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“Suíços se opõem à europeização”

"O governo e o parlamento partiram da ideia de que povo tinha o direito votar cada acordo, mas jamais de dizer não", comenta o professor Wolf Linder. Keystone

A política europeia é sobretudo uma política das elites e tem deficiências importantes. É só a Suíça que outorga a seus cidadãos os meios de se pronunciar sobre o processo de europeização. A entrevista a seguir mostra o ponto de vista do cientista político Wolf Linder.

O “sim” dos suíços à iniciativa “contra a imigração em massa” provoca muitas reações, inclusive além das fronteiras helvécias. Certos europeus acusam a Suíça de querer somente as vantagens da União Europeia, sem pagar o preço ou de ceder ao populismo. Outros a felicitam. Segundo o professor Wolf Linder, ex-diretor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Berna, uma jornada em que os cidadãos podem ter a última palavra é sempre uma boa jornada.

O Conselho Federal (governo) fixou as primeiras etapas relativas à legislação de aplicação da iniciativa da imigração. Até fim de junho, os três ministérios principalmente implicados (Justiça e Polícia, Relações Exteriores e Economia, Formação e Pesquisa) devem formular um plano de aplicação. Um projeto de lei ficará pronto até o final de 2014. O prazo de três anos previsto no texto da iniciativa é extremamente curto para um dossiê tão complicado em que todas as questões estão em aberto, sublinhou Didier Burkhalter, chefe da diplomacia e atual presidente do país.

Didier Burkhalter reconheceu que as reações de seus coletas europeus ao voto suíço não foram positivas. Seu ministério está encarregado de entrar em contato com as capitais europeias a fim de prosseguir as relações favoráveis às duas partes. Ele próprio irá a Berlim na próxima semana, visita prevista de longa data. Os outros ministros também aproveitarão de seus próximos encontros com seus homólogos europeus para explicar.

 

O presidente também falou das primeiras consequências do voto de domingo: A UE retirou de sua agenda desta semana as discussões das questões institucionais, afirmou. Berna e Bruxelas querem renovar a via bilateral. Com um mandato de negociações desde dezembro, o governo federal espera que a UE faça o mesmo. Com relação às negociações sobre a eletricidade, Didier Burkhalter explicou que, por enquanto, uma reunião de trabalho foi adiada. Quanto ao acordos de Schengen/Dublin e sobre a pesquisa, ela afirmou que existem interesses mútuos, lembrando que a Suíça é um “motor” da pesquisa na Europa.

A Suíça não pode decidir tudo sozinha e o governo não pode prometer um resultado positivo, advertiu. Afora a interdição de concluir um tratado internacional contrário ao novo artigo constitucional (resultante da iniciativa), nenhuma disposição é aplicável imediatamente, acrescentou o presidente. O acordo sobre a livre circulação resta em vigor até uma eventual rescisão.

Portanto, nada vai mudar rapidamente para os estrangeiros na Suíça nem para os suíços estabelecidos nos países da UE. Não é preciso ter medo. De qualquer maneira, o acordo bilateral prevê a garantia dos direitos adquiridos.

 (ats) – Agência suíça de notícias

swissinfo.ch: Muitos estrangeiros têm inveja da democracia direta. Questionados na rua, cidadãos europeus felicitaram os suíços. O senhor fica orgulhoso, como suíço, desses aplausos?

Wolf Linder: Os direitos populares são sempre direitos de oposição, em primeira linha contra o governo, sobretudo em questões de política interna. Vemos hoje uma internacionalização da política. A política interna e a política externa não podem mais ser claramente separadas. É por isso que os suíços descobriram domingo passado uma maneira totalmente nova de praticar a democracia direta. Eles podem fazer oposição ao processo de globalização ou de europeização.

Nenhum outro país europeu permite isso. A política da UE sendo  essencialmente elitista e marcada por deficiências democráticas, não me surpreende que pessoas de outros países felicitem a Suíça.

swissinfo.ch: Mas não se vê realmente esforços, em outros países, para adotar o sistema suíço. Por que?

W.L.: A democracia direta não é um produto de exportação. Todos os países têm suas próprias tradições e sua própria cultura. Introduzir a democracia direta é difícil porque as elites políticas devem aceitar perder uma parte de seu poder de decisão. São sobretudo as elites – políticas, parlamentares, partidos – que se opõem a toda forma de democracia direta, por exemplo afirmando que o povo seria inapto.

swissinfo.ch: Na iniciativa que acaba de ser aprovada, mesmo seus autores não disseram como o texto pode ser colocado em vigor. Também não se sabe como os cidadãos gostariam de aplica-lo. Como o governo pode aplicar o texto respeitando a vontade popular?

W.L.: A iniciativa significa inserir na Constituição um princípio que diz “nós não queremos que a imigração continue da mesma maneira que ocorreu nos últimos anos”. Cabe ao governo e ao Parlamento colocar esse princípio em aplicação.

swissinfo.ch:Já há um debate sobre a distinção entre estrangeiros que serão autorizados a vir e os que não serão. De tudo um pouco, ou então mais pessoas qualificadas do que não-qualificadas, nenhum refugiado ou somente os “falsos refugiados”? Qual era a vontade popular desse ponto de vista?

W.L.: O povo não tem uma ideia precisa de como e de onde a imigração deve ser contida. Não se trata apenas da livre circulação de pessoas com a UE, mas de um problema delicado e paradoxal, no plano social que é o controle da imigração.

As normas constitucionais não devem citar números ou instrumentos precisos. São princípios que permitem adaptações às circunstâncias particulares. Nesse sentido, não é possível contestar a iniciativa. Isso dá ao Parlamento e ao governo federal a margem de manobra necessária.

Numa segunda fase, o povo terá novamente a possibilidade de se opor, por referendo, à aplicação da iniciativa na lei.

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swissinfo.ch: A democracia direta colocou um ponto final nas relações bilaterais com a UE?

W.L.: De certa maneira sim. Nós seguimos a via bilateral com base em votações populares. Era arriscado. O governo e o Parlamento partiram da ideia que o povo poderia decidir sobre todos os tratados, mas sem jamais votar “não”. No entanto, foi o que fizeram os cidadãos, colocando em questão a via bilateral.

Mas como as duas partes, tanto a Suíça como a União Europeia, têm interesse em prosseguir a via bilateral, espero que o governo tente mostrar que os contingentes de imigrantes são compatíveis com a livre circulação das pessoas.

swissinfo.ch: O senhor é um ferrenho defensor da democracia direta. Mas também existem abusos, principalmente quando políticos criam medos infundados ou quando certas pessoas são apresentadas como culpadas de todos os males. O risco de abuso aumentou?

W.L.: Certos especialistas temem que a mediatização e a personalização da política coloca em perigo a democracia direta. Eu não sou tão pessimista, menos num ponto: no século 20, os partidos políticos tiveram uma certa tentação pelo populismo. Hoje, o populismo aumentou, através de certas iniciativas. Deixar de falar objetivamente mas somente emocionalmente é um perigo para a democracia direta.

swissinfo.ch: Como lutar contra esse perigo?

W.L.: É preciso confiar na força de autocontrole do sistema, na responsabilidade dos partidos políticos, que não devem ceder à tentação populista.

swissinfo.ch: No começo da semana, num canal da televisão pública alemã, o redator-chefe do semanário Weltwoche, o suíço Roger Köppel, e o vice-presidente do Partido Social Democrata, Ralf Stegner, se criticaram mutuamente suas concepções simplistas da democracia. A democracia direta suíça é mais democrática do que a democracia representativa alemã?

W.L.: Eu colocaria em oposição os dois sistemas, mas com prudência. Na Alemanha, as eleições são muito importantes; eles provocam alternância entre governo e oposição. Na Suíça, temos a concordância. É por isso que as eleições tem menos efeitos. Mas nós temos uma democracia direta que permite decisões autênticas.

A democracia direta não é uma solução em si, mas um complemento ao sistema parlamentar. Nesse sentido, ela é “mais” democrática.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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