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Tráfico da indústria do sexo preocupa suíços

Keystone

Mulheres levadas de bordel em bordel "como gado", mantidas sob ameaças e violência. O caso Bolenberg, que corre agora perante os tribunais suíços, revela a ligação sinistra entre prostituição e tráfico de seres humanos.

Dois prostíbulos, um em uma área rural do cantão de Schwyz (centro) e outro na pitoresca cidade de Nidau, no cantão de Berna, foram invadidos simultaneamente pela polícia em 2007. Pelo menos 23 mulheres foram encontradas trabalhando coagidas, relata o Ministério Público suíço.

Um dos maiores escândalos de tráfico de pessoas da Suíça, o caso Bolenberg finalmente foi a julgamento no mês passado. Nove homens e uma mulher foram acusados de tráfico de seres humanos e incentivo à prostituição. O julgamento foi adiado e reabre no dia 5 de junho.

No ano passado, houve 61 casos de tráfico de seres humanos relatados na Suíça, a grande maioria para fins de exploração sexual.

A questão que preocupa autoridades judiciais, políticas e ativistas do país é saber a dimensão do esquema de tráfico de seres humanos usados para a prostituição forçada na Suíça e a melhor forma de proteger as mulheres contatadas pela internet.

O tráfico de pessoas provoca entre 70 mil a 149 mil vítimas por ano, na Europa. Mais de quatro em cada cinco vítimas são traficadas para fins de exploração sexual, a maioria mulheres e meninas.

Em 2013, houve 61 casos de tráfico de seres humanos relatados na Suíça, a grande maioria para fins de exploração sexual. Em 2012, o número era de 78, com Romênia, Hungria, Bulgária e Tailândia como principais países de origem.

O fato da Polícia Federal suíça ter tratado consultas nacionais e internacionais relativas a 345 casos em 2012 indica que o crime está acontecendo em uma escala mais ampla.

Até agora, 16 cantões suíços lançaram iniciativas contra o tráfico de seres humanos, com representantes das autoridades competentes, dos serviços do Estado e de organizações não-governamentais.

Livre-arbítrio?

Um recente relatório do Conselho da Europa, intitulado “Prostituição, tráfico e escravidão moderna na Europa”, revela a dimensão do problema.

O relator José Mendes Bota disse para swissinfo.ch que tudo indica que a maioria das prostitutas hoje em dia são forçadas a trabalhar, observando que a maioria sai de um meio muito pobre.

“Eu considero um mito que a maioria se prostitui de forma voluntária. As que fazem uma escolha são uma pequena minoria.”

No entanto, não existem estatísticas confiáveis sobre a situação das trabalhadoras do sexo na Europa, especialmente na Suíça, observa Mendes Bota, após um inquérito realizado no país.

“Cada cantão ou cidade tem sua própria visão de como abordar o fenômeno da prostituição, onde ela ocorre e como ela deve ser controlada. Mas não há uma coleta de dados de âmbito nacional ou estadual. Precisamos de mais supervisão, de mais detalhes para que possamos lidar com o fenômeno”, disse.

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Exploração sexual

Mendes Bota visitou a Suécia, a Alemanha, a Holanda e a Suíça antes de escrever seu relatório. Será que ele retratou uma imagem fiel da realidade da indústria do sexo na Suíça?

Para a FIZ, uma ong com sede em Zurique especializada na proteção das vítimas do tráfico de seres humanos, o problema é bem maior.

A organização trata, por ano, cerca de 200 casos de mulheres vítimas de tráfico em seu programa de proteção das vítimas. Metade são novos casos dos 12 últimos meses. Algumas vítimas vêm e vão rapidamente, outras são ajudadas durante vários anos na construção de uma nova vida.

Dada a dificuldade em identificar as vítimas, Susanne Seytter, da FIZ, acredita que o número total de trabalhadoras do sexo traficadas seja ainda maior. No entanto, o problema afetaria uma minoria das trabalhadoras do sexo na Suíça.

“O trabalho sexual na Suíça é legal, já o tráfico de seres humanos constitui uma grave violação dos direitos humanos e um crime”, explica.

Um dos maiores casos de tráfico de pessoas da Suíça, o caso Bolenberg finalmente foi a julgamento no início de abril de 2014.

Nove homens e uma mulher foram acusados de tráfico de seres humanos e incentivo à prostituição depois de incursões no bordel Bolenberg Bar, no cantão de Schwyz, e outro bordel em Nidau, no cantão de Berna. As acusações incluem estupro e peculato.

Mais de 20 mulheres, da Bulgária, Romênia e República Checa, foram recrutadas para trabalhar como prostitutas em condições coercivas durante um período de oito meses. Elas eram alugadas a outros prostíbulos e tinham seus passaportes confiscados pelos traficantes.

Em maio de 2013, um ex-gerente do bordel de Nidau foi condenado a oito anos de prisão por tráfico de seres humanos e proxenetismo envolvendo 45 mulheres entre 2003 e 2007.

Idade mínima

A necessidade de rever a legislação vigente sobre a prostituição é uma questão que vem sendo discutida na Suíça. Deppois de longos debates,  o parlamento suíço elevou a idade mínima legal para as trabalhadoras do sexo de 16 para 18 anos, em setembro de 2013.

Estima-se que 20 mil prostitutas trabalhem na Suíça, nem todas de forma legal, em uma indústria que movimenta um valor estimado de 3.2 bilhões de francos.

No ano passado, a ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, mandatou um grupo de peritos para examinar as medidas de proteção para as mulheres que trabalham na indústria do sexo. O relatório do grupo, apresentado em março de 2014, faz um apelo à regulamentação da atividade em todo o país.

“O problema é que existem pequenos estados que não fazem praticamente nada para combater a prostituição ilegal, porque não têm recursos e quase nenhuma experiência”, diz Kathrin Hilber, responsável do grupo.

“É necessário estabelecer normas nacionais para que todas as mulheres tenham a mesma proteção na Suíça, para que não haja brechas para a prostituição ilegal e o tráfico de pessoas”, acrescentou.

Muitas das 26 recomendações do relatório suíço repetem as de Mendes Bota, como o reforço da proteção das vítimas, a cooperação internacional e os direitos dos trabalhadores do sexo. Mas os especialistas suíços descartaram a opção de criminalizar a compra de sexo, como foi feito na Suécia.

“É irreal, cria uma ênfase errada e significa que os recursos policiais não são direcionados para a proteção”, disse Hilber.

Petra (codinome) é uma jovem da Europa do Leste. Ela ouviu pela primeira vez sobre a possibilidade de trabalhar em um restaurante na Suíça de um conhecido que ela havia encontrado em uma boate.

Petra tem dois filhos e sua mãe está gravemente doente. Seu salário como vendedora de loja não era suficiente para cobrir o custo de vida da família. Por isso, ela se candidatou ao emprego na Suíça.

Prometeram a ela um bom salário, autorização de trabalho e reembolso das despesas de viagem. A oferta parecia atraente e sincera. A reputação da Suíça como um país democrático, com um bom histórico de direitos humanos também inspirou confiança.

Quando ela chegou na Suíça, foi recebida no aeroporto por um suíço. Ele a levou direto para o seu bordel. Lá, a gerente disse que ela tinha que atender os clientes sexualmente e satisfazer os seus desejos. Ela foi informada de que tinha que pagar 20 mil francos suíços para despesas de organização, após o qual ela estaria livre e poderia manter seus ganhos. Se ela se recusasse a cooperar, algo iria acontecer com ela ou sua família. Seu passaporte e a passagem de volta foram confiscados.

Petra não queria fazer o trabalho, ela foi espancada e ameaçada. As ameaças a aterrorizaram tanto que depois de alguns dias ela acabou cedendo, se colocando à disposição dos clientes, sete dias por semana.

Depois de quatro meses, ela foi informada de que ela ainda devia 18 mil francos. Mas que havia um homem, segundo eles, que estava querendo se casar com ela. Com isso, sua estadia no país seria legalizada e ela não teria problemas com a polícia. O casamento custaria 15 mil francos, que ela poderia pagar com tempo.

Petra estava em um dilema. Ela odiava o trabalho e não queria entrar em uma nova dependência. Ela decidiu fugir do bordel e embarcou em um trem. Ela desceu na cidade seguinte e ficou vagando pelas ruas, passando a noite em uma cabine de telefone.

Uma passante falou com ela. Quando Petra contou sua história, a mulher procurou a FIZ. A primeira coisa que Petra fez foi entrar em contato com sua mãe, mas ela não podia contar-lhe tudo o que tinha acontecido, convencida de que sua mãe não iria entender. Petra queria voltar para casa o mais rápido possível. Ela não se atreveu a dar queixa às autoridades.

(Fonte: FIZ )

Atividade econômica

O debate suíço sobre a prostituição admite a indústria do sexo como uma atividade profissional normal, onde as mulheres são vistas como autônomas, e em alguns cantões elas precisam até apresentar um business plan.

“É verdade que a prostituição vem se tornando uma atividade econômica como as outras. E isso tem de ser reconhecido. O estigma moral deve ser removido para que ela seja vista como um trabalho como qualquer outro e os direitos das trabalhadoras garantido”, disse Hilber.

Nos casos em que a trabalhadora do sexo está sob coerção e controle, as vítimas raramente procuram ajuda. Metade das vítimas do tráfico amparada pela FIZ são encaminhadas pela polícia, as outras por terceiros que entram em contato com elas, como assistentes sociais, colegas, clientes, pessoal hospitalar.

“O importante é não ficar sentado aqui esperando que as vítimas do tráfico venham bater na nossa porta, mas sair e formar as pessoas sobre o que significa o tráfico, como identificar as vítimas, o que procurar, como ajudar”, explica Seytter.

O tráfico de seres humanos é um “crime de controle”, de acordo com Boris Mesaric da Unidade de Coordenação contra o Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes (KSMM, na sigla em alemão). Quanto mais você procura, mais você acha.

No caso Bolenberg (ver box) algumas mulheres, da Romênia, Bulgária e República Checa, foram recrutadas pela namorada romena do dono do bordel, ela própria já havia sido vítima do tráfico de pessoas.

Crime complexo

“O tráfico de pessoas é um fenômeno complexo, um crime complexo, e requer uma resposta multidisciplinar. Temos que fazer o trabalho de prevenção, realizar processos e trabalhar sobre a proteção da vítima e a cooperação”, disse Mesaric.

Para o coordenador, a cooperação local realizada entre a FIZ, especializada no atendimento às vítimas, e a polícia de Zurique, que acompanha os locais de prostituição, é muito importante na luta contra o tráfico de seres humanos.

“É uma divisão de trabalho. A polícia realiza averiguações e as ONGs cuidam das vítimas, que são as testemunhas mais importantes contra os autores. As vítimas estão geralmente traumatizadas e podem estar em um estado muito ruim. Elas precisam de total amparo”.

De acordo com Seytter, as mulheres atendidas pelo programa de proteção da FIZ precisam de tempo para se acalmar e refletir antes de decidir se querem testemunhar contra os traficantes. “As mulheres têm muito medo”, observa.

“Vemos também que as mulheres não se sentem protegidas o suficiente, porque pela legislação suíça, as vítimas de tráfico só podem ficar no país para beneficiar de medidas de reabilitação se cooperarem com as autoridades e testemunharem contra os traficantes. Caso contrário, eles têm que deixar a Suíça devido à falta de uma autorização de residência. Isso dificulta o nosso trabalho.”

A investigação do tráfico de seres humanos requer muitos recursos, o equivalente exigido por um caso de assassinato, explicou Mesaric.

“A polícia tem um efetivo relativamente pequeno para isso, é uma questão de recursos. É por isso que é importante que as pessoas percebam que o tráfico de pessoas acontece na Suíça e que nós temos que fazer algo contra isso.”

Adaptação: Fernando Hirschy

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