“Não deixe de lutar pelos seus direitos”
Em 1971, Hanna Sahlfeld-Singer foi uma das primeiras mulheres a serem eleitas para o Parlamento suíço. A suíça lutou pelos direitos da mulher ao longo da vida e pagou um alto preço por isso.
Ela é provavelmente uma das mais conhecidas suíças do estrangeiro. Já vive na Alemanha há mais de 45 anos. Uma consequência paradoxal da luta bem-sucedida pelo direito de voto da mulher.
Ao ser entrevistada pala swissinfo, a pastora protestante de 77 anos não se mostra amargurada. Porém Hanna e sua família tiveram de superar muitos obstáculos ao longo da vida.
Ela não considera que sua biografia mereça atenção da mídia. Porém a memória do voto histórico dado há 50 anos ainda continua viva e, até admite: ainda a emociona.
“…Em 7 de fevereiro de 1971 retornávamos a Suíça após uma visita a amigos no norte da Alemanha. À noite assistíamos o noticiário na televisão do hotel e então descobrimos: as mulheres suíças podem agora votar.
Série “50 anos do sufrágio feminino”
Com a aprovação da proposta em 1971, a Suíça se tornou um dos últimos países a introduzir o princípio do sufrágio universal. O país alpino, considerado um modelo de democracia direta, passava a ser uma jovem democracia liberal.
SWI swissinfo.ch aborda em um dossiê esse importante momento histórico do país. Uma reportagem leva o leitor à Appenzell Rodes interior, que, em 1991, foi o último cantão a introduzir o sufrágio feminino em nível cantonal e comunal.
Em 4 de março de 2021, a SWI swissinfo.ch organiza um debate digital sobre o tema “50 anos de sufrágio feminino: antiga questão de poder – nova batalha com novas cabeças”.
Meu marido e eu gritamos juntos! Foi – e ainda hoje o é – um momento extraordinário e emocional.
Mas ficou claro para mim que a decisão tomada naquele dia teria apenas efeitos práticos limitados, pelo menos por um certo tempo. No cantão de St. Gallen, onde vivíamos na época, as mulheres continuavam a não ter direito de voto em nível local ou regional. Pelo menos, dentro da Igreja Protestante, as mulheres tinham o direito de votar.
Eu não consigo me lembrar de nenhuma reação concreta ao voto no meu círculo pessoal ou nas conversas com outras mulheres sobre o tema. Minha vida cotidiana continuava normalmente. Eu estava bastante ocupada com meu trabalho de pastora na Igreja, que também incluía visitas regulares às pessoas doentes.
Ainda adolescente já tinha consciência da desigualdade vivida pelas mulheres na sociedade, pois estavam excluídas e não podiam participar da tomada de decisões. Era um tema que discutíamos bastante em casa.
Mesmo na minha profissão cheguei a viver algumas injustiças. Como pastora protestante e mulher casada só conseguia empregos temporários ou de meio período. Mas pelo menos minha atitude em relação às questões sócio-políticas era conhecida publicamente, já que já havia proferido discursos no Dia da Suíça antes de 1971. Meu marido, como alemão e pastor protestante, sempre me passava os convites feitos pelas autoridades locais para fazer os discursos comemorativos de 1º de agosto.
Assim, as pessoas sabiam que eu não só era capaz de pregar, mas também de pensar politicamente.
Porém o discurso que fiz em 1970 foi criticado. Ao invés de apenas elogiar as virtudes da Suíça, eu tomei a liberdade de pedir mais respeito pelas opiniões dos outros. Também reivindiquei a introdução de um serviço civil para os homens que eram objetores de consciência e se recusavam a prestar o serviço militar obrigatório.
É difícil pensar nas condições que imperavam naquela época, quando você vê como as mulheres hoje em dia podem participar naturalmente da vida social e política. Como pastora, por exemplo, era membro do comitê escolar que se ocupava do ensino de artesanato e aulas de economia doméstica para as meninas. Eu gostava desse trabalho. Porém não era possível opinar sobre outros temas, especialmente para a opinião pública e as autoridades.
No período que antecedeu as eleições parlamentares de outubro de 1971, os partidos políticos procuravam mulheres dispostas a se candidatar. O único partido que me agradava era o Partido Socialdemocrata, que há muito tempo já se engajava pela igualdade de direitos políticos.
Nem eu, meu marido ou meus pais acreditávamos que poderia ser eleita. Todavia era óbvio que se você tem exigências e luta por elas, também tem de estar disposta a agir. Portanto comecei a fazer campanha eleitoral. Meu custo eram apenas os bilhetes de trem que tinha de comprar.
Eu sabia que homens de um outro partido político, mais especificadamente, os liberais de St. Gallen, tentavam impedir minha eleição com truques legais. Eles argumentavam que não era permitido a pastores protestantes serem eleitos para o Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) devido ao artigo 75 da Constituição Federal. Era uma lei que havia sido introduzida em algum momento da nossa história contra os disposição tinha sido dirigida contra os padres católicos.
Para mim, era crucial mostrar que as mulheres podiam ter reinvindicações e atingir seus objetivos. Na época não imaginava que poderia realmente ser eleita – e que isto teria consequências de longo prazo para minha vida.
Após ser eleita, tive primeiramente de encontrar uma forma de poder conjugar o exercício do cargo com o meu trabalho. Eu concordei em trabalhar sem remuneração como pastora e assumir tarefas que são geralmente destinadas às esposas dos pastores. Ou seja, não podia mais fazer a pregação na igreja, mas sim ajudar na paróquia e visitar doentes.
Acredito que meus adversários políticos não ficaram muito felizes quando consegui contrapor o ataque deles ao meu mandato.
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“Sem o direito de voto para as mulheres, a Suíça não seria uma democracia”
O apoio de meus pais – e meu marido, que ficou cuidando dos filhos durante aquele tempo – foi fantástico. Naqueles anos, era incomum para um pai assumir tarefas como trocar fraldas de criança.
Por outro lado, a situação profissional do meu marido piorou. Como estrangeiro passou a ser alvo daqueles que me criticavam. Eles desconfiavam do trabalho que fazia na Igreja e o ambiente ficou muito ruim para ele.
Para resolver esse problema quase sem solução, decidimos que ele iria procurar emprego em outra paróquia. Mas não ajudou. Nós necessitávamos de uma renda regular para uma família de quatro pessoas. O problema é que, na época, os deputados-federais recebiam apenas uma indenização mínima para o exercício do seu mandato. Hoje a situação mudou.
Tudo ficou mais difícil para mim, embora tenha conseguido exercer – e com muito empenho – o meu mandato por quatro anos no Parlamento suíço.
Em 1975 fui reeleita com um ótimo resultado, embora os sindicatos, ainda dominados pelos homens, não me apoiassem, mesmo sendo eu uma social-democrata.
No final do mesmo ano renunciei ao meu mandato. Nós mudamos então para a Alemanha, onde meu marido havia encontrado um emprego. Foi uma decisão tomada em prol da família e pela nossa profissão. Na época algumas pessoas diziam que meu marido havia se separado de mim e que nosso modelo de casamento moderno era inadequado.
Vivemos na Alemanha desde 1976. Eu não estou mais engajada na política partidária. Rapidamente encontrei um emprego como pastora protestante em uma escola secundária. Também já trabalhei em projetos de ajuda ao desenvolvimento, principalmente dentro da igreja.
Se sou amargurada com a experiência que tive há mais de 50 anos? Absolutamente não! Assim era a situação na época.
Foi muito bom ver que outras mulheres se tornaram politicamente ativas após minha demissão do Parlamento.
Pessoalmente considero que devo muito a mulheres que lutaram pela igualdade de direitos antes de mim, mas que não foram recompensadas pelo esforço. A luta delas foi importante para mim. Hoje estou satisfeita de ver que muitas coisas melhoraram, mesmo que todos os objetivos ainda não tenham sido alcançados.
As novas gerações de mulheres, preciso dizer: faça atenção e lute pelos seus direitos. É mais fácil descer as escadas do que voltar a subir nelas.
Também é importante para mim dizer que não são motivos egoístas que nos impulsionam. Às vezes é mais promissor resolver pequenos problemas em nível pessoal. Soluções políticas necessitam de grandes questões…”
(edição: swissinfo.ch/urs – adaptação: Alexander Thoele)
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