival do Filme e Fórum Internacional sobre os Direitos 

Humanos, em Genebra.

O regime Khmer Vermelho começou em 17 de abril de 1975 e caiu em 7 de janeiro de 1979.

Mais de dois milhões de pessoas morreram durantes esses três anos, oito meses e vinte dias.

Uma guerra civil sucedeu ao regime khmer vermelho. Ela terminou em 1998, quando as estruturas políticas e militares dos khmers vermelhos foram desmanteladas.

Em 2006, um tribunal composto de juízes internacionais e cambojanos começou com a instrução de cinco acusados.

Kaing Guek Eav ou Duch (antigo diretor de S-21) foi reconhecido culpado em primeira instância em 2010 de crimes contra a humanidade e graves violações das Convenções de Genebra de 1949. Recorreu, mas foi condenado em 2012, à prisão perpétua.

O processo de altos dirigentes do regime khmer continua : 

Khieu Samphan, antigo chefe do Estado do Kampuchea democrático.

Ieng Sary, antido ministro das Relações Exteriores do Kampuchea democrático.

Nuon Chea, ex-presidente da Assembleia Nacional do Kampuchea democrático e secretário-adjunto do Partido Comunista do Kampuchea.

Ieng Thirith, ex-ministra dos Assuntos Sociais do Kampuchea democrático. Ela é examinada pelos médicos por causa de demência

Cinco novos casos estão em fase de instrução.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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