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Um suíço em meio à crise em Moçambique

soldats mozambicains
Soldados moçambicanos patrulhando nas ruas de Palma, em 12 de abril. A cidade foi tomada em 27 de março por jihadistas que aterrorizam a região desde 2017. Keystone / Joao Relvas

Um grupo jiadista espalha terror no norte de Moçambique e mergulha o país em uma profunda crise humanitária. O diplomata suíço Mirko Manzoni, enviado especial da ONU, adverte contra a intervenção militar internacional. 

Uma guerra provocada por um grupo que alega estar ligado ao Estado Islâmico e que provocou uma crise humanitária sem precedentes. A região é uma rota marítima estratégica e tem imensas reservas de gás. Um coquetel explosivo que hoje ameaça Moçambique, um país da África Austral pouco maior do que a França (19 vezes a Suíça) com um litoral de mais de dois mil quilômetros de extensão no Oceano Índico, povoado por quase 28 milhões de pessoas, 46% das quais vivem abaixo da linha de pobrezaLink externo.

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O conflito, que teve início em 2017 na província (estado) de Cabo Delgado, na fronteira com a Tanzânia, não teve o interesse da imprensa internacional no seu início. Hoje preocupa as grandes potências como os Estados Unidos, a União Europeia e, em particular, a França. Em 24 de março, os jiadista realizaram um ataque surpresa à cidade de Palma, causando a fuga de muitos habitantes e funcionários da empresa petrolífera Total, que está investe na região em um projeto de exploração de gás. Este canal marítimo localizado entre Moçambique e a ilha de Madagascar é também uma das passagens obrigatórias para o tráfego comercial internacional.

Mirko Manzoni, ex-embaixador suíço em Maputo, continua residindo em Maputo. Hoje é enviado especial da ONU para MoçambiqueLink externo. Originário do cantão de língua italiana, Ticino, sua missão implementar os acordos de paz entre o governo e o grupo rebelde Renamo, acordo negociado pelo diplomata quando ainda era embaixador da Suíça e que terminou uma guerra civil que assolou o país por mais de 20 anos desde a independência de Portugal.

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Quatro políticos posando para foto

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“O único consenso é o tratado de paz”

Este conteúdo foi publicado em As eleições de outubro de 2019 não foram apenas tensas para os 30 milhões de moçambicanos. O embaixador suíço em Maputo, Mirko Manzoni, também havia acompanhado de perto o pleito e participado como mediador das conversações de paz entre o governo e a oposição. A mediação de Manzoni levou a um acordo de paz que…

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swissinfo.ch: Qual é o impacto do conflito em Cabo Delgado no processo de paz entre o governo e a Renamo?

Mirko Manzoni: O governo e o Exército moçambicano ainda lutam no centro do país. A fim de completar a implementação do acordo de paz, os rebeldes remanescentes da Renamo devem ser desarmados e desmobilizados. O Exército não pode, portanto, mobilizar todas suas forças para extinguir o conflito que ocorre ao norte do país.

Portanto, é ainda mais urgente completar o processo de desarmamento, a desmobilização e a reintegração dos ex-combatentes para que o governo possa então redirecionar completamente suas forças para o norte do país. O Exército moçambicano não está em condições de manter duas frentes de combate.

Cassis à Maputo
Da esquerda à direita: Mirko Manzoni, Filipe Jacinto Nyusi (presidente de Moçambique), Osuffo Momade (líder da oposição) e Ignazio Cassis (ministro suíço das Relações Exteriores), na assinatura do acordo de paz entre o partido governista Frelimo e o partido de oposição Renamo, em , em 6 de agosto de 2019. Keystone

swissinfo.ch: Qual é a situação do país desde o ataque de grupos jiadista à Palma, no final de março?

M.M.: Esta guerra lembra o início do conflito no Mali, onde trabalhei entre 2012 e 2014. Não se trata de um conflito convencional. Esses grupos, que afirmam estar ligados ao Estado Islâmico, também usam métodos terroristas e realizam ataques muito bem organizados. Por exemplo, em um dia podem lançar uma ofensiva contra uma cidade, mas geralmente estão sempre fazendo ataques rápidos a aldeias e às forças militares.

É uma situação muito instável. A população tem medo e termina por se deslocar. Quase a metade dos habitantes da província de Capo Delgado, aproximadamente 850 mil pessoas, fugiram das zonas de combate. Como resultado temos hoje uma crise humanitária de grandes proporções.

swissinfo.ch: Por que só agora a comunidade internacional passou a se interessar pelo conflito? A questão energética tem algum papel nisso? Ou a importância da rota marítima para o tráfego internacional?

M.M.: Sou um veterano da Cruz Vermelha Internacional e, sem ser ingênuo, espero sempre que o interesse dos países seja pela trágica situação da população civil, que fogem do terror e dos combates. Mas é claro que, à medida que o conflito aumenta, também crescem as consequências geopolíticas e regionais. A perda do controle dessa área pode desestabilizar os países vizinhos. Portanto considero logico que a comunidade internacional passe a ver com mais interesse o conflito em Capo Delgado. Eu só espero que a prioridade seja enfrentar a crise humanitária, antes de qualquer intervenção armada, como foi sugerido há pouco.

Réfugiés mozambicains
Refugiados chegando em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, em julho de 2020. Keystone / Ricardo Franco

swissinfo.ch: Até que ponto a ameaça de grupos radicais islâmicos pode ser levada à sério?

M.M.: Esse conflito se desenvolveu ao longo de vários anos, também na Tanzânia vizinha. Mas a dimensão religiosa não deve ser superestimada. Desde o começo, os muçulmanos moçambicanos, numerosos nesta região, reagiram dizendo que o conflito não era religioso. Aqui também, a religião está sendo usada como um pretexto. Trata-se, sim, de terrorismo, criminalidade e tráfico de todos os tipos que se desenvolveram por causa da falta de controle governamental.

swissinfo.ch: OI presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, busca apoio militar externa. A questão foi discutida durante uma visita oficial realizada à França e nas conversas com o presidente Macron. Algum progresso foi feito?

M.M.; Moçambique precisa de parceiros confiáveis para resolver seus problemas de segurança. Acredito também que o país não queira ser pressionado, mas sim manter o controle de seu próprio destino. O governo não precisa de tropas externas, mas sim de equipamentos militares modernos e treinamento especializado para combater o grupo terrorista e restaurar a paz. Esta é a mensagem transmitida por Nyusi. Porém ele não se recusa a aceitar ajuda. Penso que repetiu esta posição também no encontro na França.

swissinfo.ch: O governo moçambicano é criticado por ter negligenciado o conflito iniciado em 2017 e pelo fraco desenvolvimento do país. O apoio não acarreta riscos?

M.M.: O extremismo se desenvolve devido à falta de gestão e problemas de boa governança por parte das autoridades. As províncias costumam ser esquecidas pelo governo central em Maputo. O governo reconheceu isto. Já faz mais de um ano desde a criação de uma agência de desenvolvimento que recebeu apoio do Banco Mundial. Seu objetivo principal é desenvolver esta região com uma estratégia específica. Mas a pobreza e corrupção não explicam tudo. Pouco se sabe sobre esses grupos islâmicos e se estão envolvidos com o crime organizado…

Ecole au Mozambique
Uma escola em Pemba recebeu 500 crianças que fugiram dos combates ocorridos no norte do país em abril de 2021. Keystone / Joao Relvas

swissinfo.ch: Até que ponto a ameaça de grupos radicais islâmicos pode ser levada à sério?

M.M.: Esse conflito se desenvolveu ao longo de vários anos, também na Tanzânia vizinha. Mas a dimensão religiosa não deve ser superestimada. Desde o começo, os muçulmanos moçambicanos, numerosos nesta região, reagiram dizendo que o conflito não era religioso. Aqui também, a religião está sendo usada como um pretexto. Trata-se, sim, de terrorismo, criminalidade e tráfico de todos os tipos que se desenvolveram por causa da falta de controle governamental.

swissinfo.ch: O presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, busca apoio militar externa. A questão foi discutida durante uma visita oficial realizada à França e nas conversas com o presidente Macron. Algum progresso foi feito?

M.M.; Moçambique precisa de parceiros confiáveis para resolver seus problemas de segurança. Acredito também que o país não queira ser pressionado, mas sim manter o controle de seu próprio destino. O governo não precisa de tropas externas, mas sim de equipamentos militares modernos e treinamento especializado para combater o grupo terrorista e restaurar a paz. Esta é a mensagem transmitida por Nyusi. Porém ele não se recusa a aceitar ajuda. Penso que repetiu esta posição também no encontro na França.

swissinfo.ch: O governo moçambicano é criticado por ter negligenciado o conflito iniciado em 2017 e pelo fraco desenvolvimento do país. O apoio não acarreta riscos?

M.M.: O extremismo se desenvolve devido à falta de gestão e problemas de boa governança por parte das autoridades. As províncias costumam ser esquecidas pelo governo central em Maputo. O governo reconheceu isto. Já faz mais de um ano desde a criação de uma agência de desenvolvimento que recebeu apoio do Banco Mundial. Seu objetivo principal é desenvolver esta região com uma estratégia específica. Mas a pobreza e corrupção não explicam tudo. Pouco se sabe sobre esses grupos islâmicos e se estão envolvidos com o crime organizado…

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Todos os dias se morre um pouco em Meculane

Este conteúdo foi publicado em A criança nasceu na beira da estrada. A própria mãe teve de cortar o cordão umbilical com uma faca, pois o pai ficou olhando de longe. Homem não se intromete em assuntos de mulheres. O sangue secou no solo ao lado do mato. Quando as dores do parto ficaram insuportáveis, o casal viu que seria…

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Efeitos dos conflitos em Moçambique

Na província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, o grupo islâmico Chabab (juventude) tem atacado a população, cidades e o Exército moçambicano desde 2017. Em julho de 2019 declarou que estaria se aliando a Estado Islâmico. Em março de 2021, os jiadista tomaram a cidade costeira de Palma, antes de serem expulsos pelo Exército.

Este surto de violência atinge um país marcado por uma guerra civil que se desencadeou logo após a independência de Moçambique em 1975. Em meio à Guerra Fria, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) estabeleceu uma “democracia do povo” alinhada a União Soviética e a China. Em reação, os regimes do apartheid da África do Sul e da Rodésia apoiaram os grupos de guerrilha da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo). A guerra foi particularmente violenta e resultou em quase um milhão de mortes. Terminou em 1992 com um primeiro acordo de paz entre os dois beligerantes.

Desde então, a Agência Suíça de Cooperação (SDC) atua na reconstrução e construção da pazLink externo em Moçambique. Em particular, as autoridades helvéticas acompanharam as negociações para firma um segundo acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo, assinado em 2019.

O diplomata suíço Mirko Manzoni foi nomeado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em julho de 2019 enviado especial em Moçambique com a missão de ajudar na elaboração do acordo de paz.

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Suíços em Moçambique desde 1730

Este conteúdo foi publicado em Comerciantes, missionários, empresários, agricultores, caçadores e aventureiros: o continente negro sempre atraiu suíços. O livro é um projeto de vida. Seu autor, o suíço do estrangeiro Adolphe Linder nasceu em 1923 em Chinde, província da Zambézia em Moçambique. Apesar de ter trabalhado grande parte da vida como engenheiro agrimensor na África do Sul, sua paixão…

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Adaptação: Alexander Thoele

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