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Ajuda aos sem documentos continua sendo crime

Une femme avec une banderole
A militante dos direitos humanos Anni Lanz foi condenada por ajudar um refugiado doente a entrar na Suíça © Keystone / Valentin Flauraud

Quem ajuda estrangeiros ilegais na Suíça corre o risco de ser condenado, mesmo que aja por pura solidariedade. O Parlamento recusou introduzir uma exceção na lei por "razões dignas".

Artigo 116, parágrafo 1 da Lei dos EstrangeirosLink externo

“Quem, na Suíça ou no estrangeiro, facilitar a entrada, saída ou residência ilegal de um estrangeiro ou participar nos preparativos para essa entrada, saída ou residência será passível de uma pena de prisão de até um ano ou de uma pena pecuniária.

O “crime de solidariedade” não vai desaparecer na Suíça. A Câmara dos Deputados recusou a mudança da Lei dos Estrangeiros. A iniciativa parlamentar da deputada Lisa Mazzone pretendia acrescentar uma exceção ao artigo 116 para que as pessoas que ajudassem imigrantes sem documentos por “motivos dignos” não fossem condenadas. Ela foi rejeitada por 102 votos a 89 com uma abstenção.

“Não há diferença entre os atravessadores profissionais e as pessoas que agem por razões humanitárias”, lamentou Samira Marti, do partido socialista. Ativistas e membros da igreja são postos juntos com traficantes de pessoas”. Ela citou o caso de Norbert Valley, um pastor de Neuchâtel que foi processado por permitir que um homem sem documentos dormisse na igreja enquanto não conseguia encontrar outra solução.

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Norbert Valley

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Pastor punido por ter ajudado imigrante ilegal

Este conteúdo foi publicado em Norbert Valley está disposto a se defender no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O pastor em uma igreja evangélica no cantão do Jura foi condenado pelo Tribunal de Neuchâtel a pagar uma multa de mil francos por ter violado a Lei de estrangeiros. Razão: ter ajudado um solicitante de asilo político que se encontrava em…

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“A Suíça é um país com valores cristãos onde nos ensinam o amor ao próximo”, disse a deputada do partido verde Katharina Prelicz-Huber. “Não devemos criminalizar aqueles que ajudam pessoas em dificuldades”. O partido democrata cristão (PDC), no entanto, seguiu os outros partidos de direita por uma grande maioria e rejeitou a iniciativa. “Os juízes agora têm espaço de manobra suficiente e podem renunciar a sanções”, disse o democrata-cristão Gerhard Pfister. “Não queremos introduzir uma espécie de direito de resistência que afetaria nosso Estado de direito”, concluiu Jean-Luc Addor, membro do partido popular suíço (SVP, na sigla em alemão).

Intransigência suíça

“Não fazemos distinção entre os atravessadores profissionais e os que agem por razões humanitárias.”
Samira Marti, PS

No entanto, a Suíça é particularmente severa com quem que ajuda os imigrantes sem documentos, como revela uma pesquisaLink externo realizada pela Anistia Internacional em oito países europeus (Suíça, Croácia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Espanha, Itália e Malta). Em 2018, 972 pessoasLink externo foram condenadas por violação do artigo 116 da Lei de Estrangeiros.

A maioria dessas condenações não se dirigiu aos atravessadores (os chamados “coiotes”, n.d.r.) ou traficantes de seres humanos (32 casos são considerados “graves”), mas a indivíduos que agiram por simples solidariedade. A Anistia dá o exemplo de Anni Lanz, que foi punida por trazer um requerente de asilo doente da Itália para a Suíça. Ou de Valérie, uma requerente de asilo que acolheu uma de suas amigas em situação irregular e que, além da multa, teve uma entrada no registo criminal.

Rym Khadhraoui, pesquisador da Anistia Internacional, ficou surpreso com a dureza das autoridades suíças, que também punem pessoas que facilitam a permanência de imigrantes sem documentos. Na França, por exemplo, a lei foi alterada para incluir uma isenção humanitária dentro do território, embora não se aplique nas fronteiras.

“O que me impressionou foi também o número de pessoas não suíças que são condenadas apesar de serem mais vulneráveis, uma vez que sua permissão de residência está em jogo”, diz Rym Khadhraoui. “Para elas, a pena é dupla”. O pesquisador também observa a particularidade do sistema suíço, que permite que uma condenação seja proferida por uma ordem penal de um procurador, sem recurso a um processo.

“Os juízes têm agora margem de manobra suficiente e podem renunciar a sanções.” Gerhard Pfister, PDC

“Não é muito restritivo para a justiça, o que também explica o número muito elevado de condenações”, diz Rym Khadhraoui. “Isto mostra que as autoridades suíças não veem a lei como um meio de lutar contra os atravessadores, mas sim como uma ferramenta para controlar a imigração”.

Uma questão europeia

A Anistia Internacional apoiou a introdução de uma exceção por razões dignas no direito suíço, mas Rym Khadhraoui disse que a questão é um problema europeu que deve ser resolvido no quadro dos acordos Schengen-DublimLink externo: “Os Estados devem deixar de se culpar mutuamente e concordar em alterar a diretiva de 2002Link externo para deixar claro que a isenção humanitária é obrigatória e não discricionária”.

A Anistia Internacional pede que a Suíça e outros países europeus cumpram finalmente o Protocolo das Nações Unidas sobre o Contrabando de MigrantesLink externo, que considera que os indivíduos só são puníveis se eles retirarem, direta ou indiretamente, benefícios financeiros ou materiais. Isto exclui os atos de solidariedade.

Adaptação: Fernando Hirschy

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