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Presidente do Senado foi marcado pelo Brasil

Alain Berset em 2009
Alain Berset era senador pelo Partido Socialista em 2009 e também presidente do Conselho dos Estados (Senado). Na foto, o político aparece participando de um encontro do PS. Keystone / Jean-christophe Bott

Aos 38 anos, o presidente do Senado Alain Berset é um dos políticos mais influentes da Suíça. Formado em ciências políticas e doutorado em Economia, ele é um crítico contundente da intervenção do governo no UBS.


Eleito pelo estado (cantão) de Friburgo, o senador socialista morou oito meses no Brasil e continua acompanhando a política brasileira. Esse e muitos outros temas são abordados na entrevista a seguir.

O gabinete do presidente do Senado fica no Palácio Federal, em Berna, que abriga o Senado, a Câmara e os sete ministérios que formam o Executivo. Durante muito tempo não havia sequer revista das pessoas para entrar no Palácio Federal. Depois dos atentados do 11 de setembro, o controle como detetor de metais é o mesmo dos aeroportos.

O gabinete ocupado por Alain Berset tem uns 20 metros quadrados e nenhuma ostentação: uma mesa de reunião de madeira com oito poltronas vermelhas bastante usadas. Tem ainda uma pequena escrivaninha de trabalho. A maior comodidade é que o plenário do Senado fica a um minuto do gabinete. Mesmo nessa função, ele não tem salário, carro oficial nem motorista. O trajeto entre Friburgo e Berna (20 minutos) é feito de trem.

swissinfo.ch: Quais são os privilégios e responsabilidades de um presidente do Senado suíço

Alain Berset : Os privilégios não são muitos. O Parlamento suíço está habituado a funcionar com poucos recursos. Aqui realmente os parlamentares são pessoas como as outras e não praticamente não existem privilégios.

Por outro lado, as responsabilidades são muitas: refletir à organização do país, formular leis como em todo Parlamento etc. Quanto à função que ocupo, me cabe toda a organização do trabalho e a direção dos debates do Senado. Tomo muito tempo, mas é interessante.

Como presidente do Senado, tenho uma verba adicional de representação durante este ano de presidência. Se não, tenho a mesma verba dos demais parlamentares, que depende do número de sessões.

O Parlamento suíço tem um poder real ou o poder está em outras instâncias na Suíça?

O poder é como em toda a parte. Depende do assunto e pode variar de um tema a outro. Em teoria, na Constituição, o Parlamento suíço tem muito poder: legislar no plano federal, eleger os sete ministros (NR: que formam o Executivo Federal), eleger o presidente da Confederação (NR: cargo ocupado em rotação pelos ministros), eleger os juízes federais, votar o orçamento etc. Portanto é muito poder.

Mas onde está a outra parcela de poder?

Depende do assunto. Certos assuntos são decididos no Parlamento, outras vezes é o governo que decide, em outras áreas, como o social, pode ocorrer que os parceiros decidam. Também há decisões que são tomadas fora de todas essas instâncias, mas isso é comum a todos os países.

Em decisões realmente importantes e urgentes – como recentemente para tentar salvar o UBS e a mudança do sigilo bancário – o governo ignora o Parlamento?

Não exatamente. No caso do UBS, o governo anunciou um plano, mas posteriormente a questão foi votada no Parlamento. Pode-se argumentar que o Parlamento não tinha outra escolha, que se forçou a mão do Parlamento. É uma posição que se pode defender, mas os parlamentares aprovaram o investimento de 6 bilhões de francos no UBS.

No caso do sigilo bancário, também houve uma decisão do governo, que decidiu mudar tudo que era feito até agora. Nos últimos dias, o Senado debateu essa questão e a mesmo vai ocorrer na Câmara. No final, tudo deve passar pelo Parlamento.

No entanto, não se pode criticar o governo por agir quando a situação é complicada. No caso do sigilo bancário, a Suíça estava sob pressão dos Estados Unidos e de países europeus. Acho que foi correto o governo anunciar rapidamente o que pretendia fazer para resolver essa situação.

Houve muitas críticas acerca do investimento de dinheiro público no UBS, inclusive de sua parte.

Eu não fui o único. Eminentes especialistas suíços e estrangeiros se surpreenderam com a quantia de recursos que foi preciso investir para salvar um só banco. A proposta inicial foi de 60 bilhões – 6 do governo federal e 44 do Banco Central (BNS) – no final será um pouco menos, mas pouco importa.

Isso é quase 10 mil francos por habitante, o que é um montante absolutamente enorme. Contudo, esse montante deve levar em conta o tamanho enorme dos bancos que temos na Suíça, para as pequenas dimensões do país, em comparação internacional.

Isso é um caso único no mundo e eu também fiquei surpreendido no outono passado ao constatar que não havia garantia de retorno do investimento, se as coisas melhorarem dentro de cinco ou dez anos.

Porque o Senado não conseguiu limitar os salários dos quadros do UBS?

Houve um debate e um voto democrático e a questão volta para a comissão parlamentar. Essa questão ficará em debate e, de minha parte, espero que se chegue um compromisso que leve em conta os interesses do UBS, mas também não acho decente que, depois do investimento de uma grande soma de dinheiro público, sejam pagos bônus de dezenas de milhares de francos.

Com o UBS e o sigilo bancário, a imagem da Suíça foi seriamente afetada?

É verdade que a imagem da Suíça foi atingida. Eu mesmo constato isso em minhas viagens como presidente do Senado. Notei, no entanto, que a imagem da Suíça foi mais afetada nos países vizinhos, em particular da União Europeia. Por enquanto, essa imagem é muito melhor nos países mais distantes, com exceção dos Estados Unidos.

Eu acho que o anúncio do governo, em fevereiro, de que a Suíça vai adotar as regras internacionais em matéria de sigilo bancário tende a melhorar essa situação ou, em caso, freia a degradação da imagem no estrangeiro.

É claro que, para os que pensavam que a Suíça era uma espécie de paraíso na terra, imune a problemas, constatam que a Suíça é um país como os outros, que pode ser atingido por uma crise internacional, mesmo mais seriamente que outros devido ao tamanho dos bancos que temos.

Quando há urgência, o governo é acusado de reagir e não de agir. O que o senhor acha?

Foi muito discutido que o governo (Conselho Federal) demorou demais para agir, no caso do sigilo bancário. É verdade que é um pouco surpreendente que a pressão subiu durante meses e que depois cedeu tudo de uma vez. Pode-se questionar se a situação não seria melhor se o governo tivesse agido antes, livremente e não sob pressão.

Por que não foi assim? Talvez porque se acreditava que os países que nos ameaçavam não agiriam de fato.

Por outro lado, os países vizinhos estão em crise econômica grave e cada um defende seus próprios interesses. Nessa situação, a Alemanha não vê com bons olhos um país vizinho que protege os fraudadores do fisco alemão. O governo francês de Nicolas Sarkozy faz as mesmas reflexões.

Eu compreendo a reação desses países, mas nós deveríamos ter agido antes de maneira mais ativa para defender melhor os interesses do país.

A economia suíça está em recessão e há muitas críticas quanto aos planos para reativar a economia. Depois do UBS, acabou o dinheiro?

Dois pacotes de medidas conjunturas foram adotados pelo Parlamento. O governo fala atualmente de um terceiro pacote. Parece pouco comparado aos países vizinhos, mas é enorme em relação à situação do país dois ou três anos atrás, quando jamais haveria maioria para votar um pacote conjuntural. Hoje, esses pacotes são votados quase por unanimidade. Isso demonstra que alguma coisa mudou na mentalidade e esse é um passo importante.

Mas é verdade que se pode discutir os montantes investidos. Na Suíça, não temos o hábito de prometer sem poder cumprir. Então, os planos suíços são relativamente modestos comparados a outros países, mas são realistas e poderão ser realizados.

Prometer muito e não fazer nada, não resolve. É melhor prometer menos e poder fazer alguma coisa. Temos uma visão mais pragmática das coisas. O G-20, por exemplo, prometeu um plano de 5 trilhões de dólares. Muito bem. Se você tem 5 trilhões para investir, mas não sabe onde nem como não adianta nada.

Os acordos bilaterais da Suíça com a União Europeia ainda têm margem de manobra ou a Suíça deve aderir à UE?

Os acordos bilaterais são uma consequência de uma decisão muito importante tomada em votação popular em 1992, de não aderir ao Espaço Econômico Europeu, uma forma de aproximação da UE. Esses acordos foram feitos nos anos 90 e ampliados na década seguinte. Hoje, sabe-se que eles brevemente estarão esgotados.

Há acordos em quase todas as áreas, o que faz da Suíça quase um membro da UE, sem o direito de participar das decisões. A única coisa que falta é ter direito à palavra em Bruxelas e de influenciar nas decisões. Por enquanto, na hora de decidir, temos de ficar atrás da porta.

Então acho que brevemente teremos que questionar se vamos aderir ou não. Em todos os meios realistas na Suíça essa questão é colocada. No fundo, o que devemos fazer é procurar o caminho de interesse do país. Se acharmos que é do interesse do país durante dez ou quinze anos a via bilateral, devemos mantê-la.

Se um dia chegarmos à conclusão de que a adesão representa melhor o interesse do país, optaremos pela adesão. Não adianta ser dogmático. Aderir amanhã não é proposta séria e dizer que jamais vamos aderir também não é sério. Ninguém pode dizer hoje qual será a situação dentro de cinco ou dez anos. É preciso manter a flexibilidade para agir, sempre, no interesse do país.

Parece iminente a saída de dois ministros do Executivo, um do Partido Socialista (Moritz Leuenberger) e outro do Partido Radical (Pascal Couchepin). As grandes manobras já começaram?

Os jornais é que falam da saída de ministros e dão a impressão de grandes manobras nos bastidores. Na realidade, as coisas ocorrem de maneira muito mais simples e pragmática. Por enquanto, ninguém se demitiu e acho muito cedo para fazer especulações.

Quando isso ocorrer, tudo dependerá do momento, do contexto e da conjunção de forças, e elas evoluem. O Partido Socialista ocupou durante bastante tempo o Ministério do Interior, com bastante sucesso na política de Saúde. Há anos que esse ministério é ocupado pelo Partido Radical Democrático (PRD), com resultados bem relativos. É um ministério difícil, mas talvez os socialistas possam novamente demonstrar sua experiência e competência nessa área. Mas também pode ser em outras áreas.

Não deve haver tabu e sim um debate sobre o interesse do país e a composição do governo e, consequentemente a repartição de ministérios que permita defender o interesse geral. Eu acho que devemos refletir sobre tudo, embora isso não queira dizer que possamos fazer tudo. Isso significa que o Partido Socialista não tem ministérios reservados e pode mudar.

Qual seria a melhor solução para que os suíços do estrangeiro sejam, enfim, representados no Parlamento federal?

Primeiro essa população é muito importante, quase 10% da população (suíça). Ela é importante em número e muito importante também pela imagem que representa para o país nos cinco continentes. Eu sempre fui a favor de uma representação da Quinta Suíça no Parlamento. Outros países o fizeram, portanto, é realizável. Temos no Partido Socialista alguns membros que conhecem muito bem a questão, como o deputado federal Carlo Somaruga.

Nas eleições parlamentares de 2007, tentamos reunir maiorias em torno desse assunto. É interessante notar que, antes das eleições, todos os partidos se diziam mais ou menos de acordo com essa idéia. Depois das eleições, quando Somaruga apresentou sua proposição, os outros partidos de repente eram muito menos entusiastas.

Mas eu espero que possamos encontrar rapidamente uma forma de representação na Câmara (Conselho Nacional). No Senado (Conselho dos estados), é mais difícil porque institucionalmente é muito complicado. A representação por cantão é fixa, estabelecida na Constituição e é difícil aplicar as mesmas regras para os suíços do estrangeiro.

O que o levou a morar oito meses no Brasil?

Ah, já faz tempo. Foi em 1991 e eu tinha 19 anos. Foi entre o fim do colégio e o ingresso na universidade. Eu queria ter uma experiência no estrangeiro e, se possível, ser útil. Pensei em dar aulas na Aliança Francesa. Tinha a possibilidade de fazer isso no Brasil, mas quando cheguei não deu certo.

Aí resolvi ficar, conhecer o país e aproveitar da música. O que mais me marcou foi a facilidade no contato caloroso com as pessoas. A possibilidade de fazer amigos em muito pouco tempo. Quando a gente vem da Suíça, onde as relações inicialmente são mais frias e distantes, isso é um contraste.

Também fui muito marcado pela música brasileira, que é de uma riqueza incrível. Tem ainda essa capacidade de fazer a música evoluir através do contato entre correntes. Havia a música tradicional, a influência do jazz na bossa nova, a influência da bossa nova no jazz. Era muito interessante acompanhar isso e tive muito prazer.

Depois dessa estadia, o senhor continua a ter interesse pelo Brasil?

Naturalmente. Leio tudo o que sai sobre o Brasil na imprensa internacional. O que me impressiona é que em 1991 era uma jovem democracia e com que velocidade o Brasil chegou à maturidade democrática.

Por outro lado, a decolagem econômica de que se falava não é tão evidente assim. Há o grande problema da repartição de riquezas, o que não se pode fazer rapidamente em um país tão grande e complexo. Sei que essa questão também tem evoluído na boa direção.

Por outro lado, já se falava na época de que o Brasil se tornaria uma potência econômica de primeiro plano. Vinte anos atrás, o país não tinha o espaço que tem hoje nas organizações internacionais. Tornou-se incontornável na Organização Mundial do Comércio e no G-20. Isso tem a ver com a evolução e com o tamanho do país.

Como o senhor vê as relações entre a Suíça e o Brasil?

Essas relações são antigas e também muito emocionais. Eu, por exemplo, sou do cantão de Friburgo e sei que, no século 19, a Suíça era um país muito pobre em que muita gente passava fome. Houve muita emigração da Suíça para o que se chamava então de Novo Mundo. Eu visitei Nova Friburgo, fundada por suíços que emigraram de Friburgo. Hoje existem contatos entre as duas cidades e isso nos permite manter essa memória das relações entre as populações dos dois países.

Claudinê Gonçalves, swissifo.ch

Alain Berset nasceu em Friburgo, em 9 de abril de 1972.

Formou-se em Ciências Políticas (2005) pela Universidade de Neuchâtel, onde também fez doutorado em Economia (1996).

Foi professor assistente e pesquisador no Instituto de Economia Regional da Universidade de Neuchâtel (1996-2000).

Pesquisador convidado no Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de Hamburgo, Alemanha (2000-2001).

Conselheiro estratégico junto ao Departamento de Economia do Cantão de Neuchâtel (2002-2003).

Deputado estadual e líder do Partido Socialista na Constituinte do Cantão de Friburgo (2000-2004).

Senador pelo Cantão de Friburgo desde 2003.

Presidente do Senado (2008-2009)

Conselheiro independente em estratégia e comunicação (desde 2008).

Fonte: Wikipedia

A Câmara dos Deputados é constituída por 200 membros. Cada um dos 26 Cantões (estado) tem direito a pelo menos uma cadeira na Câmara, independentemente do número de habitantes.

Os 174 cargos restantes são divididos entre os cantões, proporcionalmente, à sua população.

O Senado suíço é constituído por 46 membros. Cada Cantão (estado) tem direito a dois representantes, exceção feita aos antigos semi-cantões (Basiléia-Cidade, Basiléia-Campo, Obwald, Nidwald, Appenzell Rhodes Interiores e Appenzell Rhodes Exteriores) que contam com apenas um representante.

Os parlamentares não são exclusivamente políticos de carreira e cada um tem sua própria atividade profissional. Por isso são realizadas apenas quatro sessões parlamentares por ano. Elas duram três samanas.

As eleições legislativas federais ocorrem a cada quatro anos.

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