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“Os jovens querem espaços de liberdade”

Zurique foi alvo de repetidas agressões nas últimas semanas. Keystone

Violência, vandalismo, festas clandestinas reprimidas pela polícia em Zurique, os confrontos entre jovens e a polícia aumentaram em setembro.

O sociólogo Ueli Mäder, de Basileia, fala à swissinfo.ch da natureza explosiva das desigualdades sociais que aumentam na Suíça.

Os fins de semana de setembro em Zurique começam a cheirar a gás lacrimogêneo e balas de borracha. Em dois sábados do mês, jovens da cidade tentaram organizar festas clandestinas em dois pontos nevrálgicos da cidade, caracterizados pelo tráfego pesado. A polícia interveio e prendeu várias pessoas.

No primeiro fim de semana, os manifestantes exigiam uma programação cultural não comercial e “espaços livres” para os jovens. Mas, mesmo se o apelo feito uma semana depois alegava o mesmo propósito, os observadores são unânimes em descrever uma multidão que tinha apenas uma ideia em mente: brigar com a polícia. Alguns manifestantes já chegavam equipados com barras de ferro. Os danos são consideráveis.

Ueli Mäder, professor de sociologia na Universidade de Basileia, especializado em questões de desigualdade social, sociologia política e principalmente de violência, defende que os jovens precisam ter mais direito a palavra.

swissinfo.ch: Após os tumultos em Londres neste verão, o Senhor não descartou que a Suíça também poderia ser afetada pelos confrontos relacionados, ao seu dizer, às desigualdades sociais. Será que os acontecimentos de Zurique podem ser considerados dessa forma?

Ueli Mäder: Acho que o caráter potencialmente explosivo das desigualdades sociais está aumentando sim, também na Suíça. Com a nossa cultura do consenso político, do diálogo, com o alto grau de integração no mundo do trabalho e a democracia direta, os confrontos em Zurique nos deixaram perplexos.

Na Suíça, as desigualdades sociais diminuíram até os anos 1960. Mas desde os anos 70, e especialmente o final dos anos 80, que a diferença está aumentando novamente. Pode não ser uma causa direta para os confrontos entre os jovens e a polícia, mas é um elemento que deve ser levado em consideração.

Muitos jovens respondem à falta de perspectivas. Eles acham que tudo é mecânico na sociedade e que só o desempenho conta. Eles não veem o sentido de tal sociedade. Fizemos um estudo com jovens delinquentes e era impressionante ouvi-los dizer que não queriam ser mais uma engrenagem na máquina. Durante anos, o capital e o trabalho têm o mesmo valor. Hoje os jovens estão se dando conta que o primeiro se torna cada vez mais importante.

swissinfo.ch: Mas alguns jovens também estão muito interessados em capital e dinheiro…

U.M.: Há sempre pessoas que vão na direção oposta. Em 1968, nem todos manifestaram…

swissinfo.ch: Comparando os fatos de hoje com as manifestações dos anos 80, alguns observadores notam que falta uma ideologia, ou um conteúdo mais político. É o caso em Zurique?

U.M.: Não ter ideologia também é um conteúdo. Quando os jovens fazem um concurso para ver quem bebe mais e são criticados por responderem assim aos imperativos da sociedade de consumo, eles dizem que este hedonismo é a forma deles se oporem ao mundo de seus pais, para o qual só o trabalho conta… O que às vezes não consideramos como sendo uma mensagem política, para eles é.

swissinfo.ch: Em Zurique, está sendo discutido as pressões exercidas sobre o espaço público. O que o Senhor acha?

U.M.: Eu sinto que o espaço público tem diminuído, é verdade. O tráfego é extremamente dominante. Apesar de tudo que fazemos para os jovens, com uma oferta de esportes e de cultura variada, não sabemos como lidar com eles! Falta um espaço onde eles possam realmente exercer uma responsabilidade e dizer o que querem.

swissinfo.ch: Como o Senhor interpreta essas badernas?

U.M.: A mídia aumenta o fenômeno. Lembro-me de um evento organizado por jovens aqui em Basileia, na época do WEF em Davos. A marcha foi totalmente pacífica, e nenhum carro foi danificado. Apenas uma janela do UBS foi quebrada – e isso foi tudo. Mas os artigos só falaram disso.

Na Suíça, temos, na realidade, muito pouca violência no espaço público. Devemos tentar descobrir por que os jovens violentos são assim. Por exemplo, nós convidamos à Universidade um grupo de torcedores do “Muttenzkurve”, a torcida organizada do time de futebol de Basileia. Nós reservamos uma sala de aula para eles, mas vieram 700 deles! Tivemos que instalá-los no auditório. E muitos falaram.

Também tive casos de jovens réus. Pedi para falar com eles. O promotor encarregado disse-me que nenhum dos menores viria. Lendo os autos, todos pareciam ser sérios criminosos. Não só eles concordaram em falar comigo, mas acabei vendo outra coisa que criminosos perigosos. Não devemos reduzir os jovens a isso!

Pude ainda assistir ao julgamento, realizado a portas fechadas, dos “hooligans” de uma partida Basel-Zurich, porque os réus tinham me escolhido como observador. Fiquei impressionado com a forma como o juiz, mesmo tendo muita boa vontade, cortava sistematicamente a palavra deles. Na sociologia dizemos que é preciso saber “se deixar irritar pela raiva…”

Liberdade. 10 de setembro, cerca de mil jovens se reúnem na praça Bellevue, em Zurique, na beira do lago, para organizar uma “party” ilegal e exigir “uma programação não-comercial e espaços de liberdade” para os jovens. A polícia interveio quando os jovens subiram nos telhados. Houve confrontos com a polícia.

Torpedos. Durante a semana, apelos foram divulgados por torpedos para “mostrar a nossa liberdade” e “organizar um nova festa”, no dia 17 de setembro, desta vez no Central, outro ponto nevrálgico do transporte público em Zurique, perto da estação. Segundo a polícia, que prendeu quase 100 pessoas, alguns “baderneiros” vieram com barras de ferro.

Novos confrontos. No mesmo fim de semana, a polícia teve de intervir em outras ocasiões na cidade para evitar uma escalada das manifestações. Em uma delas, extremistas de esquerda queriam impedir que manifestantes anti-aborto desfilassem pelas ruas.

Espontaneidade. Giacomo Dallo, diretor da associação “Offene Jugendarbeit Zürich” (OJA) administra, em nome da cidade, centros de juventude. Ele lamenta que “hoje, para qualquer festinha, é preciso pedir uma autorização, com o conceito detalhado da festa, com seis meses de antecedência. Não há espaço para ideias espontâneas, com procedimentos simples.”

Estratégia. A prefeitura criou uma força-tarefa para analisar a questão. Esta nova “estratégia para organizar festas devem abordar as questões da vida no espaço público, como a prostituição e a violência juvenil.”

Diálogo. Porta-voz da Polícia, Reto Casanova acrescentou que seria “importante que um diálogo seja estabelecido com os jovens que querem mais liberdade de ação. Infelizmente, até agora não tivemos de lidar com as pessoas que querem esse diálogo. Continuaremos com nossos esforços.”

Adaptação: Fernando Hirschy

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