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“Minha opinião não importa, mas sim a dos eleitores”

O candidato muçulmano do Partido Evangélico na sala de sua empresa em Winterthur. srf

Um jovem muçulmano de origem albanesa se candidata para as próximas eleições na Suíça por um partido evangélico. Porém Blerim Bunjaku não quer apenas inovar o cenário político do país, mas também a própria forma de fazer política: ele é o criador do primeiro app para parlamentares.

O reluzente BMW esperava frente à estação de trem em Winterthur, cidade distante meia-hora de Zurique. No volante, Blerim Bunjaku, 35 anos. Com os cabelos engomados, óculos modernos e o blazer bem cortado, combinando com a camisa quadriculada, o jovem empresário foge completamente à imagem disseminada pela imprensa “marrom” de albaneses musculosos e violentos, sempre provocadores. “Porém não há albanês que não goste de dirigir um carro desses”, brinca.

Enquanto percorremos a cidade em direção à sua empresa, Bunjaku conta que nasceu em um vilarejo do Kosovo, mas que chegou ainda bebê na Suíça com seus pais, típicos migrantes à procura de uma vida melhor. Porém seu currículo é uma histórica pouco típica: a de uma integração tão perfeita, que hoje até se candidata pelo Partido Evangélico (PEV, na sigla em francês) para as próximas eleições, uma novidade bastante comentada pela imprensa local, e também aposta nas novas tecnologias para trazer os eleitores de volta às urnas.

swissinfo.ch: Como os eleitores em Winterthur reagiram ao descobrir que o Partido Evangélico teria um muçulmano de origem cossovar como candidato?

Blerim Bunjaku: Houve, de fato, um certo tumulto. O partido recebeu vários telefonemas e e-mails de pessoas que são provavelmente muito conservadoras. O tema religião é muito sensível. Ontem, por exemplo, participei de um debate em uma associação muçulmana criada por estudantes para debater questões como a utilização do véu. Um moderador perguntou para mim: – “Senhor Bunjaku, o senhor é muçulmano, mas não dá para perceber. Primeiramente não tem barba, está vestido normalmente e é membro do Partido Evangélico”. Eu respondi dizendo que sou uma dessas pessoas que conseguiu se integrar, inclusive no que diz respeito também à fé.

swissinfo.ch: Mas o que levou você a entrar nesse partido?

B.B.: Para mim é irrelevante o partido para o qual um estrangeiro naturalizado como eu se engaje. O que importa é que ele se engaje e politize, não importa se é à direita ou esquerda. No meu caso, foram vários fatores que me levaram a entrar no PEV. Primeiramente eles reconheceram meu potencial. Ao mesmo tempo, compartilho dos valores desse partido, mesmo sendo muçulmano: amor ao próximo, família, economia social de mercado e outros. Eu também conhecia pessoalmente alguns dos seus membros, que me incentivaram e ajudaram a entrar na política.

swissinfo.ch: Mas a primeira experiência nas urnas não foi muito boa, não? No ano passado, durante as eleições para o conselho municipal em fevereiro de 2014…

B.B.: Sim, nesse momento tivemos muitas manchetes negativas nos jornais ao me candidatar e no final acabei recebendo muitos poucos votos. (n.r.: na contagem final, Bunjaku recebeu 1.620 votos e não foi eleito). Mas o que me surpreendeu foi a minha eleição para a comissão escolar (órgão de supervisão das escolas no município) em maio do mesmo ano, quando recebi muitos votos, até mais do que muitos suíços (n.r.: 4.565 votos).

swissinfo.ch: E o que isso representou para você?

B.B.: Isso me motivou bastante. Acho que nesse momento as pessoas começaram a ver que muçulmano não é sinônimo de terrorista.

swissinfo.ch: Como você lida com os medos difusos na sociedade suíça em relação aos muçulmanos e, ao mesmo tempo, a determinados grupos de migrantes como os albaneses e cossovares?

B.B.: Eu sinto que a sociedade ainda não avançou muito nisso. Ela precisa se abrir e se informar melhor sobre o que significa o Islã. Existem preconceitos e também problemas de compreensão. Eu critico diretamente o Partido do Povo Suíço (UDC), que é o partido que mais difama contra o Islã ou contra os albaneses e cossovares, especialmente através dos seus cartazes em que os albaneses são apresentados como pessoas violentas ou os minaretes como mísseis. Toda essa campanha provocou um medo entre na população, que depois foi aproveitado pela mídia. É uma pena…

swissinfo.ch: Mas esse medo não seria provocado por um suposto problema de integração de albaneses e cossovares na sociedade suíça, como se lê comumente na imprensa?

B.B.: Nós não somos mal integrados. Existem casos individuais, como em qualquer outro grupo migratório, de pessoas que não querem se integrar. Isso ocorre em qualquer país ou com qualquer povo. O problema é que especialmente a imprensa “marrom” se aproveita disso.

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swissinfo.ch: O que diferencia você de outros políticos na Suíça?

B.B.: Eu sou o primeiro político do país com um aplicativo no App Store e que tenta, através desse canal mais moderno, de politizar. Hoje em dia as pessoas “vivem” literalmente o seu celular, ou seja, elas passam 24 horas por dia com o aparelho. Por isso acredito que chegou a hora de refletir alguns instrumentos, inclusive mesmo o do ato de votar. A Suíça deve ter um papel pioneiro nesse sentido e privilegiar finalmente o voto eletrônico.

swissinfo.ch: Quais as vantagens para um político de ter o seu próprio app?

B.B.: Através dele, por exemplo, você pode ver os meus valores e objetivos. Também pode me conhecer um pouco mais pessoalmente. O app também tem uma parte de notícias, um calendário com as próximas votações e, o mais especial, é o questionário para se tornar suíço.

swissinfo.ch: Esse questionário foi muito comentado pela imprensa. Qual a razão?

B.B.: Eu queria oferecer um valor agregado. Pois oferecer um app com informações é bom, mas eu queria mais do que isso. Então refleti bastante e foi quando me lembrei do filme “Fazedor de Suíços” (n.r.: filme do diretor suíço Rolf Lyssy, um sucesso de bilheteria em 1978). A ideia era permitir ao usuário medir até que ponto ele é realmente um suíço através de questões que você encontra nos testes de naturalização encontrados em muitos lugares na Suíça.

swissinfo.ch: E qual foi a reação?

B.B.: O mais divertido é que tive muitos feedbacks, todos eles positivos. O que mais achei curioso é ter recebido tantos comentários de suíços. Alguns deles chegaram a escrever que não conseguiam acertar todas as questões (risos).

swissinfo.ch: E se você for eleito, como irá utilizar esse app?

B.B.: Para mim o importante é ser a voz do povo. A minha própria opinião não importa, mas sim a dos meus eleitores. Eu quero saber o que as pessoas sentem falta. E para isso, as novas mídias são o instrumento ideal.

swissinfo.ch: Mas muitos políticos suíços atuam na internet com suas próprias páginas ou nas redes sociais como Facebook. Qual é a diferença?

B.B.: A primeira diferença é poder oferecer algo como o questionário de naturalização. Nele posso explicar, por exemplo, como os conselheiros federais (n.r.: conselho de sete ministros que governam a Suíça) são eleitos ou os deputados do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), dos senadores no Conselho dos Estados e quais são as suas funções. São temas que podem ser úteis até para os suíços. Depois poderia também utilizar o app para perguntar aos meus eleitores como devo votar em determinada votação no Parlamento. Do app, ele me envia uma mensagem que é lida diretamente por mim. Ao mesmo tempo, também posso entrar em contato direto com meus eleitores através das notificações push (n.r.: mensagens enviadas por aplicativos ao dispositivo móvel), para tratar de temas do seu interesse.

swissinfo.ch: Esse tipo de tecnologia pode ajudar a combater um problema enfrentado pela Suíça e outros países democráticos como a baixa participação nas votações ou as abstenções?

B.B.: Como empresário e jovem político, eu defendo a aplicação crescente de votações eletrônicas. Nós chegamos ao momento, já dispomos de meios técnicos para isso e pessoas capazes de aplicá-los. Há sempre temas importantes para serem debatidos com a população, mas cada vez menos eleitores participam. Importante é animá-las a votar.

Pequena biografia

Blerim Bunjaku nasceu em 1978 em Kamenica/Dardane, no Kosovo, e chegou aos seis meses com os pais na Suíça. A infância passou em Kilchberg, Zurique. Desde 1992 reside em Winterthur.

Depois de se formar como eletricista, teve diversos empregos. Em 2004 abriu a sua própria empresa – Enyx – especializada em desenvolvimento de aplicativos e páginas de internet. Hoje a pequena empresa ocupa 12 funcionários, com a sede em Winterthur e filiais em Emmenbrücke e Lucerna.

O jovem empresário é candidato para as eleições para o Conselho Cantonal (abril) e para o Conselho Nacional (outubro) pelo Partido Evangélico.

Seu aplicativo no AppStore já foi baixado mais de 3.500 vezes e oferece, dentre outros, 60 questões de conhecimentos gerais sobre a Suíça, retiradas dos questionários de naturalizações de várias comunas e cantões.

Ele se considera um muçulmano não praticante.

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