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Quando até migrante ajuda a promover a paz nas ruas

Situações de violência podem ocorrer em qualquer área da cidade. Keystone

Situações que não são raras nas grandes metrópoles suíças: pessoas alcoolizadas, que fazem escândalo em espaços públicos, consomem drogas, jogam lixo em locais inapropriados ou cometem vandalismo.

Aqui entram em ação grupos de intervenção móveis, cuja principal função é velar para que todos circulem nas ruas sem medo de ser vítima de violência ou ser molestados pelas más condutas dos outros.

Em Zurique esses grupos se chamam Sip züri (de segurança, intervenção e prevenção). Em Lucerna eles mantêm a mesma denominação. Em St. Gallen: “Juntos com respeito”. Já em Berna o nome é “Pinto”, um acrônimo para prevenção, intervenção e tolerância.

“O espaço público pertence a todos e nosso trabalho é fomentar a tolerância, a coexistência pacífica e o respeito entre os diferentes grupos sociais. Estamos presentes onde é possível ocorrer problemas e conflitos”, explica Matthias Wyss, diretor-adjunto da Pinto.

A tarefa desse grupo, reconhecível pelas suas camisetas de cor bordô, não é substituir as funções da polícia. “Agimos de forma preventiva para evitar a escalada de conflitos. Dialogamos com os interessados, fomentamos o respeito mútuo e a mudança de comportamento”, diz Wyss, que trabalha na Pinto desde a sua fundação, há cinco anos.

“Somos parceiros para os usuários do espaço público. Reconhecemos a tempo situações de abandono, informamos, aceitamos ideias e preocupações e reduzimos os temores”, acrescenta o diretor-adjunto. Antes ele havia trabalhado como enfermeiro em um hospital psiquiátrico.

Como ele, seus oito colegas – quatro homens e quatro mulheres – tinham diferentes profissões: agentes de segurança, vendedor de seguros ou até jornalistas. Mais da metade vem das áreas pedagógicas, de assistência social e da chamada “Arbeitsagogik”, uma especialidade suíça que facilita o acesso e a participação no mundo de trabalho a pessoas com capacidades de trabalho limitadas ou reduzidas.

Uma brasileira na “Pinto”

Elis Zollinger tem 36 anos e desde maio de 2008 trabalha na Pinto como estagiária. Ela está terminando seus estudos de assistência social na Escola Técnica Superior do Noroeste da Suíça.

“Nós nos ocupamos de pessoas com problemas de dependência, jovens e imigrantes, de solicitantes de asilo, de gente que há anos não têm um teto sob as cabeças”, conta Zollinger, para quem as andanças pelas ruas e nas oficinas de ocupação fazem o trabalho variado e cheio de impressões. “Na Pinto aplico o que aprendi na escola e também a minha própria experiência de migração.”

Desde sua chegada, a mineira sempre quis se adaptar à Suíça e ser novamente independente. No entanto, não foi fácil tornar concreto esse desejo. “Eu tive que começar do zero em vários aspectos, o que me levou a perceber que a migração é um processo.”

Imigrantes se sentem incompreendidos

Antes de estudar, Elis trabalhou em associações de brasileiros em Zurique. “Tendo seguido cursos intensivos de alemão, traduzia suas cartas, preenchia seus formulários e também os acompanhava às consultas médicas, no serviço de assistência social ou nos tribunais. Nesse trabalho, quase sempre voluntário, me dei conta que poucos imigrantes trabalham na área de assistência social.”

Ela observou igualmente que os imigrantes que vinham a ela pedindo ajuda não se sentiam compreendidos pelas autoridades e lhes custava entender como funciona o sistema suíço. “Paralelamente, muitos trabalhadores sociais ignoram as necessidades e as condições de vida difíceis de grande parte desse setor da população.”

“Eu queria apoiá-los e, para isso, decidir formalizar essa experiência com um estudo profissional”, explica Elis. Ela não oculta sua satisfação de trabalhar na Pinto, mesmo com a obrigação de percorrer as ruas durante a noite e estar confrontada a situações desagradáveis nelas.

Exceção à regra: ser maltratada por ser estrangeira

Ocorreu uma vez quando interveio para chamar a atenção de um homem por sua conduta. “Pela minha pronúncia ele percebeu que eu era estrangeira e começou a me ofender. Sem perder a calma, deixei bem claro que suas palavras destacavam seus preconceitos contra as sul-americanas. Eu me senti mal, pois era a primeira vez que alguém me insultava por ser estrangeira.”

Não houve uma “segunda experiência”, mas Elis prefere lembra-se das experiências positivas como com uma jovem dependente de narcóticos. “Ela estava pensando em se suicidar quando a encontramos na rua. Conseguimos convencê-la e levá-la ao escritório, onde nos relatou porque queria acabar com a sua vida.”

Foi uma intervenção difícil, mas bem sucedida, como se lembra. “A jovem chegou a ter confiança em mim e agora vem com frequência pedir conselhos. Em geral, tenho uma boa relação profissional com essas pessoas e a experiência com ela me confirma ter escolhido a profissão correta.”

Sobre as relações com os colegas de trabalho, todos suíços, a mineira analisa: “Não tenho a impressão de estar sendo tratada de uma maneira diferente pelas colegas. Eles me respeitam como mulher e estrangeira. Talvez haja mal-entendidos quando acompanho pessoas com contextos de imigração e os colegas pensam que invisto muito tempo com elas. Porém sempre consigo fundamentar as razões da minha conduta.”

E continua. “Sou reconhecida como uma especialista pelos meus colegas, que constantemente me perguntam sobre temas relacionados ao nosso trabalho. Porém eles me ajudam muito quando tenho de escrever relatórios em alemão.”

Situações extremas

Elis Zollinger percorrer as ruas muitas vezes acompanhada pela suíça Karima Schreier, que resume assim seu trabalho na Pinto. “Fazemos tudo para ajudar pessoas em situação marginal. Nós intervimos quando há condutas associais, mas não impomos sanções.”

Segundo Karima, sua condição de mulher facilita o trabalho em muitas ocasiões. “Em geral as agressões ocorrem mais contra os homens do que contra as mulheres, mas prefiro recuar em situações de violência.”

Seu trabalho cotidiano também está cheio de experiências impressionantes e situações difíceis. Uma dessas ocorreu na chamada Münsterplattform, uma plataforma ao lado da catedral da cidade antiga. “Dois homens começaram uma discussão e um deles tirou uma faca. Para nós era muito perigoso intervir e chamamos a polícia. Esta chegou rapidamente, mas o agressor já havia escapado.”

Karima ainda se lembra: “A vítima agradeceu nosso apoio, o que fez de uma situação difícil uma experiência positiva, onde podemos ajudar e até proteger alguém.”

O chamado artigo de exclusão (Wegweissungsartikel), vigente em Berna desde 2006, determina que pessoas que receberam ordens de não aparecer em determinada área e, sobretudo, de consumir álcool nelas, devem ser sancionadas com multas por desobediência.

Essas regras não foram aceitas pelo atual governo de social-democratas e ecológicos de Berna, que propôs a criação da organização Pinto como alternativa, revela Wyss.

“A esquerda quer que a gente faça mais trabalho social. A oposição aposta na repressão. Hoje conseguimos uma posição intermediária que responde às expectativas políticas”, diz. “O desrespeito repetido de regras, situações críticas ou violentas são um assunto para a polícia.”

Elis Regina Barbosa da Silva nasceu em 1973, em Janaúba, uma pequena cidade ao norte de Minas Gerais.

Sua família era muito pobre. Foram oito filhos, dois morreram. A mãe, que não sabia ler nem escrever.

Era importante que todas as crianças ir à escola. Elis fez a escola primária em cidade-natal e o ensino secundário em Montes Claros, uma cidade vizinha.

Depos ela passou o exame de admissão para a faculdade, mas a falta de recursos financeiros obrigou a interromper seus estudos.

Ele passou cinco anos como secretária em um instituto de arte em São Paulo.

Em 1998, quando ele estava desempregada, viajou para a Suíça, pois sua irmã precisava de alguém para cuidar de sua filha por seis meses.

Em 1999 conheceu o suíço Marc Zollinger, com quem se casou dois anos depois.

Desde sua chegada na Suíça se dedicou à aprendizagem intensiva alemão.

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