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Rival chinesa abala gigantes do agronegócio

Multiple combine harvesters in grain field
Culturas de soja no Brasil. O comércio internacional de commodities está se tornando um canal de abastecimento voltado unicamente para a China? Keystone / Andre Penner

O principal grupo agroindustrial da China, Cofco, planeja fundir algumas de suas atividades com sua divisão de comércio sediada em Genebra. Uma perspectiva que está causando alvoroço num setor há muito dominado por grupos ocidentais.

Desde sua criação em 2014, a Cofco International da China (CIL) tem chamado a atenção no setor de comércio de commodities agrícolas. Primeiro, seu acionista majoritário é o conglomerado estatal chinês Cofco Corp. Depois, Pequim não esconde suas grandes ambições em relação ao fornecimento de matérias-primas agrícolas. Desde então, os comerciantes de commodities têm se perguntado como a empresa obteria acesso direto a produtos alimentícios mundiais.

Os gigantes do agronegócio global (Archer Daniel Midlands, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus), que juntos controlam quase 90% do comércio mundial de grãos, logo perceberam que a situação havia mudado. Nenhum deles, contudo, se disponibilizou a comentar para este artigo, e a Cargill afirmou que não comenta sobre questões relacionadas às decisões de outras empresas.

A entrada do grupo CIL no setor se deu através da aquisição das empresas Nidera e Noble por US$ 4 bilhões (3,7 bilhões de francos suíços). Sete anos depois, a Cofco CorpLink externo está agora planejando a fusão de algumas de suas unidades comerciais e de processamento nacionais com sua divisão comercial sediada em Genebra. De acordo com a Bloomberg, a fusão precederia uma entrada na bolsa de valores de Xangai neste ano ou no próximo. A nova empresa seria avaliada em cerca de US$ 5 bilhões.

Ambições globais

Durante a última década, a emergente classe média chinesa gerou uma verdadeira explosão na demanda por matérias-primas. Uma parte cada vez maior do 1,4 bilhão de habitantes do país não apenas está adquirindo mais carros e outros bens de consumo, como também está mudando seus hábitos alimentares, consumindo mais carne, laticínios, soja e grãos. Em 2019, o consumo de carne bovina na China aumentou em 11% e a importação em 60%.

No entanto, com quase 20% da população mundial, a China abriga apenas 10% das terras aráveis do mundo. Garantir seu abastecimento alimentar tornou-se, portanto, uma das principais prioridades políticas de Pequim. A flutuação dos preços mundiais e as restrições climáticas nas regiões chinesas anteriormente dedicadas ao cultivo tradicional de soja também levaram o país a fortalecer sua rede de abastecimento.

O projeto geoestratégico das “Novas Rotas da Seda” também surgiu dessa necessidade de estabelecer uma rede de transporte para mercadorias saídas da e direcionadas à China.

A criação da CIL é parte da estratégia nacional chinesa que visa tanto internacionalizar seus negócios quanto garantir seu abastecimento alimentar. Seu ex-diretor-geral Chi Jingtao indicou que objetivo da empresa é “tornar-se um verdadeiro ator global no agronegócio”.

As aquisições iniciais da Nidera e da Noble pela Cofco Corp proporcionam à empresa chinesa acesso a grãos sul-americanos – particularmente soja e milho, que são destinados à alimentação de animais e a usinas processadoras na Ásia. Em outras palavras, a China estabeleceu um acesso direto aos agricultores, perturbando as cadeias de suprimento tradicionais em que as empresas comerciais atuam como intermediários entre produtores e consumidores.

Segundo dados disponibilizados pela própria empresa, a CIL comercializou 106 milhões de toneladas de commodities em 2018. Seu objetivo é aumentar o volume de grãos adquiridos diretamente de agricultores fora da China, atingindo mais de 60 milhões de toneladas até 2022, em comparação às 40 milhões adquiridas três anos atrás.

Em 2018, a novata comercial chinesa havia se tornado um líder de exportação no mercado brasileiro da soja – ultrapassando a Cargill, ADM (Archer Daniel Midlands) e Louis Dreyfus –, o que estimulou o aumento da produção no país.

Essa expansão, contudo, tem atraído críticas. A crescente demanda por soja fez explodir o desmatamento no Brasil e no Paraguai, de onde a CIL também compra soja. Levanta-se, assim, a questão acerca da rastreabilidade da comerciante chinesa. Frente a cada vez mais críticas, a CIL garante ter como objetivo a rastreabilidade total até 2023.

A notícia de seu vínculo com as unidades da Cofco levanta muitas questões sobre o papel que a CIL desempenhará no futuro. Devido à sua ligação com a estatal Cofco, a CIL já se beneficia de empréstimos baratos financiados pelo governo para fazer aquisições no exterior.

“Surgiu uma grande questão no interior da Cofco Internacional: devemos competir com as quatro grandes empresas do setor ou nos tornar uma ferramenta de abastecimento para a China? É difícil dizer qual será a resposta final”, explica Ivo Sarjanovic, professor no programa de Comércio de Commodities na Universidade de Genebra. “Acredito que as últimas ações da Cofco indicam uma tendência maior a se tornar uma ferramenta de abastecimento em vez de uma concorrente para as outras grandes empresas.”

No entanto, há quem tema que a fusão proposta prive seus principais concorrentes de comercializarem na China, já que a matriz da entidade resultante da fusão teria acesso direto tanto aos produtores quanto aos consumidores chineses.

Um crescimento difícil

Dito isso, a Cofco (ainda) não está em condições de competir com seus concorrentes pelo primeiro lugar. Uma estratégia agressiva de fusão e aquisição não parece ser suficiente para isso. E sua entrada na bolsa de valores a colocaria mais próxima da Louis Dreyfus e da Olam International, de Cingapura, do que da Cargill, Bunge e ADM.

Em 2019, a Cofco International registrou um faturamento de 31 bilhões de dólares para um volume de 114 milhões de toneladas de commodities agrícolas. Um valor a ser comparado aos da Cargill, US$ 114 bilhões, e da Louis Deyfus, US$ 36 bilhões.

A ambição inicial da Cofco era se tornar líder de mercado até 2020 – uma meta que não foi alcançada. A CIL precisou aprender a se integrar ao setor. No momento de sua aquisição, a Nidera escondia um buraco contábil de 150 milhões de dólares relacionados às suas operações brasileiras, de acordo com os meios de comunicação. A justiça brasileira também alegava condições análogas à escravidão na empresa.

Em Genebra, o desenrolar de acontecimentos envolvendo a CIL também influenciou a composição da equipe de funcionários. Novos rostos apareceram. Sarjanovic, ex-trader da Cargill, afirma que, após a Cofco assumir o controle das duas empresas, houve uma mudança do estilo de gestão ocidental para um chinês.

A adaptação cultural foi um verdadeiro desafio, segundo ele. A CIL precisou combinar os modelos de gestão da Nidera, da Noble e da ADM (de onde vinham muitos dos funcionários) com o da nova entidade, que desejava “homogeneizar” as abordagens.

Um ex-funcionário norte-americano da CIL confirmou anonimamente essas mudanças à swissinfo.ch. Ele fala de um verdadeiro choque cultural quando a nova administração assumiu em Genebra.

Por sua vez, na época da aquisição das duas empresas, a CIL afirmou que “a gerência local foi recrutada no mercado suíço”. Atualmente, cerca de 200 funcionários trabalham na sede de Genebra.

Entretanto, no que diz respeito à fusão divulgada na mídia e à contratação de bancos para assessorá-la, a CIL afirmou não ter comentários.

A pressão da opinião pública

Para muitas pessoas, as grandes decisões tomadas pela Cofco também fazem parte da estratégia “do campo para mesa” (também adotada por outras grandes empresas). Ela é uma reação à crescente pressão pública que exige a responsabilização dos grandes atores da agroindústria.

Florence Schurch, secretária-geral da Associação Suíça de Comércio e Navegação (STSA, na sigla em inglês), confirma que há uma tendência, por parte dos atores do setor, a visar o controle de toda a cadeia de abastecimento, que está cada vez mais sob escrutínio público.

Um exemplo disso é a recente iniciativa popular “por empresas responsáveis”. A iniciativa, que exigia que as multinacionais fossem responsabilizadas por suas cadeias de suprimento, por pouco não conseguiu conquistar a maioria dos cantões.

“É normal que os comerciantes procurem controlar toda a cadeia de suprimento, já que as organizações da sociedade civil estão exigindo que eles se responsabilizem”, explica a representante do setor. “Eles não podem ser responsabilizados se não estiverem no controle.”


Adaptação: Clarice Dominguez

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