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Ramos Horta defende Nobel para União Europeia

José Manuel Ramos-Horta participou de um colóquio na Suíça. Reuters

O ex-presidente de Timor Leste acredita que a erosão da "solidariedade global" é apenas uma fase passageira, e se mostra otimista com o combate à pobreza extrema no planeta.

Os vinte e cinco anos de exílio, lutando pelo reconhecimento da independência de sua minúscula meia ilha natal de Timor Leste, fizeram de José Ramos Horta um político global. Foi militante, ministro do Exterior, primeiro ministro, presidente, e hoje, liberto de um cargo público, percorre o mundo chamando atenção para os desafios desenvolvimentistas de seu jovem país e de todo o Terceiro Mundo – termo caído em desuso para além de questões politicamente corretas, mas que Ramos Horta utiliza sem pudor ou precisão. Durante uma breve passagem pelo país para lançar sua Timor Foundation, dedicada a projetos de desenvolvimento (não apenas no Timor Leste), o Nobel da Paz de 1996 aproveitou para dar uma palestra ao recém-criado Asia Connect Center da Universidade de St. Gallen.

Ramos Horta surpreendeu-se ao se deparar com uma sala cheia de estudantes e docentes numa plena manhã de sábado. Desculpou-se por não haver preparado nenhum discurso específico para a ocasião, mas nem precisou. Rapidamente decifrou o perfil do público, basicamente da escola de administração e negócios da universidade, e discorreu sobre a experiência de se criar um país e os desafios, pontuados em anedotas, enfrentados para desenvolver a economia e instituições democráticas, ao mesmo tempo estabelecendo laços regionais e internacionais. Logo se tem a impressão de que Timor Leste é um microcosmo terceiro-mundista, de onde Ramos Horta pesca exemplos para comentar assuntos globais. 

Em entrevista para swissinfo.ch, Ramos Horta reconheceu que “current affairs” é o assunto que praticamente monopoliza suas leituras. “Não tenho tempo para literatura”, disse. Fã de ópera e música erudita, sua curiosidade com a música moderna parou em Elvis Presley. Mas sua estatura de estadista global não tem nada de antiquado, pelo contrário: Ramos Horta faz questão de expor, sempre que possível, os temas que trata em perspectiva histórica. Como no caso de sua defesa apaixonada do Nobel da Paz deste ano para a União Europeia, o qual, segundo o timorense, foi fruto de indicação sua feita ainda em 2008 (as indicações para os prêmios são feitas por laureados).

De fato, poderia-se perguntar como é possível a UE receber tamanha honra no momento de sua pior crise institucional e financeira? Tal prisma, imediatista, não leva em conta a evolução que a UE possibilitou: o continente jamais viveu período tão longo de paz e prosperidade, para começar. É preciso lembrar que, há não muitas décadas, a região era ceifada pela pior guerra da história da humanidade, com mais de 60 milhões de mortos. E os europeus atuais, os “comunitários” nas palavras de Ramos Horta, são na maior parte das vezes os únicos a exigir a inclusão dos temas de direitos humanos e meio-ambiente nas negociações multinacionais – mesmo que suas práticas no âmbito do comércio internacional contradigam fundamentalmente o receituário de livre-comércio concebido aqui nessa mesma Europa, e apregoado altivamente pela União. 

“É possível que daqui a dez ou quinze anos consigamos resolver as questões fundamentais de extrema pobreza no mundo. Há compromissos políticos para isso, e espero que a crise financeira americana e europeia passem logo para que esses países possam retomar toda uma estratégia de apoio aos países pobres, que tem de passar pela abertura das fronteiras da Europa e EUA para o comércio internacional. Eles têm que parar com o subsídio à agricultura, isso acaba com as iniciativas do Terceiro Mundo.” Assim como praticamente acabou com a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, onde uma nova leva de negociações não tem data para ser reativada.

Ajuda versus Investimento 

Enquanto isso, o Terceiro Mundo do século 21 – em linguagem “onusiana”, as nações menos desenvolvidas (LDCs, ou “least developed countries”), cujos interesses nem sempre coincidem com os dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e dos chamados “tigres” – patina na arena global. O modelo tradicional de ajuda humanitária dos países ricos continua sobrepondo-se às iniciativas de investimento direto, e a participação cada vez mais ativa da China nos países periféricos traz uma nova relação de influências geopolíticas. Afinal, a China não tem programas de ajuda humanitária, mas projetos diretos de investimentos, principalmente na África.

“A China tem de ser muito cuidadosa na qualidade da ajuda que providencia aos países de Terceiro Mundo”, diz Ramos Horta, “pois faz lembrar um pouco os programas de cooperação da antiga União Soviética para os países africanos e asiáticos, e que ficou desacreditada por ser muito inadequada, sem qualidade. Há já alguns ressentimentos na África em relação à tecnologia e ajuda chinesa, que é barata, rápida, mas tem muito pouca qualidade”. De fato, revoltas anti-chinesas já foram registradas em Zâmbia, Argélia e Angola. Além disso, Ramos Horta acredita que os EUA e europeus aprenderam a tratar com sensibilidade os países mais miseráveis.

“Eu não acredito nessa retórica de que a ajuda é mais nociva que positiva. Acredito sim que a ajuda foi sempre muito mal direcionada. Não foi por falta de boa vontade, não foi por falta de dinheiro, e nem só por causa de corrupção. Foi porque era uma política falsa, de ajuda que não estava direcionada para o que era necessário, como educação, saúde, desenvolvimento rural, eletrificação, saneamento básico.” Segundo ele, o grosso do dinheiro foi para estudos e mais estudos e relatórios.

“Claro que houve investimentos em algumas áreas produtivas e infraestrutura, mas era uma percentagem pequena. Hoje há mais sensibilidade. Depois de muito debate e reuniões entre países recipientes e países doadores, os países recipientes agora têm voz nas decisões de alocação de recursos e a coisa não acontece mais em sentido único, em que os países europeus e norte-americanos eram quem ditavam para onde ia a ajuda e como era executada essa ajuda. Os países pós-coloniais ganharam mais experiência e mais poder diplomático e político.”

Independência sem mais mortes 

Timor Leste, em dez anos de independência, continua um país bastante pobre, mas muito diferente de quando se libertou do jugo indonésio. A contribuição da ONU caiu de mais de 30% em 2002 para apenas 2% do PIB. O país fechou um acordo com a Austrália para a extração de petróleo no mar de Timor e criou um fundo separado, a exemplo da Noruega, para gerir os recursos gerados da exploração petrolífera independentemente do orçamento governamental. O fundo foi criado com reles US$ 250 milhões, em 2005; em 2011 ultrapassou os US$ 7 bilhões.

A pequena meia ilha também é hoje um país pacífico, onde as tensões que marcaram sua independência há uma década parecem coisa de um passado muito distante. O segredo, segundo Ramos Horta, foi um movimento na direção contrária da maioria de países saindo de ditaduras ou guerras civis sangrentas. “Não instituímos uma ‘comissão da verdade e reconciliação’ e sempre tomamos cuidado em não demonizar o povo indonésio nem sensibilidades religiosas” (Timor é eminentemente católico, e a Indonésia tem a maior população muçulmana do planeta).

O inimigo real de timorenses e indonésios no fundo era o mesmo, o ditador Suharto. Com sua queda, os dois países rapidamente normalizaram suas relações, as tensões de fronteira e intercomunitárias desapareceram e hoje ambos são parceiros. A emergência da nova nação também realizou o feito de unir o mundo lusófono, e Timor até hoje conta com ajuda de técnicos e quadros especializados do Brasil, Portugal e Guiné Bissau ajudando na reconstrução do país. Esse sucesso, na contramão das tensões regionais, religiosas e sectárias que pipocam pelo globo na última década, faz Ramos Horta acreditar numa resolução em médio prazo dos conflitos que ceifam o Oriente Médio, e da qual depende um retorno à “solidariedade global” que marcou os discursos do fim do século passado. A história recente de Timor Leste pode ser bastante válida como um exemplo a ser citado, mas dificilmente como exemplo a ser seguida. Como o próprio Ramos Horta admite, cada país tem suas sensibilidades, e reconhece-las é uma questão de tempo… e muita boa vontade.

Nascido em 26 de Dezembro de 1949), José Ramos-Horta é um político e jurista timorense, presidente de seu país de 2007 a 2012, após disrupções civis originárias em problemas étnicos.

Foi previamente o Ministro de Negócios Estrangeiros de Timor-Leste desde a independência em 2002. Antes disto foi o porta-voz da resistência timorense no exílio durante a ocupação indonésia entre 1975 e 1999.

Nascido de mãe timorense e pai português (exilado em Timor), foi educado numa missão católica em Soibada.

Devido à actividade política pró-independência, esteve exilado por um ano (1970-1971) durante a época colonial em Moçambique.

Considerado como moderado, ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores no governo autoproclamado em 28 de Novembro de 1975, apenas com 25 anos de idade.

Deixou Timor-Leste apenas três dias antes da invasão indonésia, em viagem até Nova Iorque para apresentar às Nações Unidas o caso timorense. Aí expõe a violência perpretada pela Indonésia na ocupação do território, tornando-se o representante permanente da Fretilin na ONU nos anos seguintes.

Em Dezembro de 1996, José Ramos-Horta partilhou o Nobel da Paz com o compatriota bispo Carlos Filipe Ximenes Belo.

O Comité Nobel laureou-os pelo contínuo esforço para terminar com a opressão vigente em Timor-Leste, esperando que o prémio despolete o encontro de uma solução diplomática para o conflito em Timor-Leste com base no direito dos povos à autodeterminação. (Fonte: Wikipédia em português)

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