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As Olimpíadas que precisam dar certo

Equipes de emergência atuam após a queda de um trecho da ciclovia Niemeyer, em 21 de abril de 2016, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Keystone

Enquanto a chama olímpica percorre o Brasil, a contagem regressiva até o início da Rio-2016 se dá em clima de pessimismo e crise. Porém muitos suíços, atletas ou imigrantes já radicados há anos no país, veem com otimismo o evento e as melhoras decorrentes.

Os taxistas cariocas são boas praças e adoram puxar conversa. A pergunta invariável ao pegar um passageiro na porta do Aeroporto Internacional Tom Jobim já é convite para a conversa. “Chegou de onde?”, perguntou João dos Santos, um pernambucano radicado no Rio de Janeiro há mais de três décadas. Entre piadas e comentários, o bom humor só mudou ao tratar das Olimpíadas. “Não tenho o menor interesse. Veja como está o trânsito na cidade”, apontou para o congestionamento na direção contrária e completou. “Isso sem falar na roubalheira nessas construções.”

Oitenta dias antes da solenidade de abertura da Rio-2016Link externo, em 5 de agosto, o clima na cidade maravilhosa está longe do ideal de paz e igualdade preconizado pelo Barão de Coubertin nos idos da competição. Em 21 de abril, uma forte onda provocou a queda da ciclovia Tim Maia em São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro, causando a morte de duas pessoas. A obra de 45 milhões de reais se tornou um símbolo das dúvidas em relação ao megaevento. Ela não seria usada diretamente nas Olimpíadas, mas fazia parte das obras de infraestrutura.

O país vive uma das piores crises econômicas do século, devendo chegar ao final de 2016 no terceiro ano de recessão. O Estado do Rio de Janeiro já tem dificuldade de fazer o pagamento de aposentados e pensionistas. Mais de 70 mil alunos estão sem aulas e 67 escolas foram ocupadas. A falta de financiamento agrava crise das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o projeto que iria pacificar as favelas. A violência se acirra: segundo estatísticas do governo, 432 pessoas foram assassinadas nos três primeiros meses do ano. E para piorar, os vírus da zika, dengue e chikungunya, intitulada pelas autoridades de “tríplice epidemia”, se alastram de forma crescente em regiões até pouco poupadas. Os doentes encontram o sistema de saúde à beira do colapso.

Otimismo inicial

Quando a chama olímpica chegou em Brasília em 3 de maio, Dilma Rousseff ainda irradiava otimismo. Ela foi uma das primeiras a segurá-la. Porém no mesmo dia, grupos favoráveis e contrários à presidenta da República aproveitaram a ocasião para protestar. Membros do grupo dos sem-teto colocaram fogo em pneus na cobertura de um hotel abandonado. “O governo tem dinheiro para gastar com Olimpíadas, mas não tem dinheiro para gastar com moradia?”, falou um deles às televisões. Dez dias depois, ela era afastada do cargo após a admissibilidade do processo de impeachment ter sido aprovada nas duas casas do Congresso federal. Agora não estará presente na cerimônia de abertura dos Jogos Rio 2016, quando a Pira Olímpica chegar no Maracanã, Rio de Janeiro, depois de um périplo por todo país.

Alguns sinais indicariam o cancelamento das Olimpíadas. Há especialistas que até o reivindicam. Porém existem razões para o otimismo. “As pessoas vão encontrar uma sociedade em conflito, sem rumo, mas as Olimpíadas serão um sucesso de organização. E por que? O governo do Rio de Janeiro está suspendendo a normalidade, ou seja, não vai ter escola, negócios, governo, bancos, etc. A cidade parecerá funcionar para os turistas”, explica Christopher Gaffney.

Pesquisador da Universidade de Zurique, o texano viveu seis anos no Rio de Janeiro, onde foi professor visitante na Universidade Federal Fluminense (UFF). Em sua opinião, as Olimpíadas não enfrentam somente as dificuldades políticas e econômicas. “A cultura olímpica também não é muito difundida no Brasil. Não tem esporte de base. Não há políticas públicas que estimulam a prática de esportes olímpicos.”

Um dos projetos do legado das Olimpíadas: Praça Mauá revitalizada com o Museu do Amanhã ao fundo, um projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. swissinfo.ch

Mas quando o Rio de Janeiro foi escolhido, em 2 de outubro de 2009, para sediar as Olimpíadas, vencendo cidades como Tóquio, Madri e Chicago, a situação era bem diferente. O nível de aprovação do governo era de 80%, a economia crescia e havia quase emprego pleno. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a coroação do seu governo, dois anos depois do Brasil ter recebido a Copa do Mundo de 2014. O Rio de Janeiro estava predestinado a organizar o evento. “Era uma cidade que havia perdido o direito de ser capital e viu as economias sair para São Paulo e a política para Brasília. Era como uma princesa um pouco abandonada, que precisava de uma nova esperança”, analisa o jornalista suíço Ruedi Leuthold, radicado há anos no Rio de Janeiro.

O prefeito da cidade considera que a escolha do COI não foi por acaso. “O nosso grande ativo não foram as nossas qualidades, mas sim os problemas. Nós os utilizamos para dizer que se as Olimpíadas significam transformação, vocês não precisam ir à Tóquio, Madrid e Chicago, que já têm tudo. Vem, sim, para o Rio, pois aqui temos muitos problemas”, afirmou Eduardo Paes em entrevista à swissinfo.ch. Poucos dias antes da realização do evento, ele faz um balanço positivo. “Não foi fácil. Mas agora posso dizer que temos um modelo inovador, no qual utilizamos muito capital privado e uma quantidade enorme de legado. Temos estádios muitos simples.”

Legado

A opinião é compartilhada por atletas que vieram treinar na cidade. Em Deodoro, um bairro na Zona Oeste da cidade, alguns deles participavam na segunda metade de abril de uma competiçãoLink externo no Centro Nacional de Tiro Esportivo, um dos 44 eventos-testes programados para ocorrer antes da Rio-2016. “É tudo bastante moderno e exatamente como conhecemos de outras competições”, ressaltou Simon Beyeler, membro da seleção suíça de tiro.

Especialista em armas de pequeno calibre, o suíço de 33 anos considerava atendidas as expectativas em relação à organização, especialmente no quesito segurança. “Ao chegar no aeroporto, as autoridades alfandegarias controlaram o número das armas. E no centro de tiro elas eram sempre guardadas à chave. Ninguém tinha acesso a elas sem estar autorizado”, contou. A entrada do complexo esportivo, em uma área militar, foi vigiada por soldados armados e dois tanques de guerra durante os dez dias do evento, do qual participaram 660 atletas, vindos de 88 países.

No final da competição, a Federação Internacional de Tiro Esportivo (ISSFLink externo, na sigla em inglês) aprovou o complexo, apontando apenas alguns ajustes necessários. A atiradora suíça Annik Marguet estava satisfeita com os resultados, considerando que apenas fatores externos poderiam prejudicar o sucesso das Olimpíadas. “Tudo decorreu sem problemas e já deu para sentir como será em agosto, seu conseguir me qualificar. Por outro lado, os congestionamentos constantes no Rio de Janeiro são um problema para nós. Em um dia necessitei 50 minutos para chegar aqui. Em outro, foram duas horas no mesmo trajeto”, reclamou a atleta de 34 anos.

A crítica de Marguet era compartilhada por outros atletas estrangeiros no local. O organizador, a Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTELink externo), havia disponibilizado um serviço de traslado do complexo em Deodoro até Copacabana, mas o percurso dos ônibus atravessava áreas críticas como a Av. Brasil e o centro da cidade. Durante o dia o trânsito era lento, especialmente devido aos diversos canteiros. “A gente vê obras por todos os lados da cidade, especialmente obras de tráfego. A impressão é que existe um atraso nas construções”, disse a atleta suíça.

Uma impressão não de todo falsa. Se em sua última visita oficial, em 13 de abril, o Comitê Olímpico Internacional (COILink externo),confirmava que 98% das instalações de competição, transmissão e hospedagem já estavam concluídas no momento, o mesmo não podia se falar do “legado”, as grandes obras de mobilidade e de infraestrutura planejadas para melhorar a vida no Rio de Janeiro: o veículo leve sobre trilhos, as vias expressa Transolímpica e Transoeste, a ampliação do Elevado do Joá, a recuperação da Região Portuária (Porto Maravilha) e a linha 4 do metrô do Rio. 

Atrasos

Oitenta dias antes das Olimpíadas, apenas algumas instalações olímpicas ainda não estão prontas, dentre elas o velódromo. Problemas no fornecimento de energia em dois eventos-teste (natação e atletismo) também mostraram deficiências na estrutura. Devido à crise econômica,30% no orçamento do Comitê Rio-2016 foi cortado. Porém o maior risco corre algumas obras importantes da infraestrutura, onde há dúvidas que estejam prontas até o início das competições, dentre elas a linha 4 do metrô e a Transolímpica.

Simon Beyeler, 33 anos, membro da seleção suíça de tiro, durante evento-teste em Deodoro. swissinfo.ch

Um dos projetos do legado abandonados pelo governo estadual foi o da despoluição da Baía de Guanabara (ver entrevista com prefeito Eduardo Paes), onde diariamente caem milhões de litros de esgoto e resíduos industriais. As autoridades preveem que ela não será concluída antes de 2030. Outro projeto foi o programa Morar Carioca, lançado em 2010 pela Prefeitura do Rio de Janeiro e com um orçamento de 8,5 bilhões de reais. O objetivo era de urbanizar todas as 763 favelas da cidade, estabelecendo como prazo o ano de 2020. Até agora, pouco mais de 70 comunidades foram beneficiadas, apesar do prefeito Eduardo Paes declarar à imprensa os avanços feitos em favelas na Zona Norte e Zona Oeste e as melhorias gerais na saúde pública e urbanização. 

Segundo cálculos oficiais, as Olimpíadas irão custar 30,07 bilhões de reais, sendo que 7,07 bilhões foram destinados às instalações olímpicas, 7 bilhões às operações dos jogos e o grosso, 24,6 bilhões, é o legado.

Olimpíada exemplar?

Para observadores externos, com todos os problemas, a Rio-2016 pode entrar na história como olimpíadas exemplares. “Hoje se dá mais importância ao projeto urbano que aos grandes investimentos colossais em instalações esportivas que não são mais utilizadas. A candidatura de Rio de Janeiro é um bom exemplo disso: dois terços das instalações esportivas já existiam e eram funcionais. Então os investimentos foram menores do que em outras olimpíadas. A pedra angular do projeto olímpico era essa transformação urbana que o Rio de Janeiro não tinha há décadas”, afirma Christophe Vauthey, cônsul geral adjunto da Suíça.

As expectativas dos organizadores são grandes. Calcula-se que 800 mil turistas irão assistir os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. No total, 15 mil atletas de delegações de 206 países e 3,2 mil árbitros irão preencher as competições. E a atenção da mídia é garantida: 30 mil jornalistas já estão credenciados e 50 mil voluntários darão o apoio necessário. Mesmo com todos os problemas, muitos suíços radicados no Rio de Janeiro estão convencidos que nenhuma outra cidade seria melhor para receber os jogos. “O Rio é um lugar que a vida ocorre na rua. Você chega aqui com dinheiro ou sem dinheiro. Se você quiser gastar muito, se diverte; e se tiver pouco, também se diverte. A cidade é como um laboratório social, talvez o maior do mundo, que tem essa especificidade geográfica: todas as camadas das sociedades estão entrelaçadas, vivendo e convivendo há muito tempo”, avalia o artista Walter Riedweg, desde 1998 no Rio de Janeiro.

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