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Salto da maconha a drogas fortes é evitável

Keystone

“Não existe relação direta entre consumir maconha e passar a consumir drogas pesadas como heroína e cocaína”.

A observação é da Dra Lúcia Messina que trabalha em centro de aconselhamento para toxicodependentes estrangeiros em Basiléia.

Estudos mostram, atualmente, a inexistência de elo entre consumo de maconha e drogas fortes, diz a médica brasileira.

Pesquisa feita na Suécia revela, porém, que o uso precoce da maconha por pessoa que já teria predisposições a distúrbios psíquicos é perigoso, pois haveria o risco de desenvolver realmente tais distúrbios. “Mas isso é muito individual, não ocorre com todos”, realça a especialista.

Abordando este tema delicado, Dra Lúcia lembra que há cerca de 30 anos a maconha era coisa tabu, reservada aos hippies, aos artistas, aos alternativos… Hoje, como o acesso ao produto se tornou mais fácil, o consumo aumentou muito.

Paralelamente cresceu sua nocividade, pois a maconha que se fuma atualmente tem forte concentração de THC (a substância que leva à euforia ou relaxamento). A dependência psíquica pode, então, ser maior, porque na busca desse efeito geralmente se tende a fumar com mais freqüência o produto.

Mesmo assim, a médica brasileira é pela “legalização sob controle” da maconha, embora realçando que a prevenção seja a melhor solução.

O mais importante é se informar

Na questão das drogas, Dra Lúcia da Cunha Messina está convencida de que o mais importante é estar informado. Em Basiléia, no MUSUB (sigla para Multikulturelle Suchtberatungsstelle), centro de aconselhamento e apoio a estrangeiros toxicodependentes, uma de suas atividades é informar as pessoas sobre o perigo e os meios de se livrarem da dependência de drogas (confira o site ao lado, em português).

Essa dependência vai do tabaco à heroína, passando pelo álcool , maconha, cocaína e mesmo jogos. A médica constata que, hoje, a droga ocupa muito espaço na sociedade.

“Não é preciso falar de drogas ilegais. Fiquemos com o álcool e o cigarro. As crianças começam com 13, 14 anos a fumar cigarro, ou seja, numa fase em que o organismo ainda não está preparado… A possibilidade de desenvolver dependência é muito mais acentuada”.

Por isso mesmo, o mais importante é se informar, estima a especialista. É um dever dos pais, do cidadão, porque quando se conhece a questão é mais fácil abordar o problema e achar solução.

Motivar

Com sua formação de psiquiatra, Dra Lúcia está convencida de que o passo mais importante é motivar a pessoa: “Não é assim que a gente chega à conclusão de que do jeito que está não dá para continuar. Eu vou parar de fumar, parar de beber ou parar de consumir heroína”.

E dá, como exemplo, o cigarro. “Eu mesma já fumei… na verdade se precisa ter uma motivação para largar o vício”.

Em relação a esta e a outras drogas, o trabalho efetuado no MUSUB, em Basiléia, começa por aí: mostrar que existem razões para dar um passo na boa direção, seja em função do consumo abusivo ou dos prejuízos à própria saúde. E, até da saúde dos outros: “Os fumantes passivos acabam tendo os mesmos problemas que os fumantes ativos”.

Bebidas alcoólicas

Resta que os terapeutas do centro de Basiléia estão continuamente confrontados ao problema de drogas legais e ilegais. Entre as primeiras, o álcool figura em destaque.

Dra Lúcia – que atende a pacientes de nosso idioma, em particular portugueses e brasileiros – nota, aliás, quão rapidamente as bebidas alcoólicas podem levar a dependência, em particular de pessoas migrantes.

Emigrar é desraigar-se, sair do país de origem para viver em pais estranho, o que geralmente implica um choque cultural. Se o migrante se vê isolado, se desconhece a língua do lugar em que passa a viver, está sujeito a frustrações maiores ou mesmo a conflitos. O consumo de álcool “é uma maneira de esquecer esse tipo de problema”.
Note-se de passagem, que o MUSUB tem respaldo da Bleues Kreuz (cruz azul) do cantão de Basiléia-Campo, uma organização voltada para a assistência a alcoólatras. O que, portanto, tem uma explicação.

Integração

Os terapeutas do centro podem se ver confrontados também com outras drogas, ilegais: maconha, cocaína, heroína, medicamentos do tipo benzodiazepínicos (que alivia ansiedade, tranqüilizante) ou alucinógenos…

A variedade de casos é bastante grande. O paciente que vem por iniciativa própria ou enviado por hospitais, policlínicas ou médicos é aconselhados e acompanhado regularmente por períodos que podem ir de seis meses a um ano e meio… A preocupação é conseguir que ele tome iniciativas que possam resolver o próprio problema.

No fundo, o centro realiza um trabalho destinado a favorecer a integração do estrangeiro, uma vez superada a dependência.

Obviamente, o estrangeiro que não fala a língua do lugar de residência vai encontrar dificuldade de acesso às instituições, ao mercado de trabalho… “Embora o centro esteja mais voltado para a questão das dependências, acaba atuando como intermediário”, constata Dra Lúcia.

Com freqüência estimula, então, pacientes a freqüentarem um curso de alemão, a contatarem associações adequadas (como o CIGA-Brasil), a freqüentarem pontos de encontro, etc.

drogas brabas

Há certos casos de toxicodependentes mais graves, porém, que, segundo observa a médica, é preciso começar com uma desintoxicação e completar o trabalho por um acompanhamento psíquico-terapêutico. A pessoa pode, então, ter condições e força necessárias para se manter afastado da droga…

Indagada se tais pacientes podem ser encaminhados ao serviço do governo de distribuição de heroína, Dra Lúcia admite que isso pode acontecer, mas é raro: “é mais a exceção que a regra”.

A médica brasileira prefere, porém, falar de gerenciamento pelo governo de programas do gênero. É destinado somente aos casos extremamente graves. O drogado entra num processo demorado de substituição da heroína pela metadona (que produz efeitos similares), recebe apoio psicológico, apoio na área social na tentativa de fazê-lo melhorar de vida e procurar sair da forte dependência.

Dra Lúcia acha perfeitamente defensável: “Chega a um ponto em que o consumo é a preocupação maior. Aí vem o estresse para conseguir a droga. É uma droga ilegal, tem que correr atrás… Com o tempo essas pessoas vão começando a se denegrir cada vez mais. Passam a viver em função de obter o produto para o consumo, e em condições bastantes precárias”.

Caso da maconha

E lembra que há alguns anos se via na Suíça com muito mais freqüência pessoas pelas ruas se drogando, sem trabalho, sem teto. A situação melhorou.

Dra Lucia Messina assinala ainda que se debate a implantação de um programa similar para casos graves de dependentes da cocaína. Já se sabe que os critérios de “distribuição” seriam os mesmos.

Quanto à maconha, a médica de Basiléia estima que devia ser uma droga legal. Até porque poderia haver então um melhor controle dos consumidores e porque não é comparável com a heroína “que leva à dependência desde o primeiro momento, desde o primeiro consumo”.

Mas não seria nociva? Ligeira hesitação: “Hum, depende de como se liga com a maconha. É como álcool. Pode ser extremamente nocivo ou pode não ser… Uma pessoa pode ter seus hábitos de tomar seus vinhos sem prejudicar o organismo ou a psique.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

– Médica brasileira fala de sua experiência no tratamento de toxicodependentes em Basiléia; centro é voltado para as necessidades dos migrantes de vários países, inclusive os de língua portuguesa.


– Também opina sobre como abordar certas drogas, como a maconha e dá pistas para sair do vício, para evitá-lo ou simplesmente explicá-lo.

– info@musub.ch (endereço mail para o serviço)

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