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Por que a Amazônia continua em risco apesar do “desmatamento zero”?

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Uma paisagem típica em Paragominas mostrando uma mistura de pastagens, restos de floresta e agricultura de subsistência. Sam Levy

Muitas empresas multinacionais, incluindo empresas de commodities sediadas na Suíça, se comprometeram a se distanciar do desmatamento na Amazônia. Uma lacuna nos regulamentos e no monitoramento está comprometendo suas melhores intenções.  

Algumas pessoas ainda se lembram de quando a cidade de Paragominas no estado brasileiro do Pará foi apelidada de Paragobalas. Era uma cidade com reputação de extração ilegal de madeira e violência. Em 2008, quando o governo começou a levar a sério o combate ao desmatamento, alguns habitantes locais, furiosos, saquearam o escritório local da agência brasileira de proteção ambiental e incendiaram veículos. Eles também fugiram com 14 caminhões que haviam sido apreendidos por transportar madeira obtida ilegalmente em uma reserva indígena.  

“Paragominas tem feito muito para limpar sua reputação. No seu ponto mais isolado, ainda parece um pouco com um faroeste caboclo, mas a maior parte é como qualquer outra cidade – as pessoas querem fazer churrascos, ir ao bar e fazer coisas normais”, explicou Sam Levy, pesquisador do Laboratório de Política Ambiental do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich).  

Levy e seu colega Federico Cammelli deixaram a segurança de Zurique para visitar Paragominas há mais de um ano. Eles não estavam procurando aventura, mas tentar entender porque os agricultores ainda estão desmatando ilegalmente a floresta amazônica ao redor, apesar da regulamentação rigorosa e da pressão de compradores do exterior. 

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Uma queimada no pasto. Sam Levy

Parada em andamento  

A Amazônia brasileira sofreu um desmatamento rápido e em larga escala a partir dos anos 70, principalmente para gado de corte, soja e assentamentos humanos. Graças a melhores leis e sua aplicação – em parte devido à pressão internacional – a taxa de desmatamento começou a diminuir a partir de 2004 e caiu massivamente 84% até 2012 em comparação com os níveis anteriores. A aplicação do Código Florestal Brasileiro, que exigia que os proprietários de terras na Amazônia conservassem 80% da vegetação nativa em propriedade privada, foi um fator chave.

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A Amazônia abriga muitas espécies de plantas e animais, incluindo algumas ainda desconhecidas para a ciência. Sam Levy

Outro elemento significativo que tem contribuído para o abrandamento do desmatamento é a Moratória da Soja Amazônica (ASM), um acordo voluntário assinado por grandes corporações para parar de comprar soja de fazendas na Amazônia que foram desmatadas após julho de 2008. Traders e empresas de soja foram pressionados por consumidores e ONGs a aderir a esse acordo. 

Entretanto, desde 2012, a taxa de perda florestal na Amazônia brasileira não diminuiu e até aumentou ligeiramente.

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Muitos acreditam que os frutos fáceis de colher – em termos de prevenção do desmatamento na Amazônia brasileira – já foram colhidos. Progressos adicionais exigirão novas iniciativas, como a melhoria da rastreabilidade para identificar problemas escondidos.

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Tábuas de madeira são utilizadas como pontes improvisadas para atravessar os diversos rios e afluentes do Amazonas. Sam Levy

Fornecedores indiretos  

Através de suas pesquisas, Levy e Cammelli identificaram um elo muito frágil na cadeia de fornecimento das empresas de commodities: os fornecedores indiretos. Eles são os que fornecem os fornecedores diretos (também conhecidos como fornecedores de nível 1) e estão mais abaixo na cadeia para os produtores da mercadoria seja ela soja, gado ou óleo de palma.  

“Hoje em dia, as empresas têm melhor controle sobre os fornecedores diretos, mas raramente têm alguma ideia do que seus fornecedores indiretos estão fazendo”, disse Cammelli.  

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Cammelli inspeciona uma trilha de exploração madeireira em Paragominas. Sam Levy

Mesmo as tentativas em pequena escala para rastrear a produção até à fazenda contornaram os fornecedores indiretos. Uma iniciativa pioneira recente de cinco das maiores empresas de commodities (Glencore, Bunge, ADM, Cargill, LDC e COFCO) para rastrear a soja até a fazenda no cerrado brasileiro (um bioma que está mais ameaçado do que a Amazônia) foi limitada apenas aos fornecedores diretos. O consórcio – conhecido como Soft Commodity Forum (SCF) – conseguiu alcançar sua meta de rastrear 95% da soja proveniente de 25 municípios de alto risco de desmatamento até o final de 2020, mas os fornecedores indiretos foram excluídos da iniciativa.  

“Como o indicador estabelecido pelas empresas mostra que a maior parte da soja é de origem direta – o cenário no qual os membros têm mais acesso às informações – decidimos priorizar a elaboração de relatórios sobre fontes diretas e melhorar a rastreabilidade até a fazenda”, disse o último relatório de progresso do SCF.  

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Estradas de chão através da floresta facilitam o acesso dos madeireiros ilegais à madeiras preciosas. Sam Levy

É verdade que os fornecedores indiretos são responsáveis por menos de 3% da soja de origem regional para três das cinco empresas participantes. Entretanto, este não foi o caso das duas restantes: os fornecedores indiretos eram responsáveis por 12% da soja da ADM e 35,1% da soja de Viterra (antiga Glencore Agriculture). Não saber de onde vem uma quantidade tão significativa – mesmo em uma fatia relativamente pequena do Brasil – é um sério ponto cego quando se trata da credibilidade dos compromissos de desmatamento zero.  

“A rastreabilidade das fontes indiretas é uma tarefa que requer compreensão da cadeia de fornecimento, envolvimento de fornecedores, avaliação de seus sistemas e práticas, capacitação onde for necessário e melhoria da governança onde as empresas podem desempenhar um papel minoritário. A experiência de todos os membros da SCF proporcionará oportunidades críticas de aprendizado para o grupo e ajudará a impulsionar o progresso coletivo nesta jornada”, disse um porta-voz da SCF. 

O desafio de rastrear fornecedores indiretos também é válido para outras commodities. Por exemplo, o maior processador de carne do Brasil, a JBS compra cerca de 77.000 cabeças de gado por dia de fornecedores diretos cuja origem tem que ser verificada no momento da transação.  

“Se eles também monitorassem fornecedores indiretos, teriam que checar centenas de milhares, talvez milhões de cabeças de gado todos os dias” disse Cammelli. 

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Gado procurando descanso do sol escaldante. Sam Levy

A escala e complexidade desta tarefa é a razão pela qual muitas empresas optaram por ignorar os fornecedores indiretos. Embora não seja viável para os grandes operadores rastrear cada vaca desde o nascimento até o abate, os métodos indiretos podem ajudar a servir como uma ferramenta alternativa de monitoramento para métodos caros como a cadeia de bloqueio ou a tecnologia de satélite. Levy e Cammelli usaram fontes disponíveis publicamente, tais como documentos da empresa, registros de transporte de gado e pesquisas domiciliares para ligar os agricultores (fornecedores indiretos) às empresas que compram seus produtos. Esta técnica de triangulação utilizando diferentes fontes de dados pode oferecer uma estimativa da conformidade ou não dos fornecedores indiretos.  

Desmatamento debaixo da moita  

Os pesquisadores da Suíça entrevistaram pouco mais de 300 criadores de gado brasileiros na Amazônia identificados por métodos de triangulação. Descobriram que cerca de um quarto deles haviam derrubado florestas em suas propriedades desde que os programas de desmatamento zero começaram. No total, esses fazendeiros haviam desmatado um total de 3.400 hectares de floresta primária desconhecidos para as empresas que eles forneciam. 

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Cammelli entrevistando um açougueiro local. Sam Levy

Como esses agricultores podem ser encorajados a parar de desmatar a Amazônia? De acordo com Levy, o que os agricultores mais gostariam é ser pagos para não derrubar a floresta em suas terras.  

“Eles nos diziam com frequência que eram pressionados a mudar seu comportamento, mas que não viam nenhum benefício financeiro com isso”.  

Cammelli não está convencido de que pagar um prêmio aos fazendeiros seja uma solução realista.  

“Oferecer um prêmio por respeitar a lei é politicamente arriscado, pois cria uma narrativa de que as políticas públicas são ilegítimas”.  

Ele acredita que regras mais rígidas e um melhor monitoramento são melhores opções para evitar a concorrência desleal entre agricultores cumpridores e não cumpridores. Ainda é muito fácil para os agricultores contornar acordos e regulamentos de desmatamento zero. Atualmente, os agricultores que são fornecedores indiretos não são afetados pela legislação ambiental brasileira. Há também evidências de que alguns agricultores estão usando isto como uma lacuna para lavar gado de fazendas “sujas” para fazendas “limpas”.  

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Uma habitação típica da zona rural de Paragominas. Sam Levy

Encontrar soluções agora  

A equipe de pesquisa suíça afirma que o momento é propício para incluir os fornecedores indiretos de commodities no âmbito da legislação existente. Entretanto, eles querem que este processo seja justo, visto que muitos deles são pequenos proprietários com pouca capacidade de adaptação rápida.  

“No passado, a União Europeia pressionou por toda uma série de abordagens, como a cadeia de bloqueio e a instalação de dispositivos GPS em vacas, que são caros e difíceis de implementar em um curto espaço de tempo. São também estes pedidos impraticáveis que têm permitido à indústria brasileira de carne chutar o balde durante tantos anos”, disse Cammelli.  

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Três vaqueiros a cavalo. Sam Levy

Algumas das propostas mais realistas atualmente recomendam o monitoramento apenas do maior fornecedor indireto de cada fornecedor direto. Uma dessas iniciativas já em andamento é o Grupo de Trabalho dos Fornecedores Indiretos na Pecuária Brasileira (GTFI), uma coalizão de exportadores de carne como Minerva Foods, cadeias de supermercados como Carrefour e instituições de pesquisa.  

Um estudo encomendado pelo GTFI nos estados do Pará e Mato Grosso constatou que apenas uma porcentagem muito pequena de fornecedores diretos tinha mais de um fornecedor indireto com problemas de desmatamento. Como um ponto de partida viável que poderia evitar que abatedouros e fazendeiros tirassem vantagem da lacuna de fornecedores indiretos sem afetar os volumes de fornecimento, o Grupo de Trabalho sugere que as empresas só aceitem gado de fornecedores diretos com um máximo de um fornecedor indireto não conforme. Para garantir que os pequenos proprietários, os membros mais vulneráveis das cadeias de fornecimento de gado, não sofram o peso desta mudança, as diretrizes da GTFI para boas práticas também são aplicáveis somente a fornecedores indiretos com mais de 100 hectares de terra.  

“As ONGs estão agora adotando uma abordagem sensata para estabelecer grupos de trabalho com a indústria para descobrir soluções potenciais que sejam aplicáveis imediatamente e depois melhorá-las pouco a pouco.  A esperança é que, através destas medidas, as florestas na Amazônia e nos trópicos possam ser protegidas sem prejudicar a subsistência dos agricultores”, disse Cammelli. 

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Levy entrevistando dois pequenos agricultores enquanto ajudava a processar a mandioca. Sam Levy

Adaptação: Fernando Hirschy

Adaptação: Fernando Hirschy

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