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Suíços querem proibir que pedófilos trabalhem

A iniciativa foi lançada porque os políticos foram considerados passivos demais sobre a questão. Keystone

Provavelmente a questão mais emotiva que será apresentada aos suíços no plebiscito de 18 de maio, a iniciativa para proibir que condenados por pedofilia trabalhem com crianças é o resultado de uma campanha de 10 anos provocada por uma polêmica na cidade de Biel.

A iniciativa tem sido apoiada principalmente pelo Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) e os democratas-cristãos (PDC). Após debates acalorados no parlamento, no ano passado, os partidos que são contra a iniciativa preferiram evitar a polêmica para não serem vistos como defensores da causa dos pedófilos.

No entanto, em meados de março, o jovem deputado Andrea Caroni, do partido liberal, decidiu montar um comitê suprapartidário opondo-se à iniciativa.

A iniciativa, proposta pelo grupo Marche Blanche (Marcha Branca) formado por pais preocupados com a questão, pretende alterar a Constituição suíça para garantir que “as pessoas que forem condenadas por terem afetado a integridade sexual de uma criança ou uma pessoa dependente percam permanentemente o direito de exercer uma atividade profissional ou voluntária com menores ou dependentes”.

A iniciativa precisa de uma maioria do voto popular, bem como o apoio de uma maioria dos cantões para ganhar apoio suficiente para se tornar lei.

Os críticos da emenda dizem que a sua formulação é muito rigorosa e desproporcional, e que uma revisão do Código Penal, aprovada pelo parlamento em novembro de 2013, tratará de forma adequada a questão da proteção a partir de 2015.

Histórias trágicas de abuso sexual de crianças costumam ser manchetes e o julgamento do maior e mais famoso caso de abuso em série da Suíça teve início em 17 de março.

O acusado, um homem de 57 anos, admitiu ter abusado de mais de 100 crianças e adultos com deficiências físicas e mentais ao longo de 29 anos, até o escândalo vir à tona há quatro anos.

As provas contra o réu, que trabalhou em oito residências para deficientes mentais, inclui fotos e vídeos gravados com as vítimas.

33 acusações de abuso de crianças e adultos portadores de deficiências físicas e mentais estão diante do tribunal. O restante dos casos (91 vítimas) passou o prazo prescricional para a acusação antes da mudança da lei em 2008.

Em 21 de março, ele foi condenado a 13 anos de prisão.

Novas sanções

Nos três anos desde que os ativistas entregaram as assinaturas para a iniciativa, apesar de numerosos debates, as duas casas do parlamento não conseguiram chegar a uma recomendação conjunta para os eleitores, a favor ou contra a iniciativa, como é a norma.

As tentativas anteriores para reforçar as sanções contra pedófilos não tiveram sucesso no parlamento, até novembro passado, quando a casa, confrontada com a votação iminente, revisou a questão da interdição de trabalho e adotou novas sanções contra os pedófilos condenados.

As sanções, que variam segundo a gravidade dos delitos e que também são aplicadas no caso de violência não- sexual contra crianças, incluem a proibição de dez anos no trabalho com crianças, que pode ser renovada por cinco anos, ou uma proibição perpétua sob certas circunstâncias.

Os juízes também poderão proibir que os abusadores entrem em contato com as vítimas e proibir o acesso a certos locais públicos para os pedófilos condenados.

O governo suíço, satisfeito com esta solução legal, recomendou que os eleitores rejeitassem a iniciativa com o argumento de que a mesma é imprecisa, incompleta e viola os princípios da lei suíça e internacional.

Mas os defensores da iniciativa não querem deixar a proibição de trabalhar a critério dos juízes, apontando a má reputação do sistema judiciário na proteção das crianças, o caso de 2004, em Biel, sendo apenas um exemplo flagrante.

“Melhor” candidato

O caso envolveu um professor que tinha sido condenado por abuso sexual de criança. Depois de completar sua sentença, o professor voltou a trabalhar em uma escola da cidade com crianças com idade em torno de 13 anos.

Quando a notícia saiu, o grupo Marche Blanche organizou uma marcha de protesto e uma petição exigindo a demissão do professor. Mas a diretoria da escola defendeu sua decisão, argumentando que ele tinha sido o “melhor” candidato para o posto.

A causa foi então assumida por dois políticos, mas não conseguiu obter nenhum apoio no parlamento. Após uma espera de duas iniciativas legislativas frustradas para a causa, o grupo Marche Blanche decidiu levar a questão para o povo, entregando finalmente as assinaturas necessárias em abril de 2011 para forçar uma votação em todo o país.

Marche Blanche já havia convencido os eleitores sobre questões de proteção à criança antes, em 2008, quando 52% do eleitorado aceitou uma proposta de emenda constitucional para remover o estatuto de limitações para atos sexuais ou pornográficos cometidos contra menores de 12 anos. Antes disso, as vítimas só podiam dar queixa até os 25 anos de idade.

Em 2012, 1203 pessoas foram acusadas de atos sexuais envolvendo crianças na Suíça, de acordo com a Secretaria Federal de Estatísticas. A incidência não declarada de abuso infantil é estimada muito maior.

Estima-se que até uma em cada quatro mulheres e um em cada dez homens na Suíça sofreram abuso sexual na infância.

Isto inclui incidentes pontuais e ofensas sem contato, tais como exibicionismo.

Dois terços das vítimas são meninas, um terço meninos.

A faixa etária mais acometida é dos 7 aos 12 anos.

Algumas crianças sofrem esta forma de violência apenas uma vez, outras sofrem abuso repetido, às vezes, durante anos.

(Fonte: Swiss Child Protection Association)

Debate

Natalie Rickli, deputada federal do SVP e membro do comitê da iniciativa, defendeu a questão com unhas e dentes no parlamento suíço. “É realmente lamentável que os eleitores tenham que assumir a questão e lançar este tipo de iniciativa porque os políticos não conseguem agir. Especialmente quando a segurança é uma das funções mais importantes do Estado”, declarou.

“Temos que proteger a sociedade e, em particular, as crianças ou as pessoas dependentes de reincidentes. É exatamente isso que está em causa nesta iniciativa. Quando um pedófilo é condenado, ele não deve mais poder trabalhar com crianças ou pessoas dependentes, nem profissionalmente nem em seu tempo livre”, acrescentou.

No mesmo debate, Isabelle Chevalley, do partido verde liberal, concordou com o princípio de que as pessoas condenadas por crimes graves de pedofilia não devem ser autorizadas a trabalhar com crianças, mas argumentou que o texto da iniciativa era muito limitado.

“Existem lacunas na iniciativa que nos foi submetida. É preciso perceber que a grande maioria dos casos de abuso sexual de crianças acontecem dentro do círculo familiar. E nesses casos, a iniciativa, infelizmente, não mudaria nada. Seria necessário um texto legal mais amplo que para proteger realmente a maioria das crianças vítimas de abuso.”

Monika Egli-Alge, psicóloga que se ocupa de pedófilos e relatórios de análise de risco para os tribunais, acredita que uma proibição de trabalho automático é um passo na direção errada. “Na minha opinião, é importante fazermos de tudo para proteger as crianças contra qualquer tipo de abuso sexual. Na questão da pedofilia, precisamos criar serviços que garantam ajuda àqueles que querem receber ajuda, ou diagnosticados quando são um perigo para a sociedade”, disse ao swissinfo.ch.

“Aqueles que representam um perigo para as crianças já podem ser tratados de forma adequada no âmbito da lei atual. As sanções já existem, mas temos que impô-las. Isso requer decisões ousadas e coragem moral por parte dos tribunais e das autoridades.”

Adaptação: Fernando Hirschy

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