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Petições são importantes para a democracia suíça

String of people holding up several pages of signatures they raised for their petition.
Keystone / Martial Trezzini

A petição é a mais antiga tradição democrática da Suíça. Milhares de eleitores assinam abaixo-assinados, que são levados depois ao Parlamento em Berna. Nossos arquivos revelam como esse instrumento mudou ao longo dos anos.

O direito de entregar uma petição vem do tempo em que se construíam pirâmides no Egito. Operários contratados para transportar blocos de pedra pesando várias toneladas pleiteavam, dessa forma, melhores condições de trabalho. A prática sobreviveu através dos séculos. Súditos entregavam petições aos seus reis, pedindo o atendimento às suas reivindicações. Esse direito foi incluído na Constituição Suíça de 1848, ano em que o país se tornou um Estado federativo.

Em contraste com o referendo e a iniciativa popular (implementada em 1874 e 1891), as petições não levam a uma votação nacional. E não exigem uma resposta formal do governo.

Instrumentos da democracia suíça

Iniciativa popular: possibilita aos cidadãos apresentar propostas para a alteração ou complemento da Constituição. Seu efeito consiste em estimular o debate político sobre um tema específico restrito ou em relançar esse debate. Para que uma Iniciativa popular seja válida e possa ser levada a votos, têm que ser recolhidas 100 mil assinaturas em 18 meses. As autoridades podem apresentar uma contraproposta para uma Iniciativa popular e esperar que o povo e os representantes lhe deem preferência.

Referendo facultativo: com o referendo facultativo, os cidadãos podem fazer com que uma lei aprovada pela Assembleia Federal seja apresentada ao povo para votação. Dentro de 100 dias após a publicação do texto legislativo, têm que ser recolhidas 50.000 assinaturas para que se chegue a uma votação popular.

Referendo obrigatório: cada alteração à constituição por parte do parlamento está sujeita a referendo obrigatório, ou seja, deve ser apresentada ao povo para votação. A entrada da Suíça em determinadas organizações internacionais está sujeita a referendo obrigatório.

Petição: qualquer pessoa pode lançar e assinar uma petição sobre qualquer tema. Ela não exige um número mínimo de assinaturas. Também não há um formulário pré-definido. As petições não obrigam a uma votação. O governo deve apenas afirmar estar cientes da sua entrega, mas não estão obrigadas a respondê-la.

Fonte: EDALink externo e SWI

A aparente falta de eficácia desse instrumento democrático, que não representa um compromisso juridicamente vinculativo, não prejudica sua popularidade entre os eleitores. As autoridades suíças já receberam e lidaram com muitas petições entregues nas últimas duas décadas. Se em 1999 foram apenas nove, em 2012 já foram 68.

Os temas variaram. Uma delas exigia uma redução na população de corvos-marinhos (Phalacrocorax carbo) alegando os riscos que provocavam à fauna nativa. Outra já requeria do governo esclarecimentos em relação ao posicionamento da Suíça acerca de abusos dos direitos humanos no exterior.

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Quem apresenta?

A maioria das petições é apresentada em nome de grupos e organizações. Podem ser grupos bíblicos, sindicatos e até associações de defesa dos direitos dos animais. Só o Parlamento Jovem, uma instituição que agrupa pessoas dos 12 aos 30 anos de idade em exercício das funções normais de um parlamento, já apresentou pouco mais de 150 petições desde que foi criado em 1991. Os 200 participantes, dos quais uma grande maioria não tem ainda os direitos políticos, aproveitam as sessões anuais, organizadas nas dependências do Parlamento federal em Berna, para entregar suas reivindicações em forma de petições.

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Porém indivíduos também lançam petições, dos quais a maioria são homens. Muitas dessas pessoas já utilizaram esse instrumento para se fazer escutar nos debates parlamentares. Um dos mais prolíferos deles chegou a apresentar 22 petições.

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Maggie Blackhawk, professora na Universidade da Pensilvânia, estudou o perfil das pessoas que já entregaram uma petição Congresso americano até 1950 e descobriu que mulheres e grupos minoritários faziam petições regularmente.

“O processo de petição historicamente (no mundo) era um espaço para minorias. Era um contraponto ao direito de voto, um acréscimo, um espaço aberto às pessoas para participar do processo legislativo sem levar em consideração seu poder política”, observa Blackhawk. “Minha impressão é que esse mecanismo de representação se perdeu na Suíça moderna”. A análise feita pela SWI swissinfo.ch das petições apresentadas nos últimos 30 anos mostra que não há muitos nomes estrangeiros entre os autores.

Antes de conquistarem o direito ao sufrágio em 1971, as mulheres na Suíça entregaram muitas petições. Uma delas exigia já em 1929 o direito ao voto. Atualmente há poucas mulheres que utilizam esse instrumento. Com quatro petições já apresentadas, a jurista aposentada, blogueira e escritora Regula Heinzelmann foi a que mais apresentou petições nos últimos 30 anos. “Se tenho a impressão de que um tópico (abordados no meu blog) é bem recebido, sinto-me obrigada a representar publicamente a opinião dos leitores, até mesmo através de uma petição”, explica. “Sou aposentada. Posso fazer esse trabalho voluntário.”

Como as petições permitem a qualquer pessoa – independentemente da idade, nacionalidade ou direito de voto – ter acesso ao debate político, elas não são apenas um instrumento para o exercício do direito de expressão, mas possivelmente simbolizam a democracia em sua forma mais pura. Na Constituição americana, que inspirou a da Suíça, as dez primeiras emendas, conhecidas coletivamente como o Bill of Rights (“Carta de Direitos”), oferecem proteções específicas de liberdade individual, incluindo a liberdade de expressão. Porém o direito de voto não está explicitamente mencionado. “Assim podemos ver a petição como um complemento ao direito de voto – e em igualdade de condições – em vez de algo subsumido a este”, analisa a professora.

Regula Heinzelmann considera que as petições muitas vezes não trazem frutos políticos. Para evitar o impasse, ela tenta não iniciar uma petição para cada assunto, mas segue o programa parlamentar. Para o deputa-federal e co-presidente do Partido Socialdemocrata, Cédric Wermuth, fundamental é o momento de entrega da petição. “Não é que o Parlamento não queira lidar com a questão, mas na maioria das vezes a petição chega em um momento em que o processo parlamentar já está muito avançado”.

Gráfico de termos em português
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O próprio Cédric Wermuth é um dos poucos parlamentares ativos a já ter entregue uma petição. Mas não se considera uma exceção: na verdade, muitas organizações que iniciam petições são apoiadas por políticos ativos.

Números contam

Historicamente um ato individual, hoje as petições são apresentadas com milhares de assinaturas. Um exemplo ocorreu em fevereiro de 2021: 314 mil pessoas assinaram uma petição exigindo que a idade de aposentadoria para mulheres na Suíça não fosse modificada. Em junho de 2019, 340 mil pessoas assinaram uma petição lançada pela Associação dos Farmacêuticos Suíços, requerendo ao governo que abandonasse os planos de redução de custos do sistema de saúde e, ao contrário, investisse mais no atendimento básico. 

People posing in front of purple boxes containing several thousands of signatures raised for their petition
Em 15 de maio de 2021, vários sindicatos e grupos feministas entregaram uma petição, assinada por 300 mil pessoas, contra o aumento da idade da aposentadoria. Keystone / Peter Schneider

Sem a exigência de um número mínimo de assinaturas, considera-se que uma petição assinada por muitos tenha mais peso político. “É outra forma de gerar pressão. Como se você dissesse que muitas pessoas estarão insatisfeitas se o pedido não for atendido”, explica Wermuth. “Isto pode comprometer um projeto de lei já que você demonstra que uma decisão pode ser posteriormente contestada através de um referendo. De fato, a petição pode ser uma etapa preliminar ao referendo.”

Como as assinaturas de referendos e iniciativas (ver box) precisam ser coletadas em um determinado espaço de tempo, encontrar uma rede de pessoas com os mesmos interesses é crucial para o sucesso do processo. A assinatura de uma petição – seja online ou em papel – pode contribuir para a criação dessas redes. “Você reúne então pessoas que veem e falam sobre o assunto. As petições ajudam a construir essa comunidade” confirma Daniel Graf, fundador da WeCollect, uma plataforma suíça online para coleta de assinaturas.

A petição pode se tornar um evento de mídia, atraindo atenção dos eleitores. Seus autores posam diante de todas as assinaturas que coletaram e, muitas vezes, fazem questão de chamar a atenção do público, seja com máscaras e bandeiras coloridas.

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Petições no mundo

O instrumento da petição não existe só na Suíça, mas também está previsto nas constituições de muitos países. O Parlamento Europeu permite que qualquer pessoa residente em um país-membro apresente uma petição sobre 44 áreas de responsabilidade da União Europeia. As exigências e a eficácia das petições podem, no entanto, variar entre os países: no Grã-Bretanha, uma petição tem que ser assinada por 100 mil pessoas antes de ser discutida no Parlamento. Na Áustria, a petição necessita ser apoiada e apresentada por um parlamentar antes de ser discutida.

Em outras países esse direito difere. Na China a petição é uma tradição que vem do passado imperial. Na época, o poder central a utilizava para corrigir erros cometidos pelas autoridades locais. No entanto algumas reportagens atuais mostram que o direito do cidadão de denunciar abusos ou problemas pode ser diminuído através de violência e intimidação.  

Faça ouvir a sua voz!

Série SWI #liberdade de expressão

Em princípio está tudo claro. Os artigos 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ONU (1966) estipulam que “Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esses direitos incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha”. Na Europa, a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (1950) confirma a liberdade de expressão como um direito juridicamente vinculante (artigo 10). A Suíça consagra esta liberdade fundamental no artigo 16 de sua Constituição de 1999.  

Na prática, porém, muito permanece contestado. Muitos governos em todo o mundo não protegem o direito à liberdade de expressão, mas o atacam. Em outras partes do mundo, indivíduos e grupos se aproveitam da “liberdade de expressão” para justificar discursos discriminatórios e de ódio. Mas, embora seja um direito universal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Garantir e aplicar essa liberdade é equilíbrio bastante delicado.

Na nova série de artigos da SWI swissinfo.ch, abordamos vários aspectos, desafios, opiniões e desenvolvimentos em torno da liberdade de expressão, tanto na Suíça como no mundo. Fornecemos uma plataforma para que os cidadãos se expressem sobre o assunto, oferecemos análises de acadêmicos e destacamos desenvolvimentos locais e globais. E, naturalmente, os leitores são convidados a participar da conversa posteriormente e a fazer se ouvir.

Valor democrático

“A importância do direito de petição é fundamental para a legitimidade da democracia”. Porque se você tem um regime que representa apenas algumas pessoas, mas que regula todos sem permitir qualquer forma de representação, isso é problemático”, afirma Blackhawk. “Isso não soa com a voz povo, mas sim como se algumas pessoas estivessem regulando as outras.” 

Na Suíça atual as petições são utilizadas principalmente como veículos de campanha para políticos estabelecidos ou homens. Porém seu potencial permanece: as petições ainda estão abertas a todos.

Adaptação: Alexander Thoele

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