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A caça aos estrangeiros ricos é um esporte mundial

O piloto de fórmula 1, Lewis Hamilton, trocou recentemente a Suíça por Mônaco, onde as pessoas físicas são isentas de impostos sobre bens e rendimentos. Keystone

A Suíça está cercada de países que também tentam atrair estrangeiros ricos com generosos privilégios fiscais. A Grã-Bretanha e Portugal estão entre os destinos favoritos. Mesmo a França, que denuncia o exílio de seus contribuintes, corteja as fortunas estrangeiras.

De 21 a 23 de novembro, a Suíça vai jogar contra a França a segunda final da Copa Davis de sua história. Além do evento esportivo, a partida de tênis encobre uma dimensão política particular: a equipe de Arnaud Clement, ex “exilado fiscal”, certamente será composta unicamente por jogadores que fixaram residência na Suíça.

Muito popular entre artistas e atletas franceses, o sistema fiscal suíço para estrangeiros está agora ameaçado pela iniciativa “Contra os privilégios fiscais dos milionários”, que será levada a plebiscito em apenas uma semana após a final “100% suíça”.

Em que país Jo-Wilfried Tsonga, Richard Gasquet e Gilles Simon poderiam ser tentados a se refugiar se ao suíços decidirem apoiar, no dia 30 de novembro, a luta por mais equidade fiscal? “Sem dúvida, na Grã-Bretanha ou em Portugal, os dois países mais atraentes da Europa, no momento, para as pessoas que não exercem uma atividade lucrativa no país”, estima Philippe Kenel, advogado tributarista especializado na deslocalização de milionários.

Um visto de residência comprado?

O imposto único era originalmente destinado principalmente para que os estrangeiros ricos viessem passar sua aposentadoria na Suíça. Com a assinatura do acordo sobre a livre circulação de pessoas, o limite de idade para aqueles que não exercem uma atividade lucrativa caiu: qualquer cidadão europeu pode morar no país, desde que ele seja capaz de atender as suas necessidades e as de sua família. Se sua capacidade financeira permite, ele pode pedir para ser tributado com um imposto único.

O limite de idade de 55 anos continua válido para os nacionais de países não europeus. No entanto, exceções são possíveis, especialmente se estiver em jogo “os interesses tributários de um cantão”, conforme previsto na Portaria sobre entrada, permanência e exercício de uma atividade remunerada.

A situação se assemelha à “compra” de um visto de residência por “desempregados fictícios” não europeus, denunciam os oponentes ao regime fiscal privilegiado. Os exemplos que fizeram manchetes na Suíça são inúmeros: a filha do presidente uzbeque Lola Karimova, a filha do presidente do Cazaquistão Dinara Kulibaïeva, o bilionário russo Viktor Vekselberg e, mais recentemente, o ex-magnata e opositor russo Mikhail Khodorkovsky.

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Modelo britânico

O imposto baseado nos gastos do contribuinte estrangeiro, criado em 1862 na Suíça, é único na Europa, com exceção do Liechtenstein. Mas o sistema britânico também é bem parecido. “O status de ‘residente não-domiciliado’ permite que um ator francês que more em Londres não seja taxado sobre os rendimentos auferidos no exterior, desde que ele não repatrie os ganhos para a Grã-Bretanha. No entanto, ele pode trabalhar no país e ser taxado como um cidadão britânico, o que não permite que sistema suíço”, explica Vincent Simon, diretor de assuntos fiscais da economiesuisse, a principal associação econômica do país.

Aqueles que querem desfrutar de tal estatuto por mais de sete anos devem pagar uma taxa de 30.000 libras por ano, respectivamente 50.000 libras a partir de doze anos. Este pacote fiscal foi introduzido em 2012, após muitas críticas internas contra os 123.000 residentes ‘não-domiciliados’ no Reino Unido, de acordo com dados do Financial Times. Para efeito de comparação, os beneficiários de privilégios fiscais na Suíça são um pouco menos de 6000.

Em Portugal, os estrangeiros que não têm um emprego remunerado são isentos de impostos por dez anos. “O sistema posto em prática em 2009, durante a crise financeira, é muito atraente para os pensionistas. Ele ajuda a atrair pessoas com uma certa fortuna, mas também os aposentados comuns”, diz Vincent Simon.

Até a França

Philippe Kenel distingue dois tipos de países na Europa: aqueles que criaram um estatuto especial para os estrangeiros e aqueles que eram a favor de um imposto atraente para todas as pessoas ricas, independentemente da nacionalidade. Na primeira categoria, encontramos, além da Grã-Bretanha e Portugal, Malta, Irlanda, Países Baixos e Áustria. No segundo grupo estão especialmente Luxemburgo, Itália, Bélgica e todos os países do leste europeu.

A Bélgica não taxa nem os bens, nem ganhos de capital sobre ativos privados. O país se tornou um refúgio para muitos franceses. Irritada com a prática de seus vizinhos belgas e suíços que atrai muitos contribuintes franceses, a França não fica atrás, denuncia Kenel: “Durante cinco anos, os contribuintes estrangeiros estabelecidos na França estão isentos de imposto sobre a fortuna. Mais importante, a França dá um tratamento especial aos nacionais do Qatar, que se beneficiam desta isenção para sempre, se saírem oficialmente do território a cada cinco anos, durante três anos”.

Aqueles que não querem pagar nenhum imposto devem ir morar em micropaíses, como Andorra e Mônaco. O piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton deixou a Suíça em 2012 para se estabelecer no Principado do Mônaco, onde os preços dos imóveis estão, no entanto, entre os mais altos do mundo. Ou optar por destinos mais exóticos, como as Bahamas e o Belize. Fora da Europa, Canadá, Estados Unidos, Marrocos, Hong Kong, Singapura, Israel, China, Japão e Tailândia também estão tentando encontrar uma maneira de atrair os estrangeiros ricos.

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Um paraíso para os ricos na Suíça

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Mau negócio

Para os defensores da abolição dos privilégios fiscais, essa concorrência que já existe prova que a Suíça não deve sua atratividade apenas à tributação e permaneceria assim mesmo com a perda deste regime especial. Com base na experiência do cantão de Zurique, que aboliu esses privilégios em 2010, Marius Brülhart, professor de economia da Universidade de Lausanne, estima entre 20 e 50% o número de pessoas que beneficiam do regime fiscal e deixarão a Suíça se os suíços disserem “sim” no dia 30 de novembro.

O professor de Lausanne não quer tomar posição, mas observa: “Em Zurique, as previsões alarmistas dos oponentes não se concretizaram porque a mobilidade real desses contribuintes é muitas vezes superestimada. A Suíça tem outras vantagens que o regime fiscal”, disse. A qualidade de vida, a estabilidade, a segurança, suas ofertas culturais e uma taxa de imposição normal relativamente baixa fazem dela um país naturalmente apreciado pelos expatriados.

Marius Brülhart considera que a Suíça pode até mesmo sair ganhando com a supressão desse regime controverso. Não só a saída desses contribuintes ricos seria compensada pelos impostos pagos por aqueles que permanecem, mas alguns benefícios indiretos também seriam maiores: “O sistema atual incentiva essas pessoas a minimizar seus gastos na Suíça [o imposto é baseado no estilo de vida do contribuinte na Suíça e não nos seus bens e rendimentos] e viver de forma mais luxuosa no exterior. Com o regime fiscal normal, não haveria esse incentivo. Em última análise, esses privilégios talvez não sejam um bom negócio para o nosso país”.

Permanecer na lista

Já Vincent Simon teme que bem mais da metade desses contribuintes especiais acabem dando o fora do país. A razão? “A maioria dos países europeus não têm mais imposto sobre a fortuna, ao mesmo tempo isso pode ser bastante pesado na Suíça, especialmente nos cantões de língua francesa, mais afetados pela iniciativa.”

Mantendo contato diário com esses beneficiários, Kenel é muito mais alarmista: “A beleza de uma paisagem alpina ou Paris-Bruxelas em 1h20 entram em consideração na deslocalização para a Suíça ou a Bélgica, mas só se constar na lista de países que oferecem condições favoráveis. Meus clientes vieram para a Suíça por causa dos privilégios fiscais, eles vão deixar o país assim que eles desaparecerem.”

Privilégios fiscais, como funciona?

O sistema de privilégios fiscais é baseado no nível de vida e nas despesas do contribuinte na Suíça e não sobre a renda real nem a fortuna. Ele se aplica somente aos estrangeiros que não exercem nenhuma atividade lucrativa na Suíça.

Em 2012, o Parlamento suíço decidiu reforçar as condições para os privilégios fiscais. A despesa mínima considerada para os impostos estadual e federal é de no mínimo sete vezes o aluguel ou o valor locativo da residência e somente as pessoas que dispõem de uma renda anual de pelo menos 400.000 francos suíços podem se beneficiar desse privilégio fiscal para o imposto federal direto.

Concretamente, um estrangeiro que compra um imóvel na Suíça cujo valor locativo é de 5.000 francos por mês, pagará o mesmo que os outros contribuintes, com uma renda de 420.000 francos (5.000 x 12 x 7). A essa soma se acrescenta  eventuais outras despesas, como automóveis ou aviões particulares. A base fiscal levada em consideração para o imposto sobre a fortuna é no mínimo dez vezes o montante da renda declarada, ou seja, 4.2000.000 francos no exemplo citado. 


Adaptação: Fernando Hirschy

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