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Debate concentrado nos valores superados da realidade

Os homens que reduzem o trabalho para cuidar dos filhos ainda são raros na Suíça. Ex-press

A contraposição entre o modelo de família, com as mães que são donas de casa, e o das mulheres profissionalmente ativas está no centro de polêmicos debates políticos na Suíça. Para o cientista político Michael Hermann, discute-se sobre uma “velha visão romântica”, sempre mais distante da realidade.

A faísca que incendiou a discussão foi a iniciativa popular do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), sobre a qual o eleitorado votou em 24 de novembro de 2013. Essa proposta pedia uma dedução fiscal para os pais que cuidam pessoalmente dos filhos “pelo menos igual” àquela instituída aos responsáveis que deixam os filhos com terceiros (n.r.: a proposta foi refutada nas urnas por 58,5% dos eleitores).

Na primeira sondagem do instituto Gfs.bern, na metade de outubro, a iniciativa registrava um apoio de 64% dos entrevistados. Mesmo assim, a proposta era atacada por todos os outros partidos representados no parlamento federal, com exceção do evangélico e de uma forte minoria do Partido Democrata-Cristão (CVP).

Os adversários se mobilizaram para inverter a rota e o debate se concentrou sobre os modelos de família. Os opositores da iniciativa da UDC afirmam que ela reforçaria o sistema tradicional, levando as mães de volta ao forno e ao fogão de casa. Ao invés, quem defendia a iniciativa garantia que ela permitiria uma chance de escolha para as mães decidirem, livremente e em tempo integral, entre o trabalho ou a criação dos filhos em casa.

Diferenças culturais

Em uma análise, por conta da revista semanal SonntagsZeitung, Michael Hermann evidenciou, com cifras concretas, as diferenças entre as regiões linguísticas da Confederação, com respeito às atividades das mães.

A fatia das mães que são donas de casa na Suíça alemã é de 25,1%, e na Suíça francesa de 19,7%.  Aquela das mães que trabalham em tempo integral ou quase (acima de 70%) é de 24,4% na primeira e de 41,1% na segunda.

A situação do Ticino é curiosa. Ali, as proporções são de 37,1% para as mães “domésticas” e de 26,4% para as mães com uma atividade profissional, a partir de 70% para mais.

Fonte: Michael Hermann, sotomo

Discurso conservador, realidade avançada

Num primeiro olhar, os amplos consensos obtidos pela iniciativa na primeira sondagem indicariam uma propensão do povo a privilegiar o modelo tradicional de família. Evidentemente, “nos últimos anos, houve um notável reconhecimento da tradição”: valores e imagens conservadoras retornaram de moda, em muitos campos, afirma François Höpflinger, professor de sociologia da Universidade de Zurique, em entrevista ao jornal Tages-Anzeiger.

Entretanto, “a volta aos valores tradicionais está mais ligada ao nível de discurso. Ele se tornou um pouco mais conservador, mas as realidades sociais transformaram-se em mais progressistas. Os números falam claro: os divórcios ainda aumentam, as mulheres engravidam mais tarde do primeiro filho, a proporção de mães profissionalmente ativa, assim como aquelas com uma formação acadêmica, continua a crescer. As donas de casa são uma minoria”, realça para a swissinfo o cientista político Michael Hermann.

“É verdade, ao contrário, que hoje em dia não existe uma tendência a orientar tudo na direção das mulheres ativas profissionalmente, de modelos modernos de família, e a considerar ultrapassado aquele tradicional. Mesmo que a realidade se afaste cada vez mais deste tipo de modelo, existe ainda uma intenção positiva em relação ao cuidado dos filhos, por parte das mães”.

Isto ocorre, principalmente, nas regiões de língua alemã da Suíça. Não somente ela, mas nos países germânicos, em geral, está é muito forte “a velha visão romântica da criança que precisa da mãe e a ideia segundo a qual as crianças deixadas com terceiros seriam prejudicadas”, apontou Hermann. A Suíça francófona, ao invés, é influenciada pela França, “onde existe uma longa tradição de mulheres profissionalmente ativas e, por isso mesmo, deixar os filhos com alguém faz parte da normalidade.”

Não por acaso, também na Alemanha existe um debate parecido: as propostas da CSU para as famílias que se ocupam dos filhos são muito semelhantes à iniciativa do SVP, observa o cientista político de Zurique.

Nenhuma mudança

Mas qualquer que tenha sido o resultado do voto sobre a iniciativa SVP de 24 de novembro, segundo François Höpflinger, nada muda neste nível de percepção. “Não creio que os jovens levem em conta o valor fiscal quando fundam uma família. E, certamente, nenhuma mulher renuncia por isto a uma atividade profissional. Assim como não se volta à estrutura patriarcal”, comentou o sociólogo.

Uma inversão de tendência também exclui seu colega da Universidade de Neuchâtel, François Hainard. “A economia suíça precisa de pessoas ativas. As mulheres estudam e querem valer pelas suas competências. Uma segunda renda é, quase sempre, imprescindível por razões financeiras. Vivemos numa sociedade de consumo na qual cada um pretende manter um certo nível de vida. Além disso, a igualdade parental não é mais uma regra”, declarou o sociólogo ao jornal Le Temps.

No centro das preocupações da classe média

Certamente, as discussões sobre a política familiar não terminaram em 24 de novembro. Outras duas iniciativas sobre a família, promovidas pelo CVP foram depositadas e irão ser, provavelmente, submetidas ao voto nos próximos anos. Uma pede a igualdade no tratamento fiscal e no campo dos seguros sociais entre os casais e conviventes. A outra propõe a isenção dos impostos da “bolsa-família” prevista para os aos filhos e a formação.

Recentemente, por outro lado, a ministra das finanças Eveline Widmer-Schlumpf anunciou, numa entrevista ao SonntagsBlick, que o seu departamento está examinando uma mudança no regime fiscal das deduções para os filhos, que deveriam ser substituídas por contribuições.

“O debate sobre a família está estreitamente ligado àquele da classe média, que carrega muitas obrigações e que sofreu uma erosão. Em linha de máxima, a classe média sempre foi importante para todos os partidos. Mas somente nos últimos anos que, na arena política, desenvolveu-se uma consciência de que ter filhos representa também um risco financeiro para as famílias da classe média”, diz Michael Hermann.

Família e federalismo

Na Suíça, a maior parte das questões de política familiar é de competência dos cantões e, em parte das comunas. O governo federal tem uma margem de manobra muito limitada: intervém apenas em função da integração e da promoção.

Assim sendo, muitos aspectos da política familiar acabam sendo regulados em modos muito diversos. Essas diferenças são ulteriormente acentuadas pelas profundas transformações da sociedade nas últimas décadas e pelas fortes divergências entre os partidos sobre as questões de políticas familiares.

A mesma proposta – a igualdade de descontos fiscais aos pais que cuidam pessoalmente dos filhos e aqueles que os deixam em uma estrutura extrafamiliar – sobre a qual o eleitorado helvético votou em 24 de novembro já é realidade nos cantões Valais e Zug.

A tentativa de ampliar levemente a margem de manobra da Confederação na política familiar falhou no último dia 3 de março de 2013, próprio para o sistema federalista. A maioria dos eleitores (54,3%) tinha, realmente, aprovado o artigo constitucional que encarregaria a Confederação e os cantões pela promoção da conciliação entre o trabalho e a família. Mas o texto não conseguiu a maioria dos cantões: 15 rechaçaram, enquanto os outros 11 (todos os cantões latinos, além dos dois de Basileia aqueles de Zurique e Solothurn) aceitaram.

Adaptação: Guilherme Aquino

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