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A grande febre do ouro dos suíços

Após o aumento disparado de 2012, o preço do ouro caiu nos últimos anos e, atualmente, está entre 36'000-38'000 francos o quilo. Keystone

A Suíça possui as maiores reservas de ouro per capita do mundo. Para alguns, isto não é suficiente. Uma iniciativa popular lançada em plebiscito no próximo dia 30 de novembro requer, na prática, uma reserva de ouro do Banco Central da Suíça (BNS) três vezes maior do que a atual.

Com 1.040 toneladas de ouro, o banco central suíço detém a sétima maior reserva de ouro do mundo. Cada suíço conta com 128 gramas do precioso metal, sem levar em conta os lingotes, as jóias ou outros objetos pessoais em ouro. Um valor que supera, em muito, os de todos os outros países: os alemãs dispõem de 42 gramas per capita, os italianos têm 40, os franceses contabilizam 38 e, por último, os americanos que possuem 26 por habitante.

Toda esta montanha de ouro poderia triplicar nos próximos anos, caso a população aceite a iniciativa “Salvem o ouro da Suíça”, lançada por alguns representantes da direita conservadora. O texto exige que dentro de 5 anos o BNS constitua uma reserva de ouro equivalente a 20% de seu patrimônio. Levando em conta os atuais dados, o tesouro áureo nacional subiria a 2.500-3.000 toneladas. Ele seria inferior, somente, àqueles da Alemanha e dos Estados Unidos.

Plataforma do comércio do ouro

Não é a primeira vez que a população suíça é convocada às urnas para expressar uma opinião sobre as reservas de ouro do banco central do país. O ouro já esteve no centro de diversas batalhas políticas internas. Chegou a ser a origem de tensão com outros países. Então pergunta-se: por que esse apego dos suíços ao metal amarelo? E por que acumularam grandes reservas de ouro?

“Creio que existam duas principais razões: antes de tudo, nos últimos 150 anos, a Suíça foi favorecida por uma grande estabilidade econômica.  O Estado registrou com frequência uma balança comercial favorável e usou o excedente de divisas na compra de ouro. Além de tudo, o país foi poupado dos grandes conflitos e crises. No período entre as duas Guerras Mundiais, caracterizado pela depressão econômica e uma inflação galopante, muitas nações também compraram bastante ouro. Mas depois, como foram os casos da Holanda e da Bélgica, estas reservas foram, em boa parte, depredadas pelos nazistas”, explica Tobias Straumann, professor de história econômica da Universidade de Zurique.

Ouro e moeda

Por muito tempo, o ouro recobriu uma grande importância no sistema monetário internacional. Até o século XIX, quase a metade dos pagamentos era realizada apenas com moedas de ouro e de prata.

Em seguida, com a introdução das cédulas de banco e de moedas em metal ordinário, os bancos centrais foram, ainda por muito tempo, obrigados a converter as divisas nacionais em ouro e a manter grandes reservas para garantir o valor das mesmas.

Em 1978, no âmbito de um acordo alcançado pelos países-membros do Fundo Monetário Internacional, foi registrado o processo de desmonetização do ouro, ou seja, o fim da paridade entre as moedas e o metal amarelo. O preço do ouro foi, então, liberado e regulado apenas pelas leis de oferta e procura.

Atualmente, os bancos centrais possuem, no total, cerca de 30.000 toneladas de ouro, ou seja, menos de um quinto do metal amarelo disponível em todo o mundo. 

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Suíça se tornou, ao contrário, a principal plataforma de comércio de ouro na Europa. O país neutro adquiriu o metal amarelo por 1,8 bilhões de francos dos Aliados e por 1,3 bilhões das forças do Eixo ( Alemanha, Itália e Japão). Dois terços deste ouro foram parar nos cofres do BNS. Atacada pelas potências vencedoras por estas transações, em 1946, a Suíça foi obrigada a desembolsar 250 milhões de francos, sob a forma de ouro, aos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. 

Reservas absurdas

Depois, no pós-Guerra, a Suíça não precisou usar o seu ouro para financiar a reconstrução, como ocorreu em diversos países.  As décadas seguintes foram marcadas pela estabilidade ecônomica e pela solidez financeira. Isso permitiu ao BNS reforçar as reservas de ouro. Em 1945, elas eram de 1.194 toneladas. Vinte anos depois, alcançariam 2.703 toneladas. Estas grandes reservas, a quinta a nível mundial, refletiam, um pouco, as aspirações pela segurança e pela independência da Suíça diante dos grandes blocos, durante a Guerra Fria. Elas também serviam, entre outras coisas, para garantir a confiança internacional na sua praça financeira, em plena expansão.

Nos anos 1970, com um acordo aprovado pelo Fundo Monetário Internacional, a maior parte dos países renunciou à paridade entre o ouro e as moedas nacionais. Assim, o metal amarelo perdeu a sua histórica importância,  na ordem monetária internacional.  A Suíça, ao contrário, continuou a apostar no ouro ainda por muito tempo: o vínculo entre o metal amarelo e o franco foi abolido apenas em 1999, no âmbito de uma revisão total da Constituição federal. Depois deste passo, o BNS foi autorizado, pela primeira vez, a vender parte de suas reservas auríferas. Elas eram consideradas intocáveis, até aquele momento.

“Mesmo na Suíça, naqueles tempos, surgiram pressões políticas para vender uma parte do patrimônio aurífero do BNS. Estas enormes reservas pareciam absurdas: “não existiam temores pela inflação e nem pelo preço do pétroleo, que não rende juros. Esses dados estavam em queda, já fazia vinte anos. Muitos tinham a impressão de ter acumulado um grande tesouro mas  que não servia a coisa alguma”, recorda Tobias Straumann.

Luta por receitas

Em 1999, o governo e o parlamento decidiram, então, alienar a outra metade das reservas de ouro do BNS, considerando a sua “inutilidade” provocada pela política monetária nacional. Então, entre os anos de 2000 e 2005 e 2007 e 2008,  a instituição vendeu 1.550 toneladas de ouro. A primeira leva, cerca de 1.300 toneladas, chegou ao mercado quando preço do metal amarelo estava num dos patamares mais baixos das últimas décadas.

“Estas vendas foram, certamente, um erro. Talvez, porque o ouro seja o único bem, ao longo da história, capaz de compensar a inflação, pelo menos. Mas todos queriam tirar proveito daquela operação. Entre os partidos abriu-se uma guerra sobre como usar o dinheiro arrecadado pela venda do ouro”, revela o economista Peter Bernholz, especialista em história monetária.

“Em 2002, a população suíça rejeitou a proposta de dar toda a arrecadação das vendas para a Previdência Social  e de encaminhar uma parte a uma Fundação de solidariedade. Esta última tinha o apoio do governo que a usaria para amenizar uma campanha de ataques dos Estados Unidos contra o comportamento da Suíça durante a Segunda Guerra Mundial. No final, 21 bilhões de francos acabaram nos caixas da Confederação e dos Cantões e 6,7 bilhões foram usados pelo BNS para reforçar as suas reservas monetárias. O instituto financeiro guarda ainda as sobras do metal  amarelo, cerca de 1.040 toneladas.

Interesse internacional

Entre 2008 e 2012, logo após a crise financeira internacional e a crescente demanda dos países emergentes, o preço do ouro atingiu novos recordes históricos. Esta nova empenada das cotações trouxe de volta os arrependimentos pelas vendas passadas do ouro do BNS, o “ouro entregue aos bandidos”. Convencidos de que o metal amarelo é a melhor proteção para enfrentar situações de crise e garantir a independência monetária da Suíça, alguns representantes da direita conservadora lançaram a iniciativa “ Salvem o ouro da Suíça”, em 2012.  O objetivo é o reforço das reservas de ouro do país.

A iniciativa teve pouco apoio na Suíça. Para os seus opositores, se trata de uma “proposta de anteontem”, lançada por nostálgicos de uma era que já passou. Faz muito tempo que o ouro não tem mais importância na política monetária dos bancos centrais.

A votação foi acompanhada com um certo interesse também no exterior: o preço do ouro, em queda desde 2012, poderia subir, sensivelmente, caso o BNS fosse obrigado a comprar de 1.500 a 2.000 toneladas, nos próximo anos. A produção mundial de metal amarelo é de cerca de 3.000 toneladas anuais. As compras de todos os bancos centrais não superam  as 500 toneladas.

Iniciativa sobre o ouro

A iniciativa “ Salvem o ouro da Suíça” foi entregue à Chancelaria federal, em 2013. Ela foi registrada por três representantes do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão)

Com base no texto, as reservas de ouro do Banco Central Suíço (BNS) não podem mais ser vendidas. Dentro de cinco anos, o BNS deverá possuir o equivalente a, pelo menos, 20% de seus ativos em ouro. O metal amarelo deverá ser conservado, totalmente, em território suíço.

Atualmente, as reservas totais do BNS chegam a cerca de 500 bilhões de francos. Para satisfazer a iniciativa, o banco central deveria deter, pelo menos, 100 bilhões de francos em ouro. Levando em conta a presente reserva do metal, o país deveria comprar lingotes no valor de 65 bilhões.

O governo e a maioria dos partidos recomendam que a população rejeite a iniciativa. Ela ameaçaria a independência e a flexibilidade do BNS. Se o banco central for obrigado a deter enormes quantidades invendáveis de ouro, a instituição ficará sem margem de manobra suficiente para lutar, por exemplo, contra uma valorização excessiva do franco suíço contra o euro ou o dólar.


Adaptação: Guilherme Aquino

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