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Seqüestro extraordinário é tema de filme em festival

O ator marroquino Omar Berdouni interpreta "Zaafir", o professor seqüestrado. (fotos: cortesia)

"Extraordinary Rendition" é o termo utilizado pela CIA para designar os seqüestros de suspeitos de terrorismo fora dos Estados Unidos. Este é também o título do filme apresentado pelo diretor inglês Jim Threapleton no Festival Internacional de Cinema de Locarno.

Candidato ao “Leopardo de Ouro”, o filme impressionou a platéia pelas fortes cenas de tortura. O tema também é atual na Suíça através de um escândalo que envolve o serviço secreto helvético e a atuação de um senador no Conselho da Europa.

As três mil pessoas que estavam na sala “Fevi”, um grande ginásio transformado em sala de projeção, aguardavam ansiosas a chegada de Jim Threapleton. Um problema de computador havia atrasando em meia-hora a exibição do filme em alta definição, mas o clima era de expectativa. Conhecido pela imprensa como o ex-marido da atriz Kate Winslet (a estrela do “Titanic”), o diretor inglês estava fazendo a estréia mundial do “Extraordinary Rendition”, o seu mais recente trabalho.

Resolvido o problema técnico, Threapleton subiu ao palco e alertou a platéia. “Vocês estarão vendo uma ficção, mas baseado em fatos reais”. O que ocorreu durante 77 minutos, deixou até o mais resistente dos espectadores com os cabelos em pé. Cenas de tortura eram ampliadas na tela e escutadas como se o espectador estivesse dentro da cela de prisão.

Procedimento extralegais

O termo originário do inglês “Extraordinary Rendition” é uma expressão utilizada nos Estados Unidos para procedimento extralegais, onde os suspeitos de terrorismo são enviados a outros países diferentes dos EUA para encarceramento e interrogatório. Os críticos acusaram a CIA de entregar essas pessoas a outros países com o objetivo de evitar as leis americanas, que proíbem tortura ou encarceramento sem decisão judicial.

A imprensa trouxe à tona diversos casos de rendição extraordinária como na Alemanha e Itália. Algumas dessas pessoas foram levadas para o Egito ou Afeganistão através de bases americanas sediadas na Europa. Em alguns casos, como acusa o senador suíço Dick Marty, relator de uma comissão especial criada pelo Conselho da Europa, países membros da União Européia como a Polônia e Romênia teriam abrigado prisões secretas da CIA. Mais recentemente, o jornal helvético “Blick” publicou a cópia de um fax interceptado pelo serviço secreto suíço, onde a existência dos centros de detenção era confirmada. Os autores da reportagem foram processados, mas absolvidos pela justiça militar do país dos Alpes.

Agentes da CIA

Na história de Threapleton, Zaafir (personagem interpretado pelo ator marroquino Omar Berdouni), é um descendente de marroquino e trabalha como professor de inglês na Universidade do Norte de Londres. Nas aulas ele provoca os alunos com temas polêmicos como terrorismo e fundamentalismo. Na vida privada, ele é um muçulmano moderado e casado com uma européia católica. Os dois estão completamente integrados na vida inglesa.

Enquanto fazia jogging pelas ruas de Londres, Zaafir é abordado por estranhos, que o nocauteam com um soco e depois o colocam dentro de um carro. Ao acordar dentro de um container, os agentes declaram que ele é suspeito de estar envolvido com atividades terroristas.

Zaafir é transportado de avião para outro país, provavelmente asiático, e encarcerado numa prisão. Nos dias seguintes ele é interrogado por Maro (personagem brilhantemente interpretado pelo ator inglês Andy Serkis de “King Kong” e “Senhor dos Anéis”) e torturado pelos seus auxiliares.

Diversas técnicas empregadas pela CIA, como se tornou público através da imprensa, são mostradas: celas frias, onde luzes acendem e apagam para impedir o sono do detento; simulações de afogamento; golpes com cabos de borracha nas plantas dos pés; mãos e pés atados para provocar dor através de posições desconfortáveis e outras formas de tortura.

Dias ou semanas depois, Zaafir está em frangalhos. O interrogador repete a cada seção as mesmas perguntas. Ele apresenta dados privados sobre a vida do torturado e lhes confronta com acusações. “Você é um terrorista, admita”, pontua Maro a cada vez. No final, Zaafir assina um documento que lhe é apresentado. Dessa forma ela admite todas as acusações.

Nocauteado mais uma vez através de narcóticos, Zaafir reaparece dias depois, ferido quase à morte, numa casa abandonada em Londres. Ele é encontrado pela polícia e levado para o hospital.

Cinema denúncia

“O que mais me choca, é o anonimato completo desse maquinário que arruína a vida dessas pessoas”, declara o cineasta Jim Threapleton. Inspirado pela leitura de várias reportagens, ele realizou seu filme com um orçamento de pouco mais de 100 mil dólares.

No filme, o personagem Zaafir recupera sua saúde, mas não consegue mais se integrar na sociedade. Sem emprego e em permanente conflito com sua esposa, ele direciona sua revolta para o fundamentalismo muçulmano. A ficção se espelha também na realidade, como demonstram vários casos de pessoas seqüestradas pela CIA como do sírio-alemão Khaled el-Masri ou do imame egípcio Abu Omar.

Threapleton ressalta que não é um documentarista. “Eu tentei manter uma certa distância artística dos fatos. Não fizemos um filme para abordar todos os casos ou fazer uma apresentação documental do que ocorreu. Estamos apenas contando a história de alguém que foi pega em um processo”, explica.

Em Locarno, o diretor inglês tem esperança de ter impressionado o júri. De qualquer maneira, ele já está satisfeito de ter levantado a questão do tratamento dado aos muçulmanos na Europa, sob a pressão criada pelo atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. “A atmosfera que estamos vivendo na Grã-bretanha é de cerco total para os muçulmanos. E a qual preço os políticos estão colocando em questão as nossas liberdades políticas? Terrorismo não é algo de novo, mas parece ser conveniente para algumas intenções”, afirma.

swissinfo, Alexander Thoele, Locarno

O termo originário do inglês “Extraordinary Rendition” é uma expressão utilizada nos Estados Unidos para procedimentos extralegais, onde os suspeitos de terrorismo são enviados a outros países diferentes dos EUA para encarceramento e interrogatório. Os críticos acusaram a CIA de entregar essas pessoas a outros países com o objetivo de evitar as leis americanas, que proíbem tortura ou encarceramento sem decisão judicial.

A imprensa trouxe à tona diversos casos de rendição extraordinária como na Alemanha e Itália. Algumas dessas pessoas foram levadas para o Egito ou Afeganistão através de bases americanas sediadas na Europa. Em algum caso, como acusa o Conselho da Europa, países membros da União Européia como a Polônia e Romênia teriam abrigado prisões secretas da CIA.

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